A semana passada foi tensa, uma semana que colocou a nu o tipo de gente que somos. Todos. Uma semana que deixou claro que todos estamos à espera de oportunidades, uma oportunidade para comer também. Sim, a nossa vez do tacho e que se lixe o resto. Não basta ser um país amaldiçoado pelas suas riquezas, com funcionários públicos improdutivos, não falamos de professores ou enfermeiros, nem polícias, que são vítimas de um sistema que pode mudar, falamos daqueles funcionários que desfilam no notário, nas delegações da Autoridade Tributária, nos serviços distritais, que perdem documentos e te insultam na cara e você não tem onde reclamar, a não ser voltar a fazer o mesmo documento e perderem de novo. Referimo-nos àqueles que te deixam morrer, negando-te socorro, enquanto estão a fofocar, que deixam no hospital um feto morrer porque estão a escutar a última música de um artista qualquer. Pois, por aqui cada um tem poder na sombra em que está amarrado.
Não, não basta isso. Não basta aquelas imagens chocantes de gente nossa, que estando fadigada pelo longo dia de trabalho tem que arregaçar as mangas para uma luta pelo transporte, uma luta séria para chegar em casa. Todos os espaços da nossa breve existência na pérola do Índico estão a ser transformados em campos de batalha, estamos a virar selvagens. Lutamos pelo pão, depois pelo transporte e, chegados em casa, lutamos pelo autocontrolo ao ver na TV um gestor público a mentir na nossa cara, num discurso que nos desperta repulsa.
Um discurso igual ao do governador de Cabo Delgado, semana passada, quando ousadamente afirmou que a nova onda de deslocados tem a ver com os esquecidos ataques de 24 de Março, que passaram mais de 30 dias e só agora as pessoas estão a chegar. Que mata é essa onde estavam perdidos por 30 dias? Essas declarações não diferem daquelas fotos partilhadas aquando da visita do secretário-geral da Frelimo, Roque Silva, que exibiam enchentes na vila sede de Palma? Basta interpelar qualquer deslocado para saber da verdade, que é sim uma nova onda de deslocados, que saíram há uma semana, e descobrir que raio de mentirosos nos governam. Essa é a batalha que enfrentamos e que infelizmente não termina aí. Um ciclo vicioso que leva os moçambicanos a lutas mesquinhas, enquanto os eleitos representantes saqueiam as contas públicas sem que ninguém os fiscalize. Como fiscalizar, se o fiscal também vive das mordomias e regabofes, que agora os deputados decidiram também dar a quem lhes assegura os papéis e canetas pelos corredores da escolinha do barulho.
É o saque, que agora chegou onde, depois do último golpe da propalada dignidade, pensou-se que foi um incidente digno de perdão porque não voltaria a se repetir. É doloroso ver um parlamento que integra três correntes, que raramente convergem, a alinharem quando a questão tem a ver com regalias. Os funcionários e agentes parlamentares são a extensão desses movimentos partidários no parlamento, e eles também querem comer. E quanto mais tacho para qualquer recruta do partido melhor, afinal, pensam nas suas necessidades, e as sobras dão para quem achar que devem dar. Não se podia pensar em dar às menos de três centenas que aos poucos vão abandonando o Centro do Acolhimento Transitório de Pemba por falta do que comer. Eles querem menos de 100 milhões que os recrutas dos deputados vão gastar dos cofres do Estado. Querem muito menos, muito menos mesmo.
Com todos os fundamentos apresentados pelo presidente da quarta comissão, Francisco Mucanheia, muito menos na publicação restrita do populista deputado que, por vezes, encarna os anseios das massas, não há naquela proposta beleza, nem bondade e muito menos justiça.
E porque estamos mesmo para lutar pelo melhor sem nenhum pudor, tinha que ser a EDM a fechar a semana. O Conselho de Administração, que encaixa mais de um milhão de salário por cabeça, mostrou que está também atento a qualquer oportunidade de ganhar mais. É que com o metical a apertar o dólar, os senhores administradores habituados a ver os números a crescer a cada subida da moeda norte-americana, agora estão a viver momentos de pavor. Os ordenados feitos para se multiplicarem à medida que o dólar subia, agora estavam a reduzir, e como remédio decidiu-se mandar passear o Banco de Moçambique e a sua moeda e fixar o indexante de remunerações e pensões à taxa de câmbio de 75 meticais por dólar, sem se importar com o facto de ser uma empresa no vermelho.
Eles escolheram logo 75 meticais por dólar, quando está a 58, nem podiam, por vergonha, fixar nos 60. E porque a ideia mesmo é lixar o povo, patrão de um empregado que faz ouvidos ocos em tudo, ainda este ano, a tarifa de energia vai aumentar. Sim, vai subir 10%. Não fazia sentido subir os ordenados e mordomias dos engravatados e não subir mais alguma coisa para o Zé povinho. Tal como subiu o preço do pão, a energia vai subir e outras tantas coisas. Só não subiu o salário mínimo por causa da Covid-19. Ou nós é que andamos distraídos, ou na esfera onde vivem os que merecem a selectiva dignidade neste país, não há Covid-19. Haja pudor. Somos ridiculamente passivos.
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