- Mercado de Laulane ainda é uma miragem
Em Março do ano passado, o Conselho Municipal da Cidade de Maputo aproveitou os temores causados pela pandemia da Covid-19 para retirar todos os vendedores informais dos passeios da zona baixa, o que, de certa forma, criou agitação. Para dispersar e garantir o cumprimento da medida, várias especialidades da PRM e polícia municipal ocuparam os pontos da cidade das acácias e foi assegurada a construção de um novo mercado em tempo recorde para acolher os vendedores retirados dos passeios. No entanto, volvidos 12 meses, o mercado Centro Emissor de Laulane ainda não está em condições para receber vendedores e potenciais compradores, numa altura em que se volta a normalizar o comércio informal nos passeios das principais artérias da urbe.
Duarte Sitoe
Ao retirar os vendedores informais da Baixa da Cidade de Maputo e dos arredores dos Mercados Estrela e Mandela, a edilidade presidida pelo regressado Eneas Comiche predispôs-se a criar condições para que aqueles que ganhavam a vida “ilegalmente” em vários pontos da capital moçambicana tivessem mínimas condições para desenvolver as suas actividades.
Entretanto, o Evidências visitou o mercado Centro Emissor de Laulane e constatou que o mesmo está às moscas, ou seja, sem sinal dos vendedores informais que foram expulsos da Baixa da Cidade de Maputo a chamboco e gás lacrimogéneo.
Aliás, no mercado em alusão ainda não há água canalizada, energia eléctrica, casas de banho e nem sequer terminal de transporte de passageiros nas proximidades e, consequentemente, continua desocupado, contrariando as promessas do Conselho Municipal da Cidade de Maputo de que os vendedores informais ocupariam aquele espaço em Junho do ano passado.
No terreno, o Evidencias apurou que parte das 960 bancas prometidas já foram construídas no mercado Centro Emissor de Laulane, num entanto, ainda faltam vários detalhes para que o espaço seja ocupado sem oferecer perigo.
Perante ao cenário de incerteza de quando os vendedores informais vão dar início as suas actividades naquele mercado, vários pontos da cidade de Maputo, mesmo com o aparato policial, voltaram a ser espaço para os informais exercerem as suas actividades.
“Fomos retirados dos passeios sem saber para onde vamos. Eles tiveram a ideia de nos expulsar da Baixa, mas não tinham nenhum plano que nos favorecesse. Na minha opinião, antes de nos perseguirem, primeiro deviam ter construído um mercado. A gestão de Eneas Comiche nunca fez alguma coisa por nós. Usaram a polícia para nos expulsar dos passeios como cães”, disse Jorge Chemane, vendedor de 42 anos de idade, que vive na base do comércio informal desde 2000, para depois acrescentar que “o mercado que nos prometeram ainda não está em condições, o que faremos para suportar as despesas, uma vez que o custo de vida tende a subir a cada dia que passa?”.
Por ver que o Mercado Centro Emissor de Laulane não estava em condições para continuar a fazer o seu negócio, Laura Bernardo, de 36 anos de idade, viu-se obrigada a voltar à Baixa da Cidade de Maputo para tentar a sorte, contudo, declarou que no presente não tem sido fácil fazer negócio, uma vez que há um forte contingente da polícia municipal que controla cada centímetro da capital moçambicana.
“Não há condições mínimas para exercermos as nossas actividades, e no estado em que aquele mercado se encontra, nenhum cliente pode comprar os nossos produtos. Precisamos de movimento para vender e aquele mercado está às moscas. Preferimos voltar para a Baixa, mas não tem sido fácil fazer negócio, uma vez que a polícia municipal está em todos os cantos para inviabilizar as nossas actividades. Mesmo com a fiscalização, embora seja difícil, conseguimos vender clandestinamente os nossos produtos”, declarou.
Recorde-se que, há dias, uma senhora teve um enfarte durante uma perseguição da polícia municipal, após ser flagrada a vender numa das ruas da capital moçambicana. A polícia municipal distanciou-se de qualquer responsabilidade.
“Madrugamos para vender antes da polícia municipal vir roubar-nos”
Ricardo Chemane, vendedor informal que virou vendedor ilegal devido às falsas promessas da edilidade, lembrou que a condição para saírem dos passeios passava pela construção de mercados que albergassem todos os informais.
