Aluguer milionário de armazéns ao INGD em tempos do IDAI: Terra Mar Logística facturou 60 milhões de meticais enquanto o povo sofria

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  • Rompimento do contrato gerou ambiente de tensão entre Luísa Meque e Augusta Maíta

Em pleno período de recuperação e construção pós IDAI, o Instituto Nacional de Gestão de Desastres (INGD), na altura liderado pela actual ministra do Mar, Águas Interiores e Pescas, Augusta Maíta, gastou, num espaço de 12 meses, cerca de 60 milhões de meticais de renda por um armazém da “Terra Mar Logística”, na cidade da Beira, de Março de 2019 a Março de 2020, um contrato que em princípio devia ter duração de apenas três meses. A rescisão do contrato de aluguer de armazéns da Terra Mar Logística com efeitos imediatos foi parte das primeiras acções de Luísa Meque, logo que foi empossada ao cargo de Presidente do então Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC), o que sugeriu tratar-se de um contrato com contornos nebulosos.

Sem nenhum concurso público, o INGD, na altura liderado por Augusta Maíta, actual ministra do Mar, Águas Interiores e Pescas, recorreu a uma adjudicação directa num valor de 60 milhões de meticais à Terra Mar Logística para a cedência de um armazém, localizado junto do porto da Beira. Por mês, o INGC /INGD pagava cinco milhões de meticais à Terra, Mar Logística.

Os envolvidos justificam que, dada a situação de emergência, não havia espaço para outras opções até porque, segundo estes, era o único armazém disponível, pois os outros, incluindo o do INGD estavam parcialmente destruídos pelo temporal.

O contrato inicial era de três meses. O Evidências apurou de fontes da instituição familiarizadas com o processo, as quais olham com estranheza o volume dos montantes envolvidos no aluguer do armazém, que havia condições de reabilitação dos armazéns do INGD no prazo de menos de três meses, pois não demandava operações de grande vulto.

No entanto, como que a protelar alguns interesses, o contrato foi prorrogado por duas vezes durante a vigência do mandato de Augusta Maíta, contudo, depois de tomar posse e se inteirar do funcionamento da casa, Luísa Meque, na altura directora-geral do INGC, estranhou o facto de a instituição continuar presa a um contrato bastante oneroso, mesmo tendo os seus armazéns outrora danificados, já restituídos.

A presidente do INGD, Luísa Meque, após consultar vários processos, ordenou a rescisão do contrato com efeitos imediatos. Na verdade, dada a gravidade das irregularidades, deu somente um prazo de “dois dias” para o rompimento. O Evidências sabe que não autorizou pagamentos referentes aos últimos meses.

Terra Mar Logística era um cliente assíduo do INGC na era Maíta, tendo ganho vários contratos de adjudicação directa, com várias coincidências pelo meio. Um mês depois de ter alugado armazéns ao preço milionário de cinco milhões por mês, o então INGC anunciou, neste caso em Abril de 2019, uma comissão conjunta para a distribuição de ajuda.

Terra Mar Logística passou a ganhar boladas antes controladas pela TCM

O processo seria liderado pelo Programa Mundial de Alimentação (PMA), mas a bolada milionária foi novamente entregue aos mesmos “amigos”, ou seja, à Terra Mar Logística, cujo seu director e proprietário, Félix Machado, já se viu associado à fraude de 500 mil dólares, enquanto director Comercial da Cornelder de Moçambique.

No referido processo, Machado era indiciado de não ter feito nada para evitar a fraude, enquanto encabeçava um departamento que deveria ter evitado um fraudulento esquema que custou ao Porto da Beira mais de 500 mil dólares.

A Comercial da Cornelder de Moçambique, que consta no currículo de gestão de Félix Machado é uma joint-venture moçambicana-holandesa, com ligações a Carlos Mesquita, que também opera o Porto da Beira.

Acredita-se que Terra Mar Logística não esteja muito longe do círculo do poder e curiosamente passou a ganhar os contratos que antes eram dados à empresa Transportes Carlos Mesquita, que chegou a gerar debate há alguns anos por haver claros indícios de conflito de interesses.

