(À Memória do jornalista, escritor e poeta moçambicano, Guilherme de Melo)
Por: Afonso Almeida Brandão
Em recente peregrinação a Roma, visitei, como devido, o Campo de’ Fiori e recolhi-me diante da estátua de Giordano Bruno, o herético queimado por inquisidores analfabetos e determinados.
Aí se deteve o enterro de Pasolini, outra herética vítima do ódio dos “Savonarolas” modernos, e se disseram as últimas palavras de elogio ao grande escritor insubmisso. Eu fui homenagear a verdade, e a coragem dela. Recordei, também, Galilei Galileia, obrigado a negar, sob ameaça, uma realidade evidente: que a Terra gira à volta do Sol. “Eppur si muove…” — ainda murmurou, humilhado. Mas o evidente é admissível quando se enquadra no códico das convenções convenientes: quando cabe na hipocrisia. Raras vezes coincidem justiça e verdade — sabemos. E mais raro, ainda, que isso aconteça em contratos sociais. Pobre Rousseau, ele mesmo a fugir e a torturar-se com a doença que o afligia: a da sinceridade! As suas desventuras e as das “Confissões” — notável livro que todos deviam ler — mostraram-no cruamente.
Li, depois, no “La Stampa”, e a propósito do assassínio à machadada (já não é a primeira vez!), em Nova Iorque, de um homossexual: “A Intolerância Cresce”. Uma acção de “limpeza moral” (irmã gémea da intolerância e da “limpeza ética”, obra de dois fanáticos religiosos… Obviamente, incurantes do amor a Deus, que se reflecte no amor ao próximo e no respeito pelo amor verdadeiro. E, por muito que custe aos fanáticos defensores das sociedades da aparência e da conveniência, da indiferença e do privilégio, o amor homossexual é tão verdadeiro como o amor heterossexual — e igualmente puro.
Recusar esta evidência, significa repetir o gesto — monstruoso na imbecilidade e na prepotência calculada — dos que acusaram a Galileu o movimento da Terra à volta do Sol. Não é preciso “tolerância” ou especial generosidade para se aceitar a “diferença”: trata-se, apenas, de respeitar a vida, complexa, irredutível a códigos oportunistas. Mas, “tolera-se”… Toleramos, com falsa generosidade, a “diferença”, enquanto não oscilam as estruturas em que assentamos poderes e egoísmos. Toleramos, enquanto ela não nos desestabiliza. Toleramos, enquanto o “diferente” pratica a hipocrisia a que sacrificamos. Afinal, “só” pedimos isso: que o “diferente” minta e não incomode. Reconhecemos, aos “diferentes”, o direito aos “guetos”. Cidadãos somos nós. Isto, a propósito do quê? A propósito da infâmia da intolerância, da vergonha dos “guetos” e das “limpezas morais” dos Novos Inquisidores. Da exclusão. Da heterofobia. E do borborinho que por aí se fez, num passado recente, em torno do eventual reconhecimento de um direito essencial: viver, dignamente, o amor verdadeiro — independentemente do facto de homens casarem com homens e de mulheres casarem com mulheres ou viverem simplesmente juntos (ou nâo). A este propósito, recordamos (e recomendamos) a leitura do excelente romance auto-biográfico do saudoso jornalista moçambicano, Guilherme de Melo (1931-2013), com «A sombra dos dias», prémio literário da Editorial do «Círculo de Leitores», em Portugal, em 1981.
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