Cabo Delgado: sair da ambiguidade

OPINIÃO

Por Luca Bussotti

O debate que, já faz alguns meses, está caracterizando a questão de Cabo Delgado é se convém que Moçambique aceite a intervenção militar externa ou não. Não se trataria de uma ajuda no sentido de formar as tropas locais para a guerra ao terrorismo, mas, sim, abrir as portas de Cabo Delgado ao exército da SADC, da França, de Portugal ou de qualquer outro País ou organização multilateral de cunho institucional, para ter um papel activo no terreno. E também não se trata de contratar sociedades privadas, tais como a Wagner ou a DAG, como tem sido feito ultimamente, que são muito caras e cuja acção nem sempre corresponde às expectativas.

O Governo moçambicano utilizou as armas que tradicionalmente caracterizaram a sua acção nos meandros diplomáticos, desde a época samoriana. Naquela altura, os aliados principais eram os estados do bloco soviético, porém Moçambique fazia parte dos países não-alinhados, e ainda recebia ajudas da cooperação sueca, italiana, francesa e por ai fora, em suma, de muitos países ocidentais que nada tinham a ver com os “amigos” comunistas.

Tal ambiguidade ou flexibilidade, valeu a Moçambique uma transição relativamente simples das alianças com o mundo socialista ao liberal, que o próprio Samora, com a sua viagem para os Estados Unidos de Reagan, tinha iniciado a implementar. A mesma postura foi mantida depois da democratização, com boas relações com os países aliados dos Estados Unidos, os principais doadores do “novo curso” liberal, mas piscando o olho a novos países emergentes – que, por sinal, eram velhos amigos de Moçambique – tais como China, Rússia e, mais tarde, Turquia, Índia, Vietname e outros.

Quando chegou o início do conflito em Cabo Delgado, a diplomacia moçambicana já tinha experienciado várias formas de ambiguidade, ou de capacidade de adaptação às diversas e adversas situações políticas. Tal ambiguidade tem caracterizado constantemente o posicionamento do Governo com relação ao terrorismo de Cabo Delgado. Primeiro em termos de definição do fenómeno, inicialmente reduzido a simples bandidismo, mas depois reconhecido como terrorismo de matriz islâmica; depois no sentido de como enfrentar esta nova ameaça. E foi justamente aqui que a ambiguidade tradicional da diplomacia moçambicana deu, por assim dizer, o melhor de si: relações excelentes com todos os parceiros, preocupados – por razões económicas como a França, de reminiscências coloniais como Portugal, de efectivo medo de este fenómeno se espalhar para áreas próximas, para os países da SADC – em ajudar Moçambique a resolver o assunto, soluções tomadas sem publicidade, por vezes às escondidas (caso da Wagner), e consoante opções políticas decididas dentro de uma restrita elite.

O Governo moçambicano tem toda a legitimidade em recusar uma ajuda militar directa por parte deste ou daquele país: não faltam exemplos, como o próprio Secretário da Frelimo tem recordado, de áreas em que o conflito foi “internacionalizado”, com resultados não satisfatórios. Assim como os cidadãos moçambicanos têm o direito de saber que tipo de escolha o Governo pretende levar avante, e por quais razões. Da mesma forma, a opção do Governo, além de clara e transparente, convinha que fosse discutida na Assembleia da República, de maneira a formalizar qualquer tipo de deliberação que se queira assumir com relação ao assunto mais complicado do País. E, finalmente, dizer com clareza quais seriam as consequências junto à população local de tal opção política.

Por exemplo, se o Governo continuar, como parece ouvindo as declarações de Nyusi junto ao Comité Central, assim como lendo as poucas reportagens de Paris, relativas ao encontro com Macron, a pautar por uma linha de colaboração larga com os parceiros estrangeiros, mas orientada à simples formação de pessoal na luta contra o terrorismo, uma das questões centrais é onde irá-se buscar o pessoal para combater em Cabo Delgado. Será que, actualmente, o exército e polícia têm efectivos suficientes, além de bem treinados, considerando também que a DAG já não se encontra no terreno? Se não, onde é que estes serão buscados e quem é que irá formá-los? Quanto tempo, aproximadamente, este processo irá levar? Será que este tempo é indiferente para uma empresa como a Total, ou se trata de uma variável decisiva, que deve ser considerada se Moçambique não quiser perder um parceiro julgado como estratégico para a vida dos próximos trinta anos do País? E, além das estratégias militares, quais outras acções o Governo pretende desenvolver para reportar os muitos jovens que estão protagonizando os actos de terrorismo a uma vida normal, aceitando as regras de convivência comum, e as instituições públicas nacionais?

Sair da ambiguidade significa tudo isto. A esperança é que o Governo, agora, tenha a coragem de esclarecer qual a sua linha política para Cabo Delgado, justificando-a com argumentações compreensíveis e sem se esconder por detrás da suposta violação de uma soberania que, em muitas outras circunstância, não costuma ser evocada.

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