- Membro do Conselho de Estado gelou o Comité Central ao propor revisão da Constituição para Nyusi continuar até 2030
- Celso Correia propõe adiamento da eleição de administradores em 2024
À margem da quarta sessão ordinária do Comité Central, alguns membros propuseram uma nova revisão da Constituição da República para acomodar alguns interesses, dentre os quais um terceiro mandato de Nyusi. A primeira a fazer essa insinuação foi Felizarda Paulino, membro do Conselho de Estado, que defendeu que a vitória expressiva, em 2019, cria condições para que Filipe Nyusi continue a dirigir o País até 2030. Já o actual ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural e um dos elementos activos daquele órgão, Celso Correia, evocou aspectos conjunturais para propor um adiamento da eleição dos administradores distritais a partir de 2024 conforme ficou acordado no diálogo com a Renamo e consta das alterações introduzidas no texto da revisão pontual da Constituição da República, aprovada em Maio de 2018, pela Assembleia da República.
Nelson Mucandze e Reginaldo Tchambule
A Frelimo pode estar a ensaiar uma machadada ao pacote de descentralização, aprovado em 2018, que levou à revisão pontual da Constituição da República, para acomodar as reivindicações da Renamo.
Entre as inovações trazidas pela revisão constitucional de 2018, constava a criação de órgãos descentralizados de governação provincial e distrital, facto que permitiu que a partir das eleições gerais de 2019, os governadores provinciais passassem a ser eleitos, neste caso os cabeças de lista dos partidos, coligações de partidos políticos ou grupos de cidadãos eleitores, deixando de ser nomeados pelo chefe de Estado.
Por imposição da bancada da Frelimo, a eleição dos administradores distritais ficou adiada e o novo texto da Constituição da República estabelecia que transitoriamente, até às eleições de 2024, o administrador de distrito será nomeado pelo ministro da Administração Estatal, depois de consultado o governador da província.
Isso pressupunha que a partir das eleições de 2024, os administradores distritais fossem eleitos no modelo de cabeças de lista.
Contudo, durante o Comité Central abriu-se uma discussão em torno do tema, havendo uma corrente interna que defende um adiamento sine die da eleição dos administradores a partir de 2024.
Celso Correia foi quem abriu o debate, no segundo dia, que conseguiu convencer uma parte dos membros do Comité Central, incluindo o renomado jurista e antigo presidente da primeira comissão da Assembleia da República, Teodoro Waty que apoiou ferozmente a ideia.
Para que se concretize a ideia, será necessária uma nova revisão da Constituição da República, o que abre espaço para dois problemas concretos, nomeadamente: o limite material da revisão constitucional e a possibilidade de este ser o pretexto para acomodar interesses inconfessos.
Um truque para acomodar mais um mandato de Nyusi?
Tendo em conta que a constituição só pode ser revista uma vez em cada cinco anos, a nova mexida ao texto da Lei Mãe só pode acontecer a partir de Maio de 2022, uma vez que a última actualização teve lugar em 2018.
Acredita-se que este pode ser um truque da ala Nyusi, que agora ganha mais poder, para aproveitar a revisão constitucional para acomodar mais um mandato, prolongando o seu reinado até 2030.
A proposta de um terceiro mandato vem sendo introduzida, ainda que timidamente, por alguns afeiçoados por Filipe Nyusi. Tal como denunciamos neste jornal, há dias, a partir do conforto de um improdutivo elefante branco lá para as bandas de Maluana, onde foi acomodado, Julião Cumbana, um conhecido cata-vento que gruda aos pés de quem detém o poder, exteriorizou aquilo que agora parece ser um plano sério.
Num post colocado na sua página do Facebook disse que a Lei é dinâmica e deu carta branca para Filipe Nyusi, querendo, fazer umas mexidas mecânicas para candidatar-se a um terceiro mandato como Presidente da República. Na altura não foi levado a sério, mas há sinais dessa pretensão lançados no Comité Central.
Isto acontece numa altura em que Filipe Nyusi tem se mostrado mais próximo do presidente do Ruanda, Paul Kagamé, que em 2015 mudou a Constituição para se manter no poder até 2034. Recentemente, o Chefe do Estado moçambicano visitou de forma relâmpago aquele País, a pretexto de busca de experiência para lidar com o terrorismo em Cabo Delgado.
