- Rebeldes controlam uma parte de Palma e as FDS, outra
- Confrontos duram quase uma semana
- Total e Governo abandonam população
Apenas alguns dias depois de o Governo ter anunciado a criação do Comando Operativo Especial de Afungi e no mesmo dia em que a Total anunciou a retoma dos trabalhos nos projectos de gás na bacia do Rovuma, a vila de Palma, a menos de 25 quilómetros do local onde decorrem as operações (Afungi), foi invadida pelos insurgentes, obrigando a população e o Governo local a fugir. Desde a passada quarta-feira, Palma transformou-se em uma vila fantasma, as Forças de Defesa e Segurança (FDS) tudo fazem para rechaçar a ousadia dos insurgentes que, neste momento, controlam uma parte do distrito de Palma. Enquanto isso, a Total decidiu evacuar mais uma vez os seus trabalhadores, reduzindo ao nível mínimo a força de trabalho no estaleiro em Afungi e suspendeu o retorno da maior parte da massa laboral que estava prevista para o início desta semana. O arranque do projecto, aprazado para 2024, agora está seriamente em risco, pois o cumprimento da meta dependia da retoma dos trabalhos em Afungi esta semana.
O Governo tudo fez para tentar salvar a previsão do arranque do projecto de Gás Natural Liquefeito em 2024, mas a ousadia dos insurgentes ameaça colocar tudo em causa. Há cerca de duas semanas, o Governo, através do Comandante Geral da Polícia, anunciou a criação do Teatro Operacional Especial de Afungi, como resposta à exigência da multinacional francesa, Total para retornar aos trabalhos. Dias depois, a garantia da retoma era dada com toda pompa pelo ministro dos Recursos Minerais e Energia, Max Tonela.
Entretanto, o ataque da passada quarta-feira, num raio de 25 quilómetros da península de Afungi, não só está a ser o primeiro grande teste para o Comando Operativo Especial de Afungi, como também é a gota de água que ameaça fazer transbordar o copo.
A Total, que já havia assegurado o retorno aos trabalhos na sua máxima força, ameaça recuar e tal como o fez no dia 01 de Janeiro, quando os insurgentes aproximaram-se do seu acampamento, evacuou parte significativa dos mil trabalhadores que garantiam serviços mínimos nos seus estaleiros.
Uma nota do Gabinete de Comunicação daquela multinacional, enviada ao Evidências, traça um quadro tenebroso sobre o projecto. É que, a exploração de gás natural na bacia do Rovuma pode ver os seus prazos ainda mais atrasados.
“Após o ataque na quarta-feira, dia 24 de Março, em Palma, uma vila localizada perto do estaleiro do Projecto Mozambique LNG em Afungi, a Total está a acompanhar a situação atentamente, em conjunto com as autoridades e as equipas locais. A Total decidiu reduzir ao nível mínimo a força de trabalho no estaleiro em Afungi”, escreve a multinacional francesa, abrindo uma incerteza.
É que na sua negociação com o Governo, a Total estabelecia que até finais de Março, Moçambique devia cumprir a exigência, sob o risco de as esperanças de ver a exploração de gás natural arrancar até 2024 desvairarem-se. É o que parece estar a acontecer.
“Se o trabalho puder ser retomado antes do final de Março, a produção de GNL ainda poderá começar como planeado em 2024. Se, no terreno, as Forças Armadas e a Polícia conseguirem retomar o controlo da área que combinamos juntos, acho que até o final do primeiro trimestre poderemos reiniciar os trabalhos”, disse o CEO da Total, em Janeiro último após um encontro com o Chefe do Estado moçambicano.
Na sua última comunicação após o ataque à Palma, a Total expressou a sua solidariedade e apoio à população, aos familiares das vítimas e às pessoas afectadas pelos trágicos acontecimentos dos últimos dias.
“A prioridade absoluta da Total é garantir a segurança e a protecção das pessoas que trabalham no projecto. A Total confirma que não há vítimas entre a equipa a trabalhar no estaleiro do projecto em Afungi”, disse a Total, reiterando que “tem confiança no Governo de Moçambique cujas forças de segurança pública estão a trabalhar por forma a retomar o controlo da área”.
FDS ainda não recuperaram controlo de Palma e confirma mortes de sete pessoas
Neste momento, tanto a Total, como o Governo ainda não se pronunciaram oficialmente no sentido de confirmar o falhanço da meta do arranque da exploração em 2024, depois de estar comprometido o prazo do retorno às actividades nos estaleiros de Afungi, que pode fazer baixar pelo ralo a esperança da retoma da Total aos trabalhos, uma vez que a vila sede de Palma localiza-se dentro do perímetro de segurança exigido pela multinacional francesa.
Na noite deste domingo, numa conferência de imprensa bastante concorrida, porém sem direito a perguntas, o porta-voz do Ministério da Defesa Nacional, coronel Omar Saranga, falou da pronta resposta das Forças d Defesa e Segurança, no entanto, não confirmou e nem negou o controlo da Palma pelos insurgentes.
Na sua comunicação, Omar Saranga, disse que a intenção dos terroristas é amedrontar os cidadãos e atrasar o desenvolvimento do país, uma intenção que, a avaliar pelo comunicado da Total, se concretizou.