É a este que o Estado, através do INGC confiou a recepção, armazenamento e distribuição de ajuda alimentar disponibilizada pelo Programa Mundial de Alimentação e outros organismos. O valor envolvido na operação foi mantido em segredo

“Este contrato é duvidoso. Isto gerou um mal-estar na instituição. A nova directora-geral do INGC ordenou a rescisão do contrato e mandou que o INGC abandonasse os espaços da empresa Terra, Mar e voltasse para o armazém próprio em dois dias”, disseram nossas fontes.

A posição de Luísa Meque, sugere tratar-se de uma adjudicação nebulosa, que em princípio, segundo foi acautelado no contrato, devia ter durado só três meses, mas acabou sendo arrastado por mais de 12 meses, consumindo parte do valor que devia ser destinado ao suprimento de necessidades básicas das vítimas do Ciclone Idai, que, segundo foi reportado na altura, chegaram a passar dias de fome fazendo com que milhares de pessoas em Manica e Sofala recorressem, em Novembro de 2019, a mangas verdes, tubérculos e frutos silvestres para enganar o estômago.

INGD diz que o processo foi limpinho

César Tembe, técnico do INGD, indicado pela instituição para falar dos contornos daquela contratação, começa por lembrar que a região central do país, com maior incidência a província de Sofala, ficou com todas as infra-estruturas afectados pelos ciclones de 2019, incluindo os dois armazéns da instituição que ficaram destruídos.

“Inclusive perdemos alguns bens que estavam nesses armazéns e considerando o nível de destruição das infra-estruturas houve essa necessidade de procurar um sítio onde pudesse armazenar os bens destinados a assistência humanitária”, narra, prosseguindo que o único armazém que esteve em condições na altura era o armazém da empresa Terra Mar Logística.

“O INGD celebrou, na altura, o contrato com a Terra, Mar Logística, no sentido de poder armazenar os bens que se destinavam à assistência humanitária, mas também a Terra Mar tinha a responsabilidade de fazer o mapeamento e a gestão de todos os bens destinados à assistência humanitária”, detalha Tembe, sublinhando que o importante eram os serviços prestados.

“Do princípio assinamos um contrato com uma validade de três meses, e porque houve necessidade de se prorrogar, o mesmo foi prorrogado primeiro por mais três meses. E depois fizemos uma prorrogação de cinco a seis meses, estivemos a trabalhar com a Terra Mar Logística por um período de cerca de 11 a 12 meses”, confirmou Tembe, mostrando-se incapaz de detalhar as razões da suspensão imediata pela actual gestão.

A única explicação é que “a partir do momento em que reabilitamos os nossos armazéns passamos a não ter necessidade de continuar com os serviços da Terra, Mar Logística. Não foi possível fazer em três meses, porque na altura tínhamos muita demanda, recebíamos grandee quantidades de donativos, e como sabem era mesmo a partir do armazém da beira que fazíamos assistência para todos os distritos das províncias de Sofala, Manica, Tete e Zambézia”.

De acordo com a fonte, pesou para indicação da Terra Mar Logística o facto de o INGD receber grandes quantidades e os bens não podiam ficar dispersos em vários ministérios, então era preciso encontrar um lugar que se destinasse a condicionar todos bens destinados à assistência humanitária.

“Esta é que foi a grande razão, aliado ao facto ser o único que existia com condições”, disse, argumentando mais adiante que para nós o processo foi bem instruído, e “tivemos, depois disto, três auditorias, uma do ministério de economia e fianças, do tribunal administrativo, do GCCC”.

Há uma pergunta ainda por responder

A actual ministra do Mar, Águas Interiores e Pescas, Augusta Maíta, partilha do mesmo comentário de Cásar Tembe, sublinhando que “até onde eu tratei desse processo não tem nada que foi feito à margem da Lei”.

“O que eu me lembro desse processo é que na altura em que recorremos àquele espaço não tínhamos outro sítio para pôr as coisas. Beira estava totalmente destruída e os nossos armazéns também”, afirma Maíta.

No entanto, a pergunta que não encontra clareza nas respostas dos intervenientes ouvidos pelo Evidências, é por quê, no mesmo mês em que Meque foi empossado, os armazéns do INGD ficaram prontos para acolher os bens?

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