Gritos e sussurros de Moçambique

OPINIÃO

Por: Luca Bussotti 

“Gritos e sussurros” é o título de um dos mais famosos filmes de Ingmar Bergman, realizador sueco de matriz existencialista, já ganhador de três prémios Óscar para o melhor filme estrangeiro. O filme é muito triste: ele conta a história de Agnes, uma mulher doente e à espera da morte, cuidada pelas suas duas irmãs e a fiel empregada. Todas essas mulheres procuram dar os cuidados necessários à moribunda, nada havendo a fazer para lhe salvar a vida.

Moçambique hoje é um pouco assim: parece um país em grandes dificuldades, com o sério risco de ser partido por causa de uma insurgência no norte do seu território que ninguém sabe compreender ao certo, vivendo numa agonia que poderá levar até à sua morte. O próprio Primeiro-Ministro, diante da Assembleia da República, tem realçado como o fenómeno terrorista de Cabo Delgado representa uma ameaça à integridade territorial do país. Uma afirmação ao mesmo tempo sábia e preocupante…

Entretanto, diferentemente da coitada Agnes, no caso de Moçambique existem remédios e existem países e organizações multilaterais que pretendem ajudar. Só que o paciente receia essa ajuda, alegando interesses inconfessáveis por parte de tais entidades, a que Moçambique seria obrigado a se sujeitar, em troca da perda da sua soberania.

Nada a objectar sobre isso, provavelmente muita parte da possível ajuda ocidental de tipo militar poderia ser, de facto, uma armadilha neocolonialista. O discurso, porém, poderia ser diferente se tal apoio chegasse de uma organização regional, como a SADC, composta por países da mesma região de Moçambique, partilhando, com este, os riscos de uma possível expansão dos ataques terroristas. É aqui que começam os muitos sussurros e os poucos gritos, confundindo o cidadão moçambicano.

Vamos começar pelos sussurros: a meia-boca, soube-se que a DAG não viu seu contrato renovado. Isso significa que, de momento, o exército moçambicano está sozinho no terreno, desprovido de grande parte da força aérea que a DAG garantia. Uma tal circunstância deixa o cidadão preocupado, pois não parece que as FDS tenham a capacidade de fazer face aos ataques dos terroristas, sobretudo se forem acções da envergadura da última em Palma.

Ainda a meia boca, o Primeiro-Ministro admitiu, diante da Assembleia da República, que as negociações mais activas, neste momento, em termos de ajuda militar, são de proveniência da SADC, salvo fechar o seu discurso com uma reticência, alegando ser esta matéria peculiar das FDS… sussurros, então.

Outro sussurro provém de fora do país. O jornalista Owen Gagare, do jornal online City Press, reporta que tropas do Zimbabué já se encontrariam em território moçambicano. A fonte seria o próprio Governo daquele país, mediante as palavras do Presidente Emmerson Mnangagwa, que teria enviado tropas especiais para conter a insurgência em Cabo Delgado.

Entretanto, o filme da política que ronda em torno de Cabo Delgado nos apresenta também gritos. O primeiro, lançado a voz bem alta, é o do Secretário-Geral da Frelimo, Roque Silva. Este tem declarado, no jornal Notícias de 21 de Abril, que Moçambique não quer tropas estrangeiras, justificando tal posicionamento com o facto de tais tropas ainda permanecerem em países como o Afeganistão, onde os conflitos não têm parado.

A este grito respondeu o Presidente da Renamo, Ossufo Momade, que, pelo contrário, identificou a chave do sucesso em Cabo Delgado na intervenção externa.

Dois gritos no meio de muitos sussurros… É curioso que os gritos venham dos dois partidos principais, e os sussurros de fontes institucionais ou jornalísticas. O que parece claro é a ambiguidade na comunicação, o dizer sem dizer, a reticência levada a regra, sob a justificativa da razão de Estado… por quanto tempo o país doente poderá continuar seguindo este caminho fica difícil de prever. O que se pode dizer é que Moçambique não é Agnes, e uma solução, que terá de ser complexa e não restrita à exclusiva componente militar, como justamente o Primeiro-Ministro tem realçado, tem de ser encontrada rapidamente.

Um território pode morrer não só devido a um conflito armado permanente, mas também à sua desertificação, que é quanto os sussurros nos relatam a propósito de Cabo Delgado.

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