Procurando lideranças

OPINIÃO

Por Luca Bussotti

A importância de líderes na política sempre foi um elemento fundamental para guiar povos e encontrar soluções em momentos difíceis. A história está repleta de grandes líderes e, no caso africano, não é difícil – em relação às épocas mais recentes – recordar quem fomentou o processo político e intelectual, que levou, a partir do Gana e, depois, ao longo dos anos sessenta, às independências de quase todos os outros países do continente. Tratava-se de líderes tais como Senghor, Kaunda, Nyerere, Nkrumah, Lumumba e muitos outros, que, entretanto, mais do que líderes carismáticos, usando uma categorização de Max Weber, caracterizavam-se por serem líderes que expressavam, parafraseando Gramsci, um intelectual colectivo que podia ser um partido ou um movimento, como o da Negritude ou do Pan-africanismo.

No caso das antigas colónias portuguesas, a situação não foi muito diferente, a não ser devido à cronologia que levou os Palop às independências. Nesta circunstância também havia líderes: Cabral, Neto, Mondlane e vários outros expressavam posicionamentos ideológicos e ideais que constituíam as referências essenciais para unir povos historicamente oprimidos e sem uma consciência plena dos seus direitos, iniciando com os de tipo político. A esta primeira geração de líderes seguiu-se uma outra, composta por políticos como Samora Machel, Luís Cabral, José Eduardo dos Santos, mas também Chissano, Dhlakama, Savimbi e outros.

Diferentemente da primeira geração de líderes luso-africanos, esta segunda geração era formada apenas por políticos, tendo eles abdicado ao papel de intelectual que seus antecessores, dentro e fora da área lusófona, tinham desempenhado, mediante seus escritos e seu pensamento colectivo. Uma tradição, esta, que se manteve, aliás se aprofundou, ao longo do tempo. Não se vai ofender a ninguém afirmando que José Eduardo dos Santos, sobretudo nos seus últimos anos de governação, assim como Guebuza, Dhlakama ou os vários presidentes da Guiné-Bissau, Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe não foram intelectuais, nem procuraram formar em volta de si um grupo de pessoas capazes de pensar o futuro dos respectivos países.

A tendência acima descrita é internacional. Pensar num país como os Estados Unidos, que teve um presidente como Trump, ou ao Brasil com Bolsonaro, independentemente de a ideologia ser de direita ou de esquerda, significa que o que está a faltar hoje é algo que antecede o líder e cria as condições para que este emerja de um contexto ideologicamente fértil e promissor.

Moçambique não faz excepção: hoje, a falta de líderes capazes de levar o país a um porto seguro representa o resultado de um empobrecimento generalizado do quadro político nacional. Não se trata, aqui, de pautar por uma abordagem demagógica. É que todos os principais partidos do cenário local não conseguem expressar valores, programas, acções que levem a discussões colectivas, das quais figuras de lideranças possam surgir.

A agonia política da Frelimo é evidente para qualquer observador minimamente honesto: quais são os ideais que moldam as escolhas políticas deste partido? Que tipo de debate é feito nos seus órgãos dirigentes, a não ser a distribuição de prebendas e as lutas intestinas para cobrir este ou aquele cargo institucional? Diferentemente do MPLA, em que a figura de José Eduardo dos Santos dominou durante várias dezenas de anos, em Moçambique a Frelimo sempre procurou condicionar os seus líderes à adesão a ideais e programas colectivamente discutidos. Hoje esta tradição foi definitivamente sepultada, e o que sobra são lutas internas de matriz individualista ou até étnica para o controlo dos recursos naturais do país.

As lideranças das oposições, hoje, não existem. O vazio deixado por Dhlakama e Simango é enorme. A razão disso deve ser procurada na natureza da Renamo e MDM: dois partidos completamente hegemonizados por parte dos seus dois líderes históricos, líderes claramente carismáticos que, após a sua morte, como ensinava o velho Weber, resultou impossível de substitui-los. Neste caso também a voz dos dois principais partidos de oposição em relação aos enormes desafios do país é fraca e com uma discussão colectiva interna extremamente modesta, e deixada à iniciativa isolada deste ou daquele parlamentar.

Neste quadro, parece que lideranças novas estejam emergindo da sociedade civil, como as demonstrações contra o aumento dos benefícios de parlamentares e seus funcionários, votados entre Abril e Maio, parecem demonstrar. Onde irão desaguar as lutas de parte da sociedade civil contra a corrupção, falta de transparência, incapacidade da classe política no seu todo em responder aos anseios da sociedade moçambicana, a partir do retorno da paz no Centro do país e, sobretudo, em Cabo Delgado é difícil de prever. Certo é que, em política, onde se cria um vazio, este é colmatado por sujeitos novos e mais dinâmicos. Resta ver se será este ou não o caso de Moçambique, em consideração também do sistema de policiamento em vigor no país, que não deixa muita margem a quem gostaria não tanto de sentar à antiga mesa, partilhando regalias, mas sim de arrumar uma mesa nova, onde trazer uma agenda radicalmente diferente e mais respondente aos anseios dos moçambicanos.

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