“Os mercados estão cheios. Diziam que devíamos sair para Xiqueleni ou para o mercado grossista do Zimpeto. Mas são locais que já estão preenchidos. Acho que querem nos matar de fome, estão a nos tirar o pão da boca. O mercado que nos indicaram quando nos tiraram da Baixa, além de não ter movimento, não tem condições. Preferimos nos expor ao risco de perder os nossos produtos, a vendermos. Madrugamos para tentarmos vender antes da polícia municipal chegar para nos roubar. Vendemos, mas não como antes, uma vez que agora vendemos às escondidas”.
Vasco Américo é um alfaiate de 43 anos de idade, que se dedicava a ajustar as roupas dos fardos adquiridas pelos clientes, mas com a saída dos informais da Baixa da Cidade tem feito das tripas o coração para sobreviver.
“Agora já não temos clientes. Quando os vendedores estavam aqui ficávamos saturados pela quantidade do trabalho que tínhamos. As pessoas compravam roupas e ajustavam. No presente, dependemos apenas das pessoas que vivem nesses prédios para trabalhar e isso não se compara com o período em que havia pessoas a vender roupas em quase toda a cidade”, lembrou.
Vendedores de refeições são outros lesados
Em 2017, em parceria com o Município de Maputo, a Inspecção Nacional de Actividades Económicas (INAE) proibiu a venda de comida em carros, nalguns pontos da baixa da Cidade de Maputo. Em causa estava a falta de licença para o exercício da actividade e questões de higiene.
No entanto, volvidos quatro anos, os vendedores de comidas em viaturas ainda não conseguiram obter a licença. Marta Mussa criticou a postura do INAE e da edilidade, explicando que aquele organismo veio engrossar o número de desempregados no país.
“O Governo sabe que não há emprego para todos no país. Para contornar este fenómeno, preferimos fazer negócio. Quando nos tiraram da Baixa alegando que estávamos a tirar a estética da Cidade pensávamos que queriam criar condições para estarmos no tal mercado em Hulene, mas volvido um ano nada aconteceu. Se possível, gostaríamos de trocar de lugar com as autoridades municipais para viverem na pele o nosso sofrimento”, rematou.
Quem também vivia da venda de comida em carros era Julieta Matlhombe. Esta viu-se obrigada a parar por ordens do Conselho Municipal da Cidade de Maputo. No presente, encontra-se no mercado da Malanga, mas confessa à equipa de reportagem do Evidências que vender dentro do mercado é diferente de estar na rua. Aliás, Matlombe disse que por inúmeras vezes pediu licença ao município, mas a edilidade nunca respondeu ao seu pedido.
“Eu já tinha clientes fixos e o meu negócio fluía. Agora só faço negócio para não ficar em casa, as coisas mudaram muito. Quando vendia na Baixa conseguia gerar lucros e dar empregos a três meninas. O Município decidiu nos impedir de vender refeições e agora estamos aqui”, disse, para depois acrescentar que “não sabemos o que na verdade fizemos. Hoje estão a nos maltratar, enquanto no período da campanha encheram-nos de promessas”.
Município sem comentários sobre o assunto
Para se inteirar do estágio das obras do Mercado Centro Emissor de Laulane, o Evidências contactou o vereador do Desenvolvimento Local, Danúbio Ladu, mas este declarou que não podia tecer comentários sobre o assunto, alegando que “já falamos muito sobre este assunto”.
Entretanto, citado pelo diário “Notícias” o secretário-executivo da Associação de Economia Informal, Armindo Chembene, reconheceu que os vendedores informais perderam interesse nas promessas dos município.
“No início, os vendedores iam ao local para acompanhar o decurso do trabalho, mas, hoje em dia, perderam o interesse, pois entendem que o projecto está a fracassar”
Por outro lado, Chemane lamentou o atraso do arranque das actividades no “Centro Emissor de Laulane”, o que, na sua opinião, contribui para o aumento das vendas das ruas.
“Há dias, uma cidadã morreu durante uma campanha de proibição da venda informal na cidade de Maputo. Penso que este incidente teria sido evitado, caso o mercado de Laulane ou outros estivessem em condições para acolher os vendedores que dependem exclusivamente da actividade comercial para sustentar as suas famílias”, observou.