Adiamento de projectos de gás agrava risco de incumprimento de serviço da dívida

ECONOMIA
  • Moçambique contava com receitas de gás natural para pagar aos credores
  • Diversificar economia para não depender das flutuações da expectativa do gás
  • Estado moçambicano vai ganhar pouco menos de 50% com exploração de gás

Se a saída da Total, líder do consórcio da área 1, e suspensão por tempo indeterminado das actividades em Afungi já era motivo de grande preocupação, a saída da TechnipFMC, principal montadora de infra-estruturas marítimas e submarinas do projecto da área 4, liderado pela Eni e Exxon Mobil, por motivos de segurança, veio aumentar as incertezas em torno dos dois principais projectos do gás na bacia do Rovuma, colocando as perspectivas de crescimento da economia moçambicana em cheque. Com o horizonte do gás cada vez deslocado, economistas defendem que o adiamento do arranque da exploração do gás natural, para além de comprometer as perspectivas de ganhos em termos fiscais, vai ter consequências desastrosas, na medida em que o país contava com as receitas deste recurso natural para pagar o seu serviço de dívida pública. Por essa razão, defendem ser altura do país apostar na diversificação da economia, apostando em outros sectores sobre as quais há maior controlo das variáveis.

Duarte Sitoe

Em Abril do ano em curso, apoiando-se no facto de Palma não ter licença internacional, a multinacional francesa, Total, deu início à construção de um hospital em Mayotte, uma Ilha do oceano Índico, que faz parte de um conjunto de territórios ultramarinos ainda sob dominação francesa, para evacuação dos seus quadros, em caso de doença, ao mesmo tempo que algumas agências avançam que a multinacional francesa estaria a transferir uma parte do equipamento que seria usado no seu projecto de exploração de gás natural na Bacia do Rovuma para a mesma ilha.

Estas estranhas movimentações da multinacional francesa abrem uma nova página na trágica incerteza em que se encontra mergulhada a indústria de Oil & Gas no nosso País, após o ataque de 24 de Março à vila de Palma, a menos de 11 quilómetros do site da Total na península de Afungi. Para além da gigante francesa e suas subcontratadas, uma outra gigante ligada à cadeia do projecto da área 4, TechnipFMC, desmobilizou o seu pessoal para Maputo.

Com a incerteza, o Presidente da República, Filipe Nyusi, encontra-se desde ontem na França, onde está previsto um encontro com o seu homólogo francês, Emanuel Macron, e com lideranças empresariais daquele País, sobretudo a Total, embora o comunicado da presidência não se refira implicitamente a ela.

Na opinião dos economistas, a incerteza gerada pelos acontecimentos dos últimos dois meses, para além de comprometer as perspectivas de ganhos em termos fiscais, vai ter consequências desastrosas, na medida em que o País contava com as receitas do gás natural para pagar o seu serviço de dívida pública.

“É uma situação complicada tomando em conta que o projecto da Total, que se esperava que começasse a exportar o gás natural a partir 2024, era uma grande esperança para a economia moçambicana, sobretudo na arrecadação de receitas fiscais e no reforço daquele que é o orçamento geral do Estado, que é deficitário neste preciso momento. Era também uma esperança do país na amortização de vários tipos de dívidas que Moçambique tem com os credores internacionais”, considera o economista Elcídio Bachita.

Quem também partilha do mesmo ponto de vista é o também economista, Egas Daniel, que destaca que neste momento o mais grave não é o adiamento do arranque do projecto, mas, sim, o risco real de Moçambique, uma vez mais, falhar compromissos com credores nacionais e internacionais, aos quais esperava pagar com receitas resultantes do gás.

“A dimensão fiscal é a mais importante porque é onde o Governo tinha a expectativa da arrecadação de receitas a tempo de contribuir para o desenvolvimento do País, para diminuir os nossos níveis de pobreza e contribuir para investir na educação e na agricultura, mas isso fica adiado para o futuro. Se adiarmos para 2025 ou 2026, o Estado não pode pensar que vai amealhar os tais bilhões de dólares que esperava arrecadar no tempo em que esperava. Mas o mais grave não é o adiamento, são os compromissos que o Estado assinou, uma vez que o Estado não contava apenas com as receitas para financiar o desenvolvimento, contava também com essas receitas para pagar as dívidas”, sublinha.

Uma oportunidade para olhar-se para as outras áreas da economia nacional

Com as expectativas de exploração cada vez com um horizonte alargado, Elcídio Bachita diz que a actual incerteza é uma oportunidade para o País deixar de olhar apenas para os mega-projectos como bóia de salvação e apostar na diversificação da economia.

