O silêncio dos inocentes

OPINIÃO

Por: Afonso Almeida Brandão

Existe uma imensa maioria silenciosa que parece não ter grande peso nos Destinos da Vida que levamos. Enquanto as coisas são o que se acha que devem ser, não há razões que estorvem os optimismos e as suas decisões das reduzidas minorias que actuam. Aliás, nem sequer vale a pena grandes preocupações para perceber que existe uma maioria que vai sustentando a minoria. Tudo, porém, é diferente quando, por acções “politicamente incorrectas”, da parte de quem comanda os destinos da maioria, a Paz (podre) existente, aparentemente, parece escangalhar-se. Só nessa altura os espíritos mais ousados redescobrem que existem outros espíritos — inocentes, porque se deixaram levar — que querem invocar as suas razões, querem manifestar as suas dúvidas. É um motivo de preocupação a que importa prestar a atenção em medida q.b.. Porque, afinal, a ameaça é relativa e de fácil contenção — ou não rendesse o trabalho manipulador de muitos anos.

Pode ser através de uma guerra que esteve iminente (ou que poderá vir a estar iminente ainda, nunca se sabe!) — pode ser através de um aperto de mão em terras perdidas, ou pode ser ainda através das consequências de umas calças com fecho eclair estragado. A verdade é que existe uma minoria, sem Procuração para os seus actos, que tem o Destino — por vezes trágico — de provocar o silêncio da maioria que lidera. Provocam e obtêm a resposta. Mesmo que esta corresponda a pouco coisa, ou até a nada lhe valha a pena. Porque, afinal, não foram consultados, porque, afinal, mesmo que o fossem, a poeira provocada pelo endoutrinamento de muitos anos — e que continua — não deixou grandes margens para a crítica sagaz ou para a afronta consequente. São mesmo silenciosos inocentes. E assim continuarão.

E, afinal, tudo tem justificação. Do mesmo modo que desde a infância se faz crer que o sacrifício (ligeiro) do respeito pela ordem é compensado pela segurança (enorme) que se obtém, também as maiorias se sentem seguras e protegidas através dos seus líderes, ainda que estes exerçam a sua autoridade sem que ninguém lha peça; ainda que a sua autoridade se baseie na injustiça.

Goethe dizia que se tivesse de escolher entre a Injustiça e a Desordem, escolheria a Injustiça. Não está sozinho. As nossas sociedades têm se complicado e as relações entre quem por cá vai andando não têm sido fáceis. A maioria cada vez mais anónima sente-se protegida pela ordem onde acredita existir a Tranquilidade. Uma crença que os leva a abandonar a sua sorte nas mãos daqueles que pensam ser bastante fortes e poderosos para os proteger. Seja pelo Fanatismo de um senhor do petróleo, seja pela cruzada do representante de Deus, seja ainda pela ilusão de um sonho americano. Trata-se de uma prestação de serviços alienantes que tem justificado muitos feudalismos; porque a Insegurança reforça o princípio da autoridade e prepara o contrato de abdicação das muitas personagens anónimas que se vão tornando mais fracas às mãos dos prometedores. É uma chantagem antiga, mas que também é dos tempos desta vaga; dos regimes autoritários, das religiões pacifistas e das democracias liberais de sucesso.

De tempos a tempos, invocam-se nos momentos propícios, as ameaças que se acumulam, silenciosamente, sobre as cabeças dos inocentes anónimos e seguidores. Ou então provoca-se intencionalmente essas psicoses de massas que desencadeiam o Medo e acabam no “escolham entre mim e o caos”. Vale tudo desde que consiga perpetuar a dependência dos regimes, das crenças, ou das pessoas como eternos sedativos para os perenes medos humanos.

De hábito em hábito, de menor esforço, de incapacidade em incapacidade, vai andando uma enorme maioria inocente que se satisfaz, em silêncio, — à falta de melhor e contra o seu sentimento mais profundo — de um tempo eriçado por interdições e repressões, por proibições e limitações, por chantagens e farsas. Vai-se fabricando assim conformismos no pensamento, condicionamentos nos comportamentos. Fecha-se os olhos  sobre a injustiça quando ela é revelada, — da sua condição com que a espécie ou distinguiu e se abandonaram ao sonho prometido por alguns, então, apenas lhes restará acreditar na imaginação. De pouco lhes valerá o sonho vendido por senhores da guerra, da Paz ou da Pátria, assim como de pouco servirão as convicções do Felisberto, do Manhiça ou Simango.

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