Sou admirador de Música. Já o referi bastantes vezes ao longo de algumas crónicas que tenho escrito para diversos Órgãos de Comunicação Social e hoje em dia quando saio para a noite a verdade é que centro as minhas escolhas em dois pressupostos: no estilo de música que passa em determinado espaço e no sítio para onde os Amigos com quem me apetece estar querem ir. Por vezes, estes pressupostos são inconciliáveis o que me obriga também eu, dentro do espetro, fazer as minhas próprias opções. Gosto de discotecas onde as pessoas saem para se divertir e ouvir boa música, é por isso que eu sou fã da Noite Africana mas também de vários Clubes espalhados por Moçambique numa Cultura de Raíz que começou em Nampula com o inesquecível Saxofonista e Músico Chico da Conceição — infelizmente já desaparecido de nós desde o dia 1 de Outubro de 2019, vítima de doença prolongada e práticamente cego. Morreu com 91 anos, no Hospital Central de Maputo, depois de uma carreira preenchida de sete décadas a tocar para um público ávido que ocorria aos seus bailes nos subúrbios de Nampula, e que ainda recolhe as preferências de alguns. Foi/é um Amigo que não vou esquecer e que continuo a guardar no coração, com imensa Saudade.
Talvez por isso tenha alguma dificuldade em perceber o fenómeno Moçambicano da fixação pela área supostamente VIP e pelas “entradas de borla” nas discotecas ditas de “gente fina” ou daquelas outras discotecas e espaços considerados de “Palhota” e feitas de “Caniço” e “Matope”, que frequentei nos idos de 60 e 70, em Nampula, em Nacala, em Quelimane, na Beira (onde nasci) e, posteriormente, na cidade da ex-Lourenço Marques, actual Maputo, quando o objectivo é consumir alguma coisa e “abanar o capacete”.
Em primeiro lugar, sou contra a estratificação social dos espaços e das sociedades em si em que de um lado estão «os mais ricos e os mais nobres» e do outro «os pés descalços e mal vestidos», e os «menos abastados e vulgares moçambicanos». Porque é essa divisão que faz com que as pessos não se divirtam e passem o tempo obcecadas com o “ver e ser visto” comentando quem tem pulseira e brinco de ouro e gozando com quem ficou para trás e só ostenta o colar de “missanga”…
Torna-se ridículo ver alguns espaços com áreas VIP (como por exemplo era a Discoteca ZAMBI, em Maputo) — cuja Gerência estava a cargo do falecido Alex Barbosa e localizada (para quem se lembra ainda desses velhos tempos!), ali para as bandas da antiga Feira Internacional da FACIM de boa memória. Manuel Silva, dono da lendária A CAVE que ficava a escassos metros da Praça Mac-Mahon, também em Maputo, dizia que na sua «boite» havia lugar para todos e que não era o dinheiro que definia quem entrava mas o grau de loucura e de vontade de diversão e, naturalmente apresentável em termos de vestuário. Dizia ele que uma noite perfeita tinha que ter 10% de loiras vistosas, 20% de Gays, 10% de gente conhecida, 10% de ricos e o resto gente anónima desde que fizessem a festa no meio destes. Obviamente que isto era uma visão do Final dos Anos 60 e princípios dos Anos 70 e que as percentagens não eram seguidas à regra mas o que ele queria mesmo dizer é que dentro de uma noite havia espaço para todos e que só com todos uma noite poderia ser verdadeiramente especial. Na óptica dele, e que hoje em dia é replicada em diversos sítios, quer em Moçambique, quer em qualquer parte do Mundo, existem mesas onde as pessoas podem comprar garrafas de várias bebidas e existe a pista, mas todos se divertem no mesmo espaço, não existem áreas VIP, nem áreas de acesso exclusivo a quem tem pulseira de ouro ou pulseira de “missanga”…
Depois tinham salas privadas, longe do olhar de todos, onde ele se divertia e relaxava com alguns amigos especiais e com os Artistas do Espectáculo que ali actuavam todas as noites. O Amigo e Saudoso Chico da Conceição — com quem fui diversas vezes à A CAVE dançar e beber um copo — foi considerada, à época, uma das melhores casas nocturnas da Capital.
Por outro lado, o meu Amigo Sousa Gouveia — conhecido Agente Artístico Moçambicano “daqueles velhos tempos” — chegou a confidenciar-me que já tinha realizado festas privadas para gente famosa na África do Sul e «que nunca os vi preocupados em procurar uma área reservada numa discoteca, nem em escolherem um espaço só porque tinham área VIP» — disse-me certa vez com ironia, para acrescentar de seguida: «E lembro-me até de uma cantora americana de passagem por Joannesburg, de nome Alicia Keys que “fugia” da área reservada para se misturar no meio das pessoas e dançar na pista de dança». Então — digo eu agora — a preocupação das pessoas em terem que entrar num sítio sem pagar, mesmo sabendo que vão consumir, é algo de inexplicável, ainda para mais quando o valor é consumível. Se pagam para ir ao Teatro, ao Cinema e ao Futebol porque não hão-de pagar para saírem?
As discotecas, as “boites”, como os Clubes Recriativas e as Sociedades Filarmónicas, precisam de todo o tipo de pessoas e é na mistura de gentes — independentemente das raças e da cor da pele de cada um que está a pureza humana. Todos precisamo de todos, incluindo as culturas, as vivências e riquezas de todo o tipo que nos faz crescer a todos e nos torna intelectualmente mais ricos. A maioria das vezes, as pessoas mais interessantes estão bem no meio da pista de dança e não na cabina de um qualquer camarote fazendo a triste figura de estar à espera da bebida de borla de quem paga como se de uma esmola se tratasse. O Mundo precisa de mais pessoas com atitudes que não se vendem por dinheiro — hábito infelizmente muito implantado nos Países Africanos, como Moçambique, por exemplo, onde a corrupção prolifera a olhos vistos — mas que se trata de um Povo que se diverte até de manhã porque adoram viver, que dançam ao som da boa Marrabenta e vibram na pista de dança. Que são sofisticadas sem fazer nada por isso e que não escolhem os amigos pela carteira, mas pela definição de Amizade. Larguem a área VIP e SOLTEM-SE!
Vão ver que vale a pena. Ou não fosse o Povo Moçambicano constituído por gente que têm dentro de si — e no sangue que lhes corre nas veias —, os sons da Música, da Alegria e da Vida despreocupada que representam.
(Para o Meu Amigo Chico da Conceição, Saxofonista Moçambicano de Eleição, esta Homenagem Com Amizade e Saudade pelos Velhos Tempos)
Afonso Almeida Brandão, na rubrica “De Vez em Quando” da versão imprensa do Jornal Evidências, ed. nr 06, de 16 de Março de 2021.
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