Por: Luca Bussotti
No dia 23 de Abril celebra-se, em todo o mundo, o dia do livro. Este dia foi escolhido em 1995 pelas Nações Unidas como o mais apropriado para celebrar o livro e o direito de autor, devido ao facto de três grandes escritores do passado, nomeadamente Shakespeare, Cervantes e Inca Garcilaso de la Veja vieram a falecer, no ano de 1616, justamente em 23 de Abril. Desde 1995, em mais de 100 países no mundo, esta efemeridade é celebrada com iniciativas públicas, leituras colectivas, incentivos à leitura, sobretudo nas escolas, e novas propostas editoriais. E cada ano uma cidade é escolhida para receber e organizar tal evento. Este ano a urbe eleita foi Tbilisi, a capital da Georgia, Estado independente desde 1991, e ex-república englobada na União Soviética.
Para o segundo ano consecutivo, o dia do livro é celebrado no meio da pandemia, com livrarias (e bibliotecas) geralmente fechadas, e com uma crise económica que está a afectar boa parte da população mundial. Entretanto, o mercado do livro já conseguiu adoptar estratégias para ultrapassar ou pelo menos contornar o constrangimento derivante da situação pandémica. Acima de tudo, os editores, grandes e pequenos, têm se organizado para efectuar vendas online directamente nos seus sítios; em segundo lugar, fora das grandes companhias de venda online, como Amazon, outras plataformas específicas para a venda dos livros nasceram, principalmente na Europa e nos Estados Unidos, de forma a aproximar ainda mais o leitor ao livro. E, finalmente, as edições em formato electrónico dos livros, desde os mais clássicos até à literatura infanto-juvenil, estão sendo disponibilizadas gratuitamente em vários sítios, dando a possibilidade a muitas pessoas de tornar simples o acesso à leitura.
Mesmo em termos temáticos, os últimos dois anos assinalaram mudanças significativas na escolha de quais livros para comprar e ler: diante de uma descida repentina de livros de turismo ou viagens, houve um incremento de outros relacionados com actividades que podem ser feitas dentro de casa, tais como culinária, jardinagem, etc. Livros juvenis também registaram um significativo aumento de venda a nível internacional, naturalmente no seu formato online, uma vez que os jovens do século XXI preferem usar instrumentos tecnológicos ao invés do livro impresso.
No contexto africano, a situação também oferece algum elemento de dinamismo. Se partirmos do pressuposto de que a leitura torna o cidadão, desde a sua infância, mais conosciente e maduro, o investimento no livro representa um aspecto crucial para o desenvolvimento do continente. O primeiro dado a ser sublinhado é a importância que a indústria do livro tem a nível continental. Numa importante conferência realizada na Nigéria em 2018, a informação foi de que o livro contribui com cerca de 1 bilião de dólares por ano para a economia continental, e que o crescimento deste sector específico tem sido de cerca de 6% por ano. Um dos maiores constrangimentos é representado pelo direito de autor, em muitas circunstâncias não respeitado. Vale a pena recordar, aqui, que o dia 23 de Abril não pretende celebrar apenas o livro, mas também os direitos autorais, uma vez que os dois elementos estão estreitamente relacionados. Só para dar o dado da Nigéria, um dos países africanos que, com Egipto, Marrocos e África do Sul, regista a maior produção de livros a nível africano, é suficiente lembrar que, nos últimos sete anos, foram apreendidos cerca de 9 milhões de itens ilegais relacionados com o mercado do livro, totalizando um valor de 28 milhões de dólares. No Kenya, o cálculo das perdas económicas dos editores devido à pirataria é de cerca de 200.000 dólares. Um elemento que foi assinalado nesta conferência tem a ver com o atraso, por parte dos editores africanos, em disponibilizar, principalmente para os mais jovens, livros em formato digital: uma barreira cultural relevante, que impõe uma rápida aceleração neste sentido.
No meio de sinais contraditórios, e nem sempre completamente negativos, o dado relativo à produção africana de livros é todavia ainda muito abaixo das necessidades de uma população cada vez mais alfabetizada. Se a primeira produtora de livros é a China, com cerca de 500.000 livros publicados por ano, na África, quem lidera esta classificação é a África do Sul, com cerca de 5000 livros produzidos, seguida de Marrocos, Egipto e Nigéria. O figurino muda se formos a analisar os países com maior produção de livros com ISBN, o registo internacional exclusivo por cada livro, e que torna a obra reconhecida e válida a nível internacional. Neste caso, são os Estados Unidos a liderar a classificação, não tendo nenhum país africano na lista dos primeiros vinte países.
Em Moçambique, a situação reflecte os avanços e recuos do continente africano. Se o interesse para com a leitura, quer de livros, quer de jornais, regista incrementos constantes, sobretudo por parte dos jovens escolarizados, os desafios continuam relevantes: acima de tudo, do lado da produção, o país está muito aquém do desejado. Os custos de publicação, em Moçambique, são mediamente elevados, e a qualidade nem sempre garantida. Em segundo lugar, são muito poucas as editoras com ISBN próprio. Isto significa que o valor legal das publicações em Moçambique, sobretudo no que diz respeito às de tipo científico, é muito relativo. Ainda, do lado da produção, um livro precisa de uma adequada revisão, linguística assim como do estilo da escrita e, no caso de publicações científicas, em termos de conteúdos também. Um hábito, este, que dificilmente se encontra em editoras moçambicanas. Do lado da distribuição também existem problemas significativos: tudo está concentrado em Maputo, aliás, numa parte de Maputo que vai da Avenida Julius Nyerere até à Baixa da cidade…Muito pouco para um país extenso e com cerca de 30 milhões de habitantes. Finalmente, a questão da pirataria: nas ruas de todas as cidades do país é fácil encontrar vendedores de livros com volumes fotocopiados disponíveis para valores acessíveis…Mais uma vez, um grande desincentivo para fomentar a produção de livros no país, que, entretanto, responde a uma necessidade básica de muitos moçambicanos: o custo de um livro numa livraria autorizada, extremamente elevado, está fora das possibilidades da larga maioria dos cidadãos.
Mais uma vez, deixar o livro, este instrumento fundamental, para o crescimento colectivo de uma comunidade nacional às dinâmicas do livre mercado significa tudo isso: custos elevados de produção e, portanto, de venda, a baixa circulação das obras no mercado legal, e paralelo o florescer dos vendedores informais…Uma política do livro e para o livro se torna necessária.
Moçambique já tem uma tradição literária significativa, no contexto africano. Porém, entre todos os autores nacionais já clássicos e bem conhecidos inclusivamente a nível internacional, a minha escolha pessoal para celebrar dignamente o livro neste 2021 vai para uma obra de um mestre, um amigo e um meu ex-aluno na Universidade Eduardo Mondlane, Hortêncio Langa, recentemente falecido. Como bem tem perguntado, José Mucavel, com que Hortêncio Langa partilhou uma vida inteira dedicada à música e às artes, o que é que o país vai fazer com esta figura? Acima de tudo, voltar a publicar o livro que ele escreveu em 1995, editado pela Associação dos Escritores Moçambicanos, Magode, e que é a minha escolha de leitura para o dia do livro de 2021. E, em segundo lugar, publicar a sua monografia defendida na ECA/UEM, sobre a influência da música cubana na música moçambicana, que eu pude pessoalmente acompanhar, aprendendo muito acerca deste profícuo diálogo.
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