Parte do equipamento em degradação e outro entregue à marinha
Propostas de compra pelo sector privado foram adiadas até o fim das polémicas
“Interceptores” usados em passeatas e pesca desportiva dos filhos do Presidente
Longe dos complexos despachos do Tribunal Superior de Inglaterra e País de Gales e dos processos que correm no País e na África do Sul, em Maputo continua questionável o destino dado ao equipamento subfacturado, cujo último lote foi entregue em 2016, ao Ministério de Defesa, já sob gestão de Atanásio Nkutumuke. O Evidências apurou que além dos problemáticos barcos da extinta Ematum, atracados no Porto de Maputo, já em notável estado de degradação, depois de fracassadas as propostas que tencionavam dar outro destino ao equipamento, há, afinal, parte do equipamento que está sendo usado de “forma sigilosa” pela marinha e outros ramos do exército e da Polícia da República de Moçambique, fora do Sistema Integrado de Monitoria e Proteção (SIMP). Outro equipamento, por uma questão de segurança nacional, não é revelado oseu paradeiro.
A partir da ponte Matola Rio, que liga as cidades de Matola e Boane, estão à vista embarcações pertencentes à polícia marítima. São equipamentos que completam o Sistema Integrado de Monitoria e Protecção (SIMP) das Forças de Defesa e Segurança (FDS), o projecto usado para legitimar a contração das dívidas ocultas. Aquele equipamento pertence à Proindicus SA, já extinta, a par do Ematum SA e MAM SA.
Na Marinha de Guerra e nos estaleiros da extinta MAM, junto ao porto de pescas, é possível ver algumas unidades das embarcações de combate à pirataria marítima atracadas, que, aliás, de vez em quando são usadas para treinamento na baía de Maputo. Em contraste, já da ponte Maputo – Katembe, estão à vista outras embarcações em avançado estado de degradação, no Porto de Maputo, pertencentes à Ematum. Desde que foram atracadas, nunca foram usadas para o propósito para o qual foram construídas, além de algumas demonstrações.
Os referidos equipamentos foram fornecidos entre 2014 e 2016 pela Privinvest. Para além de embarcações, a aquela empresa libanesa que hoje ameaça notificar o Presidente da República, construiu infra-estruturas, forneceu equipamentos e propriedade intelectual dos três projectos da ProIndicus SA, Ematum SA e MAM SA, para SIMP.
As três empresas estão, hoje, dissolvidas, mas, para além das dívidas odiosas de dois mil milhões de dólares contraídas ilegalmente, há sete anos atrás, com impactos ainda visíveis no custo de vida e no bolso de cada moçambicano, deixam um património controverso, que, segundo o relatório da Kroll, foi subfacturado.
Da tentativa de sabotagem
Naquele ano de 2016, apesar de estar fora do deadline, os Estaleiros de Pemba e Maputo ainda estavam a ser concluídos. A explicação é que o atraso foi causado por supostas sabotagens de certas pessoas do Executivo Nyusi.
Porém, no mesmo ano, sentindo-se intimidados pelo trabalho levado a cabo pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que avaliava os esquipamentos entregues, os então ministros da Defesa e dos Transportes e Comunicações, Salvador Mtumuke e Carlos Mesquita, respectivamente, decidiram remover os obstáculos à implementação do Projecto e ensaiar sua finalização.
O trabalho foi evidenciado com algumas visitas dos ministros de pelouro, que foram se inteirando do trabalho, quase sempre acompanhados por António de Rosário, também conhecido por Indivíduo A, na altura PCA das três empresas caloteiras.
Em alguns desfiles, era possível assistir ensaios militares que exibiam os equipamentos subfacturados da Privinvest, empresa que hoje, em processos judiciais, parece recorrer a chantagem para não ser responsabilizada pelos subornos pagos à fauna corrupta para ver viabilizado o seu projecto que, apesar de ambicioso, foi manchado pela distribuição das comissões a governantes corruptos no Governo de Guebuza, promovidos no consulado de Nyusi.
É nesta senda que, ao longo da costa moçambicana, foram instalados radares, alguns equipamentos entregues à marinha, enquanto outros equipamentos como barcos foram distribuídos pelas bases de Pemba e Maputo, onde estão a ser usados por militares e várias unidades policiais.
Foi, inclusive, a bordo de um dos “navios” de patrulha da extinta ProIndicus que em 2019, foram detidos os 12 iranianos ao largo da baía de Pemba, na província de Cabo Delgado, que após serem interceptados destruíram a embarcação em que seguiam supostamente para ocultarem grandes quantidades de droga que estavam prestes a introduzir no território nacional.
