Arranque da exploração do gás: Nyusi promete omelete sem ovos

EXCLUSIVO
  • Optimismo de Nyusi sobre arranque da exploração em 2022 ignora factores adversos
  • Consórcio da Área 4 sem DFI e com operações dependentes do complexo industrial de Afungi
  • Total continua sem dar esclarecimentos e governo cancelou conferência de imprensa às pressas

Apesar da pior incerteza que a indústria de Petróleo e Gás atravessa, o Governo e o partido no poder têm estado empenhados numa narrativa segundo a qual o ataque à vila de Palma e consequente abandono da Total não colocam em causa o projecto de exploração de gás natural na bacia do Rovuma. No entanto, em termos reais, se, por um lado, o arranque do projecto da Área 1, liderado pela petroquímica francesa, em 2024, que era o prazo mais optimista, já não será possível, por outro, prevê-se, por tabela, um atraso do projecto da Área 4, cujos principais investidores nem sequer avançaram com a Decisão Final de Investimento (DFI) e parte das suas operações offshore, neste caso, em alto mar, dependiam grandemente de algumas infra-estruturas em terra, que estão a ser construídas em estrita colaboração com a Total.

Animado pelo anúncio da chegada da Plataforma Flutuante do Coral Sul, ao cargo do consórcio da área 4, liderado pela italiana Eni e a norte-americana ExxonMobil, o Presidente da República, Filipe Nyusi lançou arreia nos olhos dos moçambicanos, ao anunciar, semana finda, durante uma cimeira de gás e petróleo, que o projecto da Área 4 poderá arrancar próximo ano, podendo vir a ser o primeiro a produzir gás natural liquefeito.

A mensagem é entendida em alguns círculos como uma pressão para a Total, depois de ter abandonado completamente o complexo industrial de Afungi, mas o que chamou mais atenção de observadores no país, e não só, é a provável data de arranque do projecto.

É que, segundo o Presidente da República, com a chegada, em Dezembro do presente ano, da plataforma flutuante (de exploração e liquefacção), cuja previsão apontava que chegaria ao país no primeiro trimestre de 2022, estarão criadas as condições para Moçambique começar a produzir gás natural liquefeito ainda em 2022.

“Recebemos com agrado a informação do operador de que o barco chegará a Moçambique em Dezembro deste ano. A plataforma poderá alcançar a meta de começar a produzir em 2022, com uma capacidade de 3,4 milhões de toneladas de gás natural liquefeito por ano (MTPA)”, referiu Nyusi.

Contudo, mesmo no cenário mais optimista possível, é irrealista, segundo alguns especialistas do sector, pensar no arranque da exploração de gás em 2022, tendo em conta vários aspectos, com destaque para a falta de segurança para o decurso normal da construção de infra-estruturas logísticas em terra, que serão partilhadas entre os parceiros das áreas 1 e 4.

Igualmente, contrariamente aos parceiros da área 1 que já deixaram tudo em pratos limpos, a Eni e a ExxonMobil estão desde meados de 2019 a adiar sucessivamente a sua Decisão Final de Investimento (DFI), mais de cinco meses após o Governo haver aprovado o Plano de Desenvolvimento do projecto que se propõe a extrair e liquefazer os 50 triliões de pés cúbicos de gás natural existentes no campo também designado Mamba. O consórcio alega conjuntura de mercado que depois foi agravada pela Covid-19.

Por um lado, esperava-se que ainda este ano o consórcio anunciasse a sua decisão final, contudo a última previsão aponta para 2022, curiosamente, mesmo ano em que, segundo o Presidente da República, a plataforma, cujo prazo de montagem e primeiros testes ainda não foi divulgado, começará a extrair e processar o gás no alto mar.

Por outro lado, a previsão optimista de Filipe Nyusi ignora o facto de a mobilização de capitais, por parte do consórcio, ainda não ter sido concluída. Até à última actualização, o consórcio não havia conseguido garantir a maior parte dos 25 biliões de dólares necessários para completar o investimento.

Operações em terra dependem da segurança e colaboração da Total

Outro aspecto que poderá frustrar as projecções de Filipe Nyusi é o facto de, à luz de um acordo assinado entre os parceiros das áreas 1 e 4 e depois chancelado pelo Governo, estar prevista a construção de infra-estruturas comuns de logística, nomeadamente: Terminal Marítimo de Gás Natural Liquefeito (TMG-LNG) e de Instalação de Descarga de Materiais (Material Offloading Facility – MOF).

Neste momento, a construção destas infra-estruturas, extremamente indispensáveis para os dois projectos, está comprometida, devido à interrupção dos trabalhos, na sequência dos ataques à vila de Palma, que violaram o perímetro de segurança imposto pela Total, tendo esta, imediatamente decidiu evacuar seus trabalhadores e de empresas envolvidas nas obras.

Ademais, não se sabe ao certo em que nível está a construção do Terminal Marítimo de Gás Natural Liquefeito e Instalações de Descarga de Materiais, pois, só agora, uma semana depois do ataque à Palma é que o Governo criou condições básicas para o arranque efectivo da sua implementação, ao revogar a concessão exclusiva a favor da empresa Sociedade Portos de Cabo Delgado, SA (PCD).