“Se formos a olhar, a própria indústria extractiva e de exploração de hidrocarbonetos não é feita por empresas maioritariamente moçambicanas, que participam na exploração destes recursos, são multinacionais estrangeiras e os benefícios do Estado são reduzidos. Se os investidores estrangeiros vêm para um País subdesenvolvido como Moçambique, procuram formas que não são nada honestas para economia e para os próprios moçambicanos. Aquilo que Estado moçambicano está a arrecadar é inferior àquilo que, na realidade, devia receber. Ademais, mais de 50% da receita dos mega-projectos vai beneficiar as multinacionais”, destacou.

SegundoBachita, o actual cenário que se vive em Cabo Delgado, é um sinal claro de que Moçambique não deve depender do sector primário, ou seja, da exploração dos recursos naturais.

“Este é um problema da estrutura económica do nosso País e devemos apostar noutros sectores da economia que podiam criar uma estabilidade. As autoridades devem olhar para as outras áreas que podem beneficiar a economia nacional, sem concentrar o maior foco na exploração de gás natural. O Estado deve esquecer a exploração do gás natural e começar a traçar políticas e estratégias para melhorar diversos sectores da economia. Com isso, em cinco anos Moçambique pode ter uma estrutura económica equilibrada e pode contribuir para o desenvolvimento do País”.

O economista considera que o crescimento económico do País projectado para os próximos anos poderá ficar comprometido, ao mesmo tempo que vai se engrossar os índices do desemprego.

“Este abandono e transferência de equipamento para Mayotte traz um grande desespero para os moçambicanos e para as Pequenas e Médias Empresas (PME) que prestavam serviços nas multinacionais. Significa que as pessoas que prestavam serviços para a Total encontram-se em situação de desemprego, significa que a pobreza poderá se agudizar no nosso País, tomando em conta que mais de 50 mil pessoas perderam seus empregos”, sustenta.

 “A suspensão implica consequências macroeconómicas difíceis de suportar”

Por sua vez, o analista e académico, Egas Daniel, considera que o início da exploração do gás natural na bacia do Rovuma era visto como uma grande oportunidade para o rápido crescimento da economia, que nos últimos anos foi fortemente dilacerada pela crise da dívida e pela pandemia da Covid-19. Contudo, a suspensão do projecto veio enterrar cada vez mais as chances do país, e quanto maior tempo levar, as implicações macroeconómicas serão difíceis de suportar.

“Não se deslumbra que a curto prazo a Total volte a usar os equipamentos. É um sinal claro de que insegurança pode se converter num prolongamento maior de tempo em que vão retomar os investimentos. Isto não é um bom sinal para economia nacional e para o empresariado nacional e para os trabalhadores que serão afectados”.

Olhando para o atraso dos projectos de exploração do gás natural, que podem comprometer o crescimento da economia moçambicana nos próximos anos, Daniel observa que quando começou a pandemia, Moçambique entrou numa situação crítica, visto que o desempenho económico já não era dos melhores.

“Com a pandemia crescemos negativamente, ou seja, a nossa economia reduziu mais de 3%. Significa que sem a pandemia precisávamos deste projecto, uma vez que alavancaria a economia em cerca de 11%. Com a pandemia entramos no buraco e mesmo com isso precisávamos deste projecto para nos ajudar a sair do buraco que foi aberto pela pandemia. Esta suspensão, quanto maior tempo levar, implica consequências macroeconómicas difíceis de suportar. O nosso PIB fica afectado negativamente sob ponto de vista de crescimento económico que esperávamos, e quando o PIB é afectado são afectadas as empresas que prestavam serviços. Portanto, há um efeito multiplicador negativo para a economia do País, associada ao adiamento temporário das actividades da Total”, sustenta Daniel.

Adiamento compromete expectativas de benefícios fiscais

Até antes do ataque do passado dia 24 de Março, 2024 era prazo estabelecido para o início da exploração do gás natural no projecto liderado pela Total, que já confirmou que o arranque do mesmo vai atrasar por pelo menos um ano, numa altura em que o Estado esperava arrecadar receitas.

Este adiamento, segundo o economista, significa que todos compromissos assumidos ficam em causa, porque o Estado conta com as receitas para pagar dívidas

Daniel observa, por outro lado, que o crescimento económico que se deslumbrava com a exploração do gás natural pode ser uma miragem, pois Moçambique ainda possui uma grande factura a pagar pela participação da ENH nos mega-projectos

“Com estes atrasos, a exploração do gás natural não vai nos valer da mesma forma que nos valeria. O Estado contava com o fundo soberano para pagar a comparticipação da ENH nesses investimentos, uma vez que a participação da ENH não foi gratuita, foi uma dívida. Se porventura Moçambique chegar a Londres e dizer aos credores que já não pode amortizar a dívida nos prazos estabelecidos, os credores são pessoas viciadas pelo lucro, todas as negociações em torno do prazo vão ter custo que toca a acumulação de juros. Estamos a dizer que ao chegar o dinheiro da receitas do gás, temos que pagar o dinheiro das dívidas ocultas e os juros acumulados de mora”, conclui.

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