De acordo com este, o ataque provocou dezenas de cidadãos indefesos, causando morte de sete cidadãos que, à saída do Hotel Amarula, precipitaram na tentativa de fuga. Segundo fontes no terreno o número de morto pode ser maior do que o oficial.
Saranga nada disse sobre o perfil dos mortos, no entanto, a imprensa sul-africana avança haver dezenas de mortos, incluindo um cidadão sul-africano, para além de vários desaparecidos.
Esta situação levou o presidente da África do Sul Ciryl Ramaphosa a reunir as chefias militares do seu país de emergência e pondera-se o envio de forças especiais para juntarem-se às Forças de Defesa e Segurança.
Esse reforço pode chegar numa altura em que as FDS reforçaram a sua estratégia operacional no terreno, segundo Saranga, com vista a repor a tranquilidade, um trabalho que até ao momento “permitiu a evacuação de centenas cidadãos e evitar que centenas de infra-estruturas e bens fossem vandalizadas”.
O apelo do Ministério de Defesa Nacional é que as populações se mantenham calmas, e denunciar os movimentos dos terroristas às FDS. Até ao fecho desta edição (este Domingo) os combates continuavam.
Destruição, abandono e controlo dividido entre as FDS e Insurgentes
Nos últimos anos, a vila de Palma vinha registando um franco crescimento, mercê do investimento em vária cadeia de valor ligada à logística de petróleo e gás, mas depois do ataque ficou apenas sombra daquilo que se projectava como a futura cidade. Boa parte da vila de palma está completamente destruída.
Fontes do Evidências contam que a vila encontra-se neste momento completamente abandonada, após a fuga da população por meio de pequenas embarcações, depois de ter sido deixada para trás. A Total e o Governo local preocuparam-se somente em salvar os seus, que foram evacuados de helicópteros para Pemba, Afungi e Quitunda.
O administrador do distrito de Palma, Agostinho Tauabo e seus colaboradores directos, foram entre os primeiros a serem evacuados, deixando para trás não só a população como também outros funcionários públicos, com destaque para professores das escolas locais.
Sem nenhum comando claro das autoridades locais, muitos não tiveram muitas opções senão lançarem-se ao alto mar em pequenas embarcações precárias e superlotadas, em fuga para Pemba e outros locais considerados seguros, enfrentando o risco de morrer a fome ou naufragado, como já aconteceu no passado. Alguns procuraram refúgio na Vizinha Tanzania.
Sem grande responsabilidade sobre as pessoas, a multinacional Total, colocou de imediato um avião para o resgate dos seus trabalhadores e interditou a entrada da população no território do seu DUAT, em Afungi, para evitar que os insurgentes se infiltrassem entre a população, sua principal táctica.
Aliás, há relatos de terem sido apreendidas muitas armas escondidas em mochilas na posse de insurgentes que estavam entre a população. As FDS estão a intensificar a vigilância.
Até Domingo, as FDS controlavam apenas uma parte de Palma, enquanto a outra estava nas mãos dos insurgentes, que usam escudos humanos para dificultar a acção das autoridades.
Enquanto isso, dificuldades logísticas de reabastecimento e a limitada assistência pelo ar por parte da frota das FDS e dos mercenários que quase sempre tem que voltar a Pemba para reabastecimento está a frustrar a acção dos bravos jovens polícias e militares de vários ramos que estão desde a primeira hora a lutar contra os insurgentes.
A Vila e o Distrito de Palma encontram-se neste momento com as comunicações por via móvel interrompidas. Não se sabe se é devido a sabotagem dos insurgentes ou um Shut Down das autoridades para evitar que se espalhe informações e, assim, evitar o pânico. Isso acontece numa altura em que as FDS estão a implementar novas abordagens de combate ao terrorismo.
Estados Unidos endurecem o tom contra terroristas em Cabo Delgado
Depois de ter incluído os terroristas que há mais de três anos desestabilizam alguns distritos da província nortenha Cabo Delgado na sua black list, o Governo dos Estados Unidos voltou a endurecer o seu tom, destacando que mantém-se empenhado em trabalhar com as autoridades moçambicanas para combater o extremismo violento e garantir a segurança e prosperidade para todos os seus cidadãos e residentes.
Este é mais um sinal de que, agora, a conhecida como a nação mais poderosa do mundo está a seguir de perto o conflito de Cabo Delgado.
“O Governo dos Estados Unidos continua a acompanhar a situação e mantém-se empenhado em trabalhar com o Governo de Moçambique para combater o extremismo violento e garantir a segurança e prosperidade para todos os seus cidadãos e residentes”, lê-se na declaração da embaixada dos Estados Unidos da América em Maputo.
Na sua comunicação, o governo norte-americano, que desde a chegada de Joe Biden parece estar mais ligado aos assuntos africanos, expressa solidariedade para com a comunidade de Palma e as Forças Armadas de Moçambique que trabalham para o restabelecimento da paz e da segurança.
“A Embaixada está profundamente preocupada com os contínuos ataques dos terroristas contra os residentes de Cabo Delgado, que sofreram tremendamente das tácticas brutais e indiscriminadas dos terroristas”, sublinha.
Refira-se que no princípio deste mês, as forças de operações especiais norte-americanas começaram a formar os fuzileiros navais moçambicanos para combater a ameaça terrorista em Cabo Delgado.
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