No entanto, apesar desse aproveitamento, há quem entende que a utilidade destes equipamentos só se vai sentir dentro do sistema em que foram concebidos, o tal SIMP das Forças de Defesa e Segurança.
O silêncio do Governo e as propostas adiadas
Os 16 radares ao longo da costa, os barcos abandonados no Porto de Maputo, os equipamentos no Estaleiro Naval de Pemba, o material entregue à marinha e à polícia marítima, são partes de um sistema com comando de controlo único, que, no entanto, são hoje usados de forma descoordenada. Outros equipamentos, como é caso do Estacão de Radar algures em Cabo Delgado, são de localização sigilosa, devido à sua sensibilidade para segurança nacional.
Não há uma comunicação oficial sobre o futuro deste equipamento, cujo dinheiro pago ao fornecedor, a Privinvest, foi com recurso a empréstimos ilegais, não só pagou os equipamentos, como também foi distribuído entre a elite, havendo evidências, inclusive, de pagamentos feitos ao partido no poder.
Lembre-se que o relatório da auditoria da Kroll teria calculado um gasto não esclarecido de 500 milhões, do total de 2,2 mil milhões de dólares investidos nesse processo.
O Evidências sabe que, no caso de equipamentos de Ematum, existem empresários nacionais que manifestaram interesse para fazer proveito do mesmo, mas foram barrados com o argumento de que era preciso esperar a polémica passar para se decidir sobre o destino a dar a estes equipamentos desajustados, no caso dos barcos, do propósito que legitimou a compra.
Uma fonte ligada ao processo avançou o nome de Amade Camal, dono de uma rede de transportes em Maputo e com fortes ligações ao poder político, que teria manifestado interesse na gestão da MAM e fez sua proposta para alugar a doca flutuante (AfricanStorm).
No entanto, bem antes, quando se noticiava o início de ataques em Cabo Delgado, em resposta ao pedido formulado pelo então ministro Mtumuke, Erik Prince, um “tubarão” da segurança marítima em contextos de exploração petrolífera, respondeu prontamente e veio a Moçambique para analisar o equipamento.
A conclusão que chegou é que era possível, com aquele equipamento, acabar com a insurgência que semeia terror no norte de Moçambique, “em três meses”. No entanto, apesar da disponibilidade, que despertou acesos debates no país, não mais se avançou sobre aquela abertura, tendo se recorrido a outros mercenários, como a DAG, que usavam equipamentos próprios.
Estranhamente, enquanto o equipamento está em subaproveitamento relativamente aos propósitos para os quais foi comprado, os filhos do Presidente da República têm usado as embarcações para passeatas de pesca desportiva ao largo da nossa costa.
Indagação de Jean Boustani
Em princípios de Janeiro, Jean Boustani, o negociador das polémicas dívidas, como que a pressionar o Presidente da República, Filipe Nyusi, para que deixe de lado “as razões políticas”, alistou na carta que escreveu, que entregou para Moçambique “um centro de comando e controlo, um sistema de vigilância por satélite, seis aeronaves de patrulha equipadas com sensores, três drones de vigilância, dezasseis radares costeiros, seis embarcações de patrulha offshore, trinta e nove interceptores rápidos, vinte e quatro embarcações de pesca, dois estaleiros, direitos de propriedade intelectual, centros de treinamento e uma embarcação de manutenção e apoio logístico”.
“Exorto vossa excelência a deixar de lado as razões políticas que levaram à negação da existência do ProIndicus, a fim de reverter o substancial dano à reputação de Moçambique e às enormes perdas económicas e atrasos no lançamento do seu programa de produção de gás”, escreve Jean Boustani, negociador da Privinvest que, em documentos apresentados à justiça britânica, este ano, já por Iskandar Safa, fundador da empresa, colocou Nyusi como o também benificiário das dívidas ocultas, ao receber uma comissão de um milhão de dólares enquanto candidato presidencial da Frelimo, no primeiro mandato.
Não há indícios de que o equipamento tenha sido desviado como defenderam algumas correntes de opinião, depois da exposição, na íntegra, neste jornal, da carta enviada à Presidência da República. No entanto, são questionáveis os moldes do seu uso, apesar das ricas evidências de que estão muito abaixo dos custos declarados, um debate, extemporâneo, que, no entanto, é sempre pontual devido ao flagelo criado pelas dívidas ocultas, num momento em que todas as atenções estão centradas nas encenações judiciais.
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