Desesperada, por não aguentar com as dores, depois de horas sem socorro, levantou para pedir ajuda, mas, para o seu azar, o feto acabou saindo e projectado violentamente para o chão. Não sobreviveu
Depois de perder o filho por negligência foi insultada e obrigada a limpar o chão
Direcção Provincial da Saúde diz que vai investigar “mas vai levar muito tempo”
Quando parecia que a violência obstétrica era um assunto do passado nos hospitais da Cidade e Província de Maputo, em pleno mês em que se exalta a mulher moçambicana, a maternidade do Posto de Saúde de Ndlavela decidiu brindar-nos com a mais alta demonstração de desprezo pela vida humana. As enfermeiras que estavam em serviço, no dia 28 Março do ano corrente, frustraram o sonho de Isaura Zacarias Machungo de ser mãe, ao lhe negar o socorro durante o serviço de parto, fazendo com que o bebé se projectasse violentamente para o chão. Como se a dor da perda não fosse suficiente, trataram de humilhá-la e tratá-la da forma mais cruel possível
Texto: Duarte Sitoe
A bíblia diz: “a mulher que está dando à luz sente dores, porque chegou a sua hora; mas, quando o bebé nasce, ela esquece a angústia”, devido à alegria de ter trazido ao mundo um novo ser. Contudo, aquilo que seria um motivo de alegria para Isaura Zacarias Machonga terminou em mar de lágrimas no Centro de Saúde de Ndlavela.
“O que passei naquele hospital não desejo a nenhuma mulher. Aquelas enfermeiras mostraram que não tem coração. Me deixaram entregue à minha própria sorte. Cheguei ao hospital por volta das 7 horas e com fortes dores. Quando cheguei, nenhuma delas veio me receber, apenas se preocupavam em escutar música e a soltar gargalhadas como quem estivesse numa festa. Clamei várias vezes pelo socorro e fui ignorada”, desabafou Isaura Machonga, sem conseguir segurar as lágrimas nos olhos.
Os gritos da Isaura não conseguiram superar a música que era escutada pelos profissionais que juraram salvar vidas. Cansada e com dores, após várias horas convalescendo nos bancos do hospital sem nenhum apoio, na tentativa de se dirigir à sala onde estavam as enfermeiras, entrou em serviço de parto e o feto acabou saindo, tendo sido amortecido pelo chão da sala de espera da maternidade do Centro de Saúde de Ndlavela.
“Gritei até perder a voz e ninguém me ouvia. As dores já eram fortes e já não aguentava mais. Tentei me levantar para ir à sala onde estavam reunidas as enfermeiras, mas depois de três passos, sem me aperceber como aconteceu, vi a o bebé caído no chão. Ao me aperceber disso, levei o bebé ao colo, mas ele não chorava o que aumentou mais a minha angústia. Voltei a clamar pelo socorro das enfermeiras, mas debalde. Os meus gritos de socorro voltaram a ser ignoradas”, relatou desolada a vítima da negligência que graça nas unidades sanitárias do país.
Suportar a dor da perda e da humilhação
Apercebendo-se de que o sonho que aguardou durante os nove meses de gestação ruiu, por falta de apoio e socorro de quem tem como lema: “O Maior Valor é a Vida”, Isaura confessou à equipa de reportagem do Evidências que ficou estática sem saber o que fazer.
“Esperei alguns minutos para ver se ouvia o choro do meu filho, mas tal não veio a acontecer porque ele bateu com o chão e não resistiu. Foi um duro golpe para mim, uma vez que esperei nove meses para depois acontecer o aconteceu”, revelou Isaura.
E, quando pensava que a sua desgraça já havia atingido o ponto mais alto, as enfermeiras que vão aos seus postos de trabalho para ouvir músicas e comentar sobre vida alheia, haviam lhe reservado mais sofrimento.
“Quando uma das enfermeiras apercebeu-se de que já havia dado parto e com o bebé nas mãos veio até mim dizer que a criança nasceu morta e que, por isso, não podia me atender. Ela disse que era para limpar o chão que sujei, mas ela conseguia ver que eu não tinha condições de fazer nada depois do terror que vivi”, disse aos prantos.
“Gritamos várias vezes por socorro mas nada aconteceu” – testemunha
Uma outra mulher que viveu de perto o drama da Isaura Machonga conta que nunca viu coisa igual na vida e que não recomendaria a maternidade do Centro de Saúde de Ndlavela para nenhuma mulher que queira dar luz ao seu filho.
“Aquelas enfermeiras são estúpidas. Talvez são estéreis. O que aconteceu naquele dia é doloroso. Pena que não estava em condições de ajudar porque também estava a contas com as dores. A mulher perdeu o filho devido à negligência daquelas senhoras que se escondem por detrás daquelas batas brancas e azuis para destruírem os sonhos dos outros. Chegamos nas primeiras horas do dia, nos receberam e disseram que tínhamos que permanecer na sala de espera”, conta.