A revisão dos Termos da Concessão dos Terminais Portuários e Logísticos de Pemba e Palma, na Província de Cabo Delgado, aprovados pelo Decreto n.º 87/2013, de 31 de Dezembro, nomeadamente, revogando a exclusividade atribuída à Sociedade Portos de Cabo Delgado, SA visa, segundo o Governo, assegurar a defesa do interesse nacional, a salvaguarda das relações e actividades dos agentes económicos e todos os intervenientes na logística de hidrocarbonetos e a promoção contínua do desenvolvimento socioeconómico da região.

Basicamente, isso significa que as multinacionais, que nunca viram com bons olhos a criação dos Terminais Portuários e Logísticos de Pemba e Palma, ganham luz verde para operacionalizarem as duas infra-estruturas.

Dito de outra forma, mesmo que a plataforma flutuante chegue ao país em Dezembro, se não forem criadas condições de segurança em tempo útil, o arranque em 2022 permanecerá comprometido, pois as operações da Eni e ExxonMobil, em terra, também têm como epicentro o complexo industrial de Afungi, onde estará implantado o terminal marítimo e o MOF, que dependem também da cooperação com a Total.

Um bicho-de-sete-cabeças chamado Total

Desde o ataque à Palma, a multinacional francesa, Total, tem estado a evitar a imprensa. Não está claro, que tipo de questões é que colocou em cima da mesa de negociações com o Governo e que garantias adicionais tem estado a exigir.

Entretanto, na semana passada, em dois momentos distintos, foram exteriorizadas duas linhas daquilo que parece ser o posicionamento da Total, primeiro pela Confederação das Associações Económicas de Moçambique e, depois, pelo ministro dos Recursos Naturais e Energia, Max Tonela.

Na comunicação das duas entidades ficou claro que a Total ainda não tem previsão de retorno a Afungi, tanto que cancelou todos os contratos com empresas subcontratadas.

“Existem várias empresas terciarizadas em processo de desmobilização, mas são, acima de tudo, fáceis de remobilizar quando o projecto for retomado. O tempo de paralisação do projecto acarreta altos custos”, disse Max Tonela, no segundo e último dia de perguntas ao Governo na Assembleia de a República.

Na ocasião, Tonela esclareceu que tudo está a ser feito para restabelecer a segurança na área do projecto de gás natural, e que o projecto, Total, foi “suspenso” e “não abandonado”.

“Relativamente ao projecto, Total, em Afungi, podemos garantir que o Governo está a trabalhar para restaurar a segurança nas áreas afectadas pelos atentados terroristas em Cabo Delgado,” referiu, dando a entender que ainda não foi alcançado consenso com a multinacional.

Refira-se que a Total, na qualidade de líder do consórcio empresarial que opera em Cabo Delgado, partilhou, com a CTA, a informação de que está preocupada com a questão das consequências e com o funcionamento de outras instituições, como é o caso da EDM, TDM, bancos e outras entidades, como forma de assegurar a prossecução do projecto.

O Governo já reconheceu que Palma está devastada e precisa de pouco mais de sete mil milhões de meticais para a reconstrução de infra-estruturas públicas e privadas, que, agora, são apontadas como cruciais pela multinacional.

Entretanto, na mesma semana, o Ministério dos Recursos Minerais e Energia viu-se forçado a cancelar, à última hora, uma conferência de imprensa onde supostamente ia dar o ponto de situação sobre as negociações com a Total, o que foi interpretado em alguns corredores como sendo expressão de impasse.

Vários observadores em Maputo acreditam que a multinacional francesa pode estar a se aproveitar da situação para negociar algumas condições vantajosas, incluindo o uso de algumas forças internacionais para protecção dos seus empreendimentos, realidade que o Governo nunca viu com bons olhos.

Mudança de tom e a possibilidade de intervenção militar externa

Desde o princípio, o Governo sempre declinou a possibilidade de intervenção directa de forças externas em Cabo Delgado, contudo, como que a ceder a pressão da Total, para não deixar fugir ainda mais o horizonte do arranque da exploração de gás natural, o executivo acaba de mudar de tom.

Durante a sessão de perguntas ao Governo, o Primeiro-ministro, Carlos Agostinho do Rosário fez saber que a cooperação militar internacional, sobretudo com a Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC), tem vindo a ser reforçada. Contudo, reforçou que o Governo continua a reservar o tratamento de “matérias sensíveis” às Forças de Defesa e Segurança.

“Reconhecendo o imperativo da conjugação de esforços da comunidade internacional na prevenção e combate ao terrorismo, a nível político-diplomático, temos vindo a reforçar os diferentes domínios de cooperação bilateral e multilateral, com destaque para a SADC. Não se pode perder de vista que alguns desses domínios de apoio e assistência ao combate ao terrorismo são de carácter militar. Por isso, o tratamento deste tipo de matérias sensíveis é geralmente reservado às Forças de Defesa e Segurança”, disse de Rosário.

Isso acontece numa altura em que o secretariado da SADC está a preparar um relatório sobre a dimensão da ameaça terrorista em Cabo Delgado e o apoio necessário após uma visita à província.

Segundo um comunicado do Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, o documento será submetido à apreciação do Comité Ministerial da SADC e apresentado na Cimeira da Troika da SADC, que se reunirá ao longo desta semana.

“O apoio da SADC deve ser visto como uma acção complementar aos esforços internos em curso, no quadro da solidariedade, fraternidade e amizade em que assentam as relações entre os povos e os países da região da África Austral”, lê-se no comunicado que destaca que a ajuda da SADC e de outros parceiros internacionais “não irá substituir os esforços do Governo e das Forças de Defesa e Segurança de Moçambique”.

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