Novas luzes sobre as origens e a complexidade da insurgência em Cabo Delgado

OPINIÃO

Por Luca Bussotti

Uma das observações constantes de muitos investigadores internacionais a propósito das origens e desfecho violento, mesmo contra os civis, dos movimentos terroristas de matriz islâmica é a modesta disponibilidade de estudos empíricos. Esta regra é válida para movimentos tais como Boko Haram na Nigéria, inicialmente um movimento religioso que não fazia uso de armas, para o Al-Shabaad da Somália e por ai fora. Moçambique não faz excepção, tão que com razão Mia Couto, dias atrás, expressou a sua admiração sobre os muitos espertos de Islão em Moçambique que estão aparecendo ultimamente, mesmo vivendo há 20.000 quilómetros de distância do país. Como se sabe, académicos e jornalistas precisam de visibilidade e seguem as modas, e neste momento o exercício de entender as causas, os protagonistas, as dinâmicas do terrorismo em Cabo Delgado representa uma das actividades preferidas de especialistas, verdadeiros ou supostos.

Entre os poucos estudos empiricamente fundamentados que saíram semana passada parece assinalável o apresentado no Risk Bullettin do Observatório sobre as Economias Ilícitas da África Oriental e Meridional.

O estudo levado a cabo no terreno de Cabo Delgado procura verificar algumas hipóteses que a mesma entidade tinha formulado anteriormente, sobretudo relativas ao facto de os insurgentes quererem controlar o tráfico de droga que passa por Cabo Delgado.

A primeira observação a fazer é que o grupo de investigadores deste Observatório admite que tal hipótese não encontrou confirmação nos estudos empíricos feitos no terreno. Com efeito, os corredores da droga em Cabo Delgado se depararam com dificuldades relevantes quer com a instalação do campus de Afungi da Total, quer, e ainda mais, com a insurgência armada. Tais circunstâncias fizeram com que, segundo o relatório, os traficantes mudassem as rotas dos seus negócios, tendo, como suas novas bases, os portos de Pemba, Nacala e Angoche. A explicação é simples: a região do conflito é altamente militarizada, portanto seria impossível, para os traficantes geralmente de origem asiática continuar com o seu comércio ilícito neste terreno complicado. Razão pela qual a escolha de ir para localidades mais seguras, a Sul de Mocímboa da Praia.

Isto não significa, segundo o estudo, que futuramente não poderá verificar-se a situação segundo a qual os insurgentes poderão controlar o tráfico de droga da região, mas de momento as evidências empíricas que comprovem esta ligação são praticamente nulas.

O outro aspecto que o relatório destaca, quase que marginalmente, mas que reveste uma importância fundamental para percebermos melhor as origens da insurgência, a que se associa um certo apoio popular da mesma, juntamente com a facilidade de recrutamento de jovens provenientes das três províncias de todo o Norte, tem a ver com os acontecimentos relacionados com a questão mineira.

Esta questão teve o seu auge em horríveis violações dos Direitos Humanos na mina gerida pela Montepuez Ruby Mining, de capital anglo-moçambicano, e que induziu o tribunal de Londres a estabelecer um elevado valor de indemnização em favor das vítimas de tais violações e suas famílias (cerca de 8 milhões de dólares), que a sociedade exploradora teve de pagar. O citado relatório recorda como muitos dos jovens (na maioria Kimwane) que se juntaram aos insurgentes passaram por esta terrível experiência e, expulsos violentamente das minas, iniciaram a vagabundar, cheios de raiva, à procura de emprego.

Que se manifestou sob forma de recrutamento para combater contra aquelas instituições e grandes empresas que não só não mantiveram a promessa de empregos seguros e bem remunerados, mas protagonizaram, com o apoio activo das forças governamentais, mecanismos de exploração laboral que, associados às violações acima recordadas, resultaram num cocktail de violência reprimida, falta de condições económicas e procura de uma identidade colectiva que desaguaram em mais violência e numa luta de pura destruição contra o Estado e suas representações locais.

As indicações deste estudo empírico podem constituir elementos preciosos para o melhor entendimento das origens e das características actuais da insurgência. Segundo defende Joseph Hanlon, uma solução militar, nessas condições, iria acabar com o enésimo insucesso, ainda pior se for de tipo externo. Fica difícil saber se concordar ou não com tal afirmação: o que é certo é que Hanlon capta um elemento central de toda a problemática de Cabo Delgado: não se trata apenas de uma insurgência de bandidos armados à procura de dinheiro. O que mais estes jovens parecem procurar – como aconteceu em muitos outros casos semelhantes, dentro e fora da África – é o capital social que as instituições locais não conseguiram lhes oferecer. O que significa uma identidade colectiva (por exemplo um certo tipo de Islão), um inimigo a abater (o Estado percebido como injusto e distante) e novas relações sociais e políticas a serem construídas… Em suma, algo de muito mais complexo de um simples conflito armado, que provavelmente vai necessitar de acções paralelas de tipo militar, político, económico e social: um desafio a ser enfrentado com uma lucidez e competência de que é lícito duvidar que o Estado moçambicano, neste momento, seja dotado.

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