A aprovação, na Assembleia da República, de regalias absurdas como o “subsídio de atavio” ou de “sessão”, num pacote chamado estatuto dos agentes e funcionários parlamentares, numa altura em que se adiam sucessivamente as negociações do novo salário mínimo nacional deixou muitos moçambicanos enfurecidos. O Movimento Nova Democracia (ND), dos poucos partidos mais activos, considera que o novo capricho chancelado pelos representantes do povo não passa de um clímax de irracionalidade.
No dia 05 do mês em curso, os deputados da Frelimo, Renamo e MDM aprovaram por unanimidade e aclamação uma longa lista de benefícios para os funcionários e agentes parlamentares, numa altura em que, além da longa espera pelo novo salário mínimo nacional estagnado há dois anos, o país atravessa uma crise humanitária devido ao conflito militar na província de Cabo Delgado.
Da longa lista dos subsídios, destaca-se o subsídio de atavio (roupa) para os funcionários e agentes parlamentares expostos em ambientes solenes e protocolares a serem definidos pela comissão permanente da Assembleia da República. No subsídio da sessão, os ilustres representantes do povo querem que o funcionário parlamentar tenha direito a uma senha de presença diária, ou seja, basta estar presente e já ganha dinheiro, para além do salário.
Por outro lado, os funcionários do Parlamento vão ter subsídio de alimentação, de transportes e de férias.
O Movimento Nova Democracia considera que com a aprovação dos novos subsídios, os deputados mostraram que não têm ética, empatia e sensibilidade para com o sofrimento dos moçambicanos.
“Os representantes do povo tinham o dever moral de recusa firme de cumplicidade em relação à perpetuação da condição deprimente dos moçambicanos e moçambicanas. Não fosse mera questão de peso de consciência e de busca de parceria no seu despesismo; fosse mesmo uma questão de sororidade, então seriam eles mesmos deputados a descontar suas regalias para cobrir dos funcionários”.
O partido liderado por Salomão Muchanga observa que perante os novos subsídios aprovados não há voltas e nem espaço para depositar a conta na factura do cidadão comum já enforcado pelo salário de fome que nunca sobe, tendo ainda classificado a decisão dos parlamentares como sendo um clímax de irracionalidade.
“Estamos perante o clímax da irracionalidade, por um lado, e ponto álgido de insensibilidade, por outro. Na verdade, os funcionários da Assembleia da República são vítimas dos deputados que não querem sujar as mãos sozinhos. Num momento em que o povo vive passa por uma situação de pobreza visceral, com uma economia deprimida pelas dívidas ocultas e ilegais, pelas consequências da pandemia do Covid-19, com o povo alimentando-se de capim, as crianças estudando de baixo das árvores, milhares e milhares de deslocados desabrigados em Cabo Delgado, com o povo passando por momentos de sofrimento sem paralelo na história contemporânea, semanas após se anunciar o congelamento do aumento do salário mínimo interprofissional, não é possível achar que há espaço na agenda para debater qualquer regalia”.
Indo mais longe, a Nova Democracia acusa os deputados dos três partidos com assento na Assembleia da Republica de usarem o seu estatuto para humilhar os moçambicanos.
“A questão não é ter estatuto, a questão é muito mais profunda, é a incapacidade dos deputados de ver toda a imagem e o fundo de todos os ângulos, é ter sentido de oportunidade, racionalidade e empatia. Sempre igual a si, a AR chamou a si o condão de humilhar gravosamente os Moçambicanos, que na sua generalidade vivem essa indignidade que tanto os ofende, num exercício de descentralização do saque diurno do erário público. Mas não é apenas o Parlamento, é o saque generalizado em instituições do Estado que nunca têm para os transportes, o pão, os medicamentos e os deslocados, mas sempre tem para a dignidade das elites. Isto é realmente o colapso do Estado, tal selva do Índico”.
Quando se trata da aprovação de uma lei que beneficia as três bancadas no que respeita às mordomias, os três partidos são unidos. Para o Movimento Nova Democracia, os “dignos” representantes do povo fazem da Assembleia da República um hospital de doentes terminais de política.
“É a cessação da personalidade política de quem já viciou o conceito de legislar. É ainda mais desesperante assistir esta aprovação unânime num jogo de falsidade, cavalgando o povo. A Nova Democracia repudia com veemência e desprezo este pontapé à justiça social, esta peregrinação insensata ao erário público e convida os três ao retrato em tempo útil. Pois, assim responsabilizam-se pelo caos do país enquanto agentes mobilizadores de guerra. Igualmente, a Nova Democracia convida o chefe do Estado a sacudir o capote e a salvar a honra do convento, se ainda pode. É tempo de justiça social, é tempo de união e coesão para reavivar”.
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