“Gritamos vários vezes pedindo socorro para ver se aparecia uma alma caridosa, mas para o nosso azar nada disso aconteceu. Por não aguentar com as dores e por ver que o bebé já estava a vir ao mundo ela levantou para ir à sala de parto, mas para o azar dela o feto acabou caindo e da forma que caiu não tinha como sobreviver”, disse a mulher que preferiu se identificar pelo nome de Mantsasse.
A nossa fonte acredita que o destino teria sido diferente se as enfermeiras tivessem socorrido prontamente a Machonga e adianta que nunca voltará a colocar os seus pés naquela unidade sanitária.
“Se elas saíssem de casa para trabalhar e não para escutar música como vimos naquele dia esta história teria um final feliz. Como mulher, depois do que vivi, não recomendaria a ninguém a ir dar parto na maternidade do Posto de Saúde de Ndlavela. Aquelas enfermeiras provaram que não valorizam a vida. Aquela mulher corria sérios riscos de perder a vida”.
Tentativa de ocultar o caso
Depois do filme de terror em que Isaura Machonga foi a protagonista, ao se aperceberem da gravidade do caso, a cúpula das enfermeiras decidiu ocultar a verdade dos factos.
“Elas tiveram a coragem de dizer que eu trouxe o feto morto ao hospital e que tinha que aceitar isso para receber tratamento. Não aceitei porque sabia que dei à luz na sala de espera da maternidade, enquanto clamava pelo socorro. Elas atenderam-me porque aquela reunião que faziam em volta da minha cama já estava a despertar atenção das outras pacientes”, destacou
E, como forma de ocultar o caso, as funcionárias daquele posto de saúde não abriram o devido processo clinico, para espanto de Machonga, na tarde do mesmo dia, ainda com dores, recebeu alta hospitalar. “Não aguentava nada, mas disseram que tinha de voltar para casa. Saí do hospital às 16 horas e consegui chegar à casa da minha irmã no bairro da T-3 por volta das 20 horas”.
A irmã da vítima, Ana Machonga, contou ao Evidências que quando esta chegou, apenas limitava-se a chorar por se lembrar dos momentos de terror que viveu na maternidade do Centro de Saúde de Ndlavela.
“Sabia que a minha irmã estava grávida e que estava quase a dar à luz. Sei que existem complicações no parto, mas ela não conseguia me explicar o que tivera acontecido. Apenas limitava-se a chorar como se de uma criança se tratasse. No dia seguinte contou o martírio que viveu naquele hospital”.
Já com nervos à flor da pele, Ana decidiu levar a irmã para o hospital com propósito de se inteirar da situação. “Quando voltamos ao hospital, contaram uma versão diferente da original. A enfermeira que responde pelo nome de Marta Matsinhe jurou de pés juntos que a minha irmã deu parto fora do hospital. Quando ameaçamos que íamos levar o caso à polícia, ela se redimiu e começou a chorar, pedindo desculpas pelo acontecido”.
Direcção Provincial da Saúde diz que vai investigar “mas vai levar muito tempo”
A equipa de reportagem do Evidências descolou-se ao Centro de Saúde de Ndlavela, localizado no bairro do mesmo nome, arredores do Município da Matola, província de Maputo, mas a direcção daquela unidade sanitária declarou que não estava autorizada a prestar declarações sobre o assunto.
Face à recusa daquela unidade sanitária, contactamos a Direcção Provincial da Saúde que soube do sucedido através do Jornal Evidências. Após estabelecer contacto com o Centro de Saúde de Ndlavela, a responsável pelo Departamento de Assistência Medica da Direcção Provincial de Saúde da Província de Maputo, Neusa Luís, revelou que a será aberto um inquérito para apurar o sucedido, mas avisa que tal poderá levar muito tempo.
“A Direcção Provincial da Saúde contactou o Centro de Saúde de Ndlavela e esta confirmou que houve um óbito neo-natal, mas as circunstâncias ainda estão por apurar, não podemos avançar nada sem nenhuma investigação”, disse a fonte.
Questionada sobre os prazos da investigação, a representante da Direcção Provincial da Saúde da Província de Maputo declarou que “há processos e processos. Há uns que são mais rápidos e outros que são mais lentos. Vamos mandar a inspecção para o hospital de Ndlavela e isso leva muito tempo. No presente não teremos nenhuma resposta. Não podemos dar uma resposta antes de procurar saber o que realmente aconteceu. Este é um processo que não tem sido rápido e leva o seu tempo, uma vez que temos que verificar o processo da paciente para apurar se houve ou não negligência, conversar com os envolvidos, ou seja, as enfermeiras e os agentes de serviço. Por estas razões não temos uma resposta concreta”.
Refira-se que desde 2011 que o Ministério da Saúde (MISAU) promove a humanização dos serviços de saúde com um claro objectivo de acabar com os maus tratos, cobranças ilícitas e longas filas de espera, mas, apesar dos avanços significativos registados, as queixam ainda continuam.
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