Outra opção que está a ser ensaiada é colocar Celso Correia, que, apesar de ter nascido em Maputo, procura se forçar uma ligação com Zambézia, continua o One Man Show de Nyusi, por essa razão, neste momento, o Ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural tem à sua disposição os grandes fundos do governo (FNDS e ADIN) para gerir e “comprar” lealdade dos membros, sobretudo nas províncias, para garantir a viabilização de qualquer uma das opções.
Luísa Diogo é primeira vítima do combate aos opositores internos
Este plano ficou patente na reestruturação dos chefes das brigadas centrais nas províncias, onde Nyusi e a sua ala decidiram mandar para as sombras todos os membros da região Centro do País, que representam algum tipo de ameaça ou que tenham algumas aspirações presidencialistas.
A primeira pessoa a ser tirada de cena foi Luísa Diogo, que foi despromovida do cargo de Chefe da Brigada Central do partido em Tete. Os movimentos madrugadores da sua base de apoio, que chegou a lançar uma pré campanha nas redes sociais, podem ter prejudicado a antiga primeira-ministra, que acabou sendo a primeira grande vítima do combate aos opositores internos da ala Nyusi.
Entrou no Comité Central como chefe da Brigada Central de apoio à província de Tete e saiu sem o cargo, após uma reestruturação mecânica das brigadas centrais.
Numa altura em que o debate de sucessão na base regional volta a estar em Voga, Luísa Diogo, figura ligada a Alberto Chissano e Armando Guebuza, de quem foi Ministra das Finanças e Primeira-ministra, respectivamente, é vista como ameaça para a pretensão de Nyusi de manter o controlo.
O mesmo destino teve Sérgio Pantie, que chegou ao Comité Central como chefe da brigada central de assistência à província de Sofala e saiu sem o cargo.
Basílio Monteiro, durante muito tempo considerado o delfim de Nyusi, e que já começou a montar o seu gabinete de campanha, acaba de ser mandado para as sombras. Vai ser adjunto chefe da brigada central de assistência a Niassa, depois de, nos últimos anos, ter chefiado a brigada da segunda província mais populosa do País, Zambézia, onde o partido conseguiu resultados históricos.
A proposta que quase gelou a sala do Comité Central
Decorria ainda o primeiro dia dos trabalhos do Comité Central, quando, durante a análise dos resultados das eleições gerais de 2019, Felizarda Paulino, membro do Comité Central e do Conselho de Estado, tomou da palavra para elogiar a forma briosa como foram conduzidas as eleições de 2019.
Natural de Nampula, Felizarda Paulino após bajular incansavelmente o Presidente da República e simultaneamente do partido, decidiu ir mais longe, propondo que Nyusi seja conduzido para um terceiro mandato.
Segundo ela, a forma como a Frelimo e o seu candidato venceram as eleições, ganhando em todos os distritos, mostra o nível de aceitação do povo e que “há condições para o Presidente governar o País até 2030”.
Após a inesperada proposta, a sala de sessões do Comité Central ficou gelada por uns segundos. Ninguém ousou bater palmas, não houve nem ovação, nem murmúrios. Seguiram-se segundos de silêncio total, com os membros olhando-se uns aos outros. Nyusi teve de usar da palavra para dar seguimento à sessão e disfarçar o mau ambiente criado.
Os medos de Filipe Nyusi depois de deixar o poder
Com o seu nome associado ao escândalo das dívidas ocultas, citado em Londres e nos Estados Unidos como tendo assinado documentos importantes e ter recebido subornos na ordem de mais de 1.5 milhões de meticais, algumas correntes acreditam que um terceiro mandato visa garantir a sua imunidade, de modo a escapar das malhas da justiça, depois do fim de mandato.
Fala-se, ainda que em boca pequena, que todas acções que estão a ser maquinadas têm em vista evitar que um membro com ligações à ala Guebuza chegue ao poder para evitar uma “caça às bruxas” que pode culminar com a sua prisão depois de deixar a ponta vermelha.
Nyusi é acusado de ser o rosto da perseguição de que sempre se queixou o antigo Presidente da República, Armando Guebuza e sua família. Tchemene é temido pela sua forma de ser e estar, tendo inclusive a fama de vingativo.
Já há alguns anos que é indisfarçável o mau ambiente entre os dois, e na última sessão do Comité Central não se mostrou nenhum sinal de aproximação entre as partes. Em Setembro do ano passado os dois dirigentes chegaram a trocar indirectas, abrindo uma nova fase da clivagem.
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