Por: Reginaldo Tchambule
Em tão pouco tempo, partimos de uma democracia falhada para um país autoritário, que pisca apaixonadamente para o lado da ditadura. Do país se fala muito dentro e fora de portas. Quando não são as guerras, são escândalos de grande corrupção capazes de colocar um povo de cócoras, mas também somos famosos por termos como principal produto de exportação a heroína e por sermos um país inseguro para investidores, devido aos constantes conflitos políticos militares e sequestros.
Quando nos encontrávamos a queimar os últimos cartuchos da vergonha colectiva de termos um presidente apontado como parte de um esquema de subornos, que logo poderá ser notificado para dar a sua versão em sede de um processo cível que corre termos na Suprema Corte de Londres e País de Gales, eis que voltamos a ser notícia no mundo, como sempre pelos piores motivos.
Reinildo Mandava, um jovem campeão que conquistou e dominou a França e que mostrou com A e B que ama o seu humilde berço, preterindo ir passar férias nas Bahamas ou Ibiza para estar junto dos seus, quase foi vítima de uma guerra sem quartel, para a qual as autoridades moçambicanas parecem estar a capitular.
É a indústria dos assaltos e raptos que está aos poucos a reclamar seu espaço de destaque dentro da normalidade que é o caos em que o nosso país encontra-se mergulhado. O certo é que o caos está instalado e quando pensamos que já estamos no fundo do poço há quem faz questão de nos lembrar que podemos cavar um pouco mais, sobretudo num cenário em que não há uma liderança clara.
Não se sabe ao certo, se a motivação do atentado seria mesmo uma tentativa frustrada dos meliantes se apoderarem da sua nova viatura ou tratava-se de um rapto para posterior pagamento de resgate. A única certeza que há neste momento é que a linha que separa criminosos e os agentes do Estado, sobretudo do Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC) é ténue, tal como ficou demonstrado na semana finda, quando agentes do SENIC e da PRM foram encontrados em flagrante delito mergulhados no esquema dos raptos, para posterior pedido de resgate.
No caso do atentado ao jogador Reinildo, chama atenção o facto de os agressores terem tido informações privilegiadas sobre o seu percurso, as suas escalas e outros detalhes da sua viagem, o que mais uma vez mostra que podem ter estado envolvidos agentes do Estado que estão aos poucos a transformar o Ministério do Interior num covil de criminosos, desde agressores, sequestradores e até esquadrões da morte ou do silenciamento, como ficou também claro no assassinato de Anastácio Matavele.
A suspeita surge pelo facto de que quem detém meios e condições para rastrear contactos, ouvir conversas telefónicas, ainda que ilegalmente, e aferir a localização exacta de qualquer dispositivo que esteja activo em todo território nacional, por via do número de telefone ou do IMEI é a própria SERNIC, que vezes sem conta, em conluio com agentes da polícia tem feito desta tecnologia um negócio no processo de recuperação de telefones extraviados, em que cobram dinheiro ao cidadão que viu seu bem furtado, de forma a recuperarem-no em tempo recorde.
Alguém sabia que Reinildo sairia da Beira naquele dia, iria seguir pelas ilhas de asfalto da EN1, teria paragem em Caia e qual seria o melhor local para a abordagem. Não fosse a teimosia do jogador que conseguiu fintar os meliantes que atiraram para imobilizar a viatura, estaríamos a falar de um Reinildo que viu seus pertences roubados, ou mesmo sequestrado, para posterior pedido de mais um milionário resgate.
Estamos diante de mais um crime que vai engrossar a extensa lista das vítimas da impunidade, mas que vende uma imagem do caos para quem nos observa de fora. Foi o que se viu nas redes sociais. Os franceses quando tomaram conhecimento do que aconteceu ao seu já ídolo ficaram confusos, por não saber se a guerra está somente em Cabo Delgado ou alastrou-se por todo o país, vai daí que alguns até nos chamaram de “selvagens” e convidaram o crack para voltar à França, porque o seu próprio país era incapaz de lhe garantir segurança para passar suas férias com amigos e familiares ou passear em qualquer canto desta Pérola do Índico.
Este é somente mais um exemplo que mostra que como país somos um barco à deriva sem um horizonte a vista. Muitos podem achar-me pessimista, mas os factos são disso ilustradores. Somos um país inseguro com guerras de armas nas matas e nas cidades, incluindo Maputo, onde grupos do crime organizado vão reclamando seu espaço. Somos um país endividado e em constante endividamento. Somos um país sem projecto comum. Somos um país que viu gerações sendo iludidas por uma expectativa de riqueza baseada no gás, que do nada passou a ser uma grande incerteza. Somos um país onde candongueiros são capazes de encostar à parede seus padrinhos no Estado a pressionar para se manter preços especulativos que lesam o povo. Somos um país famoso por ter, como principal produto de exportação, a heroína. Um país onde os recursos, meios e tecnologias do Estado estão ao serviço do crime organizado. Somos um país de pessoas que vivem cada dia e sem nenhuma perspectiva. Enfim, somos um Estado falhado. Precisamos nos unirmos, encontrarmos o PIN e fazermos um restart. Organizem-se!
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