Apesar de todo esforço para viciar o inquérito: Comissão de Inquérito confirma exploração sexual de reclusas em Ndlavela

DESTAQUE SOCIEDADE
  • Chefe Berta trazia homens e fazia festas com reclusas
  • Conheça a história de uma jovem “bonita” que tentou (…)
  • Está a ser ensaiada a tese de que nenhuma das meninas entrevistadas pelo CIP consta dos processos de Ndlavela
  • Um dos investigadores ligado ao ministério chegou a ameaçar as reclusas

A Comissão de Inquérito constituída pelo Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos (MJACR) para averiguar o escândalo da exploração sexual das reclusas da Cadeia Feminina de Ndlavela confirmou parte considerável das denúncias feitas pelos investigadores do Centro de Integridade Pública (CIP), apesar de toda a tentativa para viciar o processo e contaminar a cena do crime, incluindo uma ordem para o silêncio. Fontes do Evidências, ligadas à Comissão de Inquérito revelam pormenores da investigação e falam de cooperação das reclusas que durante as entrevistas não se coibiram de revelar que naquele estabelecimento há saídas constantes de algumas colegas de cela, normalmente as mais jovens e bonitas, que inclusive beneficiam de protecção dos guardas penitenciários. Igualmente, confirmaram que a chefe Berta promovia festas no recinto prisional com homens, nas quais participavam algumas reclusas. Entretanto, de todo universo das entrevistadas apenas uma jovem, que cumpre prisão preventiva desde princípios deste ano, é que confirmou já ter sido abusada sexualmente pelos guardas.

Reginaldo Tchambule

De fontes que fazem parte da Comissão de Inquérito, o Jornal Evidência conseguiu furar os bastidores das investigações e apurou que, tal como se suspeitava, houve, desde o primeiro minuto, tentativa de, pessoas ligadas ao Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos, viciarem o processo.

Mesmo assim, recorrendo a entrevistas conduzidas pelos membros da Comissão de Inquérito que vêm da sociedade civil, foi possível confirmar parte das constatações da investigação conduzida pelo CIP.

As reclusas entrevistadas confirmaram que há colegas que saem regularmente do estabelecimento e que gozam de protecção dos guardas penitenciários e têm uma série de privilégios, embora não sabem dizer o que realmente fazem cá fora.

Igualmente, as reclusas acusaram a famosa “chefe Berta” de promover frequentemente festas aos finais de semana, regadas de muito álcool, em que algumas reclusas são escolhidas a dedo para participar e fazer as delícias dos visitantes.

Entretanto, apesar dessa revelação, quase nenhuma das que foram ouvidas assumiu ter alguma vez saído, excepto uma moça novata, que, apesar de ter entrado há pouco menos de três meses em prisão preventiva, assumiu que já dormiu com alguns homens a mando da directora da cadeia, conhecida por ‘chefe Berta’.

“A moça tem 19 anos, é bonita e com corpo escultural e confessou que foi explorada. Revelou que a ‘chefe Berta’ trouxe um homem e mandaram ela sair da sala para ter com o homem aparentemente bem posicionado na sociedade com quem manteve relações sexuais e prometeu criar condições de boa vida dentro da cadeia, protecção e pagar um bom advogado para tirá-la da cadeia, para que uma vez fora continuassem a encontrar-se e prometeu também pagar os seus estudos. Essa foi a única que falou que aconteceu isso com ela, as outras não assumiram terem sido exploradas, apesar de revelarem que conheciam o esquema”, destacou uma das fontes.

Comissão de inquérito não encontrou nenhuma das entrevistadas

Segundo as nossas fontes, que fazem parte da investigação, a Comissão de Inquérito não encontrou nenhuma das jovens entrevistadas pelo CIP, mesmo tendo desbravado em tempo recorde, frise-se, todos os processos das reclusas actuais e as que já passaram por aquele estabelecimento penitenciário.

Mas o Evidências ouviu outras fontes que não têm dúvidas de que as reclusas podem ter sido transferidas no mesmo dia em que saiu o relatório de investigação, pois a situação criou um certo nervosismo no Ministério da Justiça e houve várias reuniões ao longo do dia, algumas das quais se prolongaram pela noite adentro.

Aliás, no dia em que a ministra visitou o estabelecimento penitenciário, em que foi tudo feito para condicionar o acesso de jornalistas às reclusas, depois de ter sido prometido que haveria espaço para entrevistas, já tinha em sua posse os nomes das reclusas exploradas, guardas intermediários e outras pessoas facilitadoras, o que alimenta a possibilidade de terem sido retiradas antes do início das investigações.

É que, se as mesmas fossem encontradas, não só daria mais credibilidade ao estudo do CIP, como também abriria espaço para que as mesmas processassem o Estado devido à actuação dos seus agentes, um risco que alguns sectores, obviamente podem não estarem dispostos a correr.

Inspector-geral das prisões ameaça reclusas durante investigações

O Evidências apurou que um dos membros da Comissão de Inquérito é o Director Nacional dos Serviços de Inspecção Penitenciária, que, durante as investigações chegou a intimidar as reclusas quando revelaram detalhes da exploração sexual, das festas regadas de bebida ali promovidas, entre outros.

É que, segundo apuramos, três meses antes da publicação do relatório do CIP, o serviço de inspecção penitenciária por si dirigido havia passado por aquele estabelecimento prisional e não identificou nenhuma anomalia.

“Aquele director chegou a questionar a razão pela qual as declarantes não revelaram aqueles comportamentos, quando ele passou por lá há três meses”, sustentam as nossas fontes.

O Evidências sabe que entre as conclusões que vão constar do relatório que já está a ser produzido, a Comissão de Inquérito vai destacar que não foi encontrada nenhuma das reclusas entrevistadas pelo Centro de Integridade Pública e que apresentam características que são peremptoriamente proibidas no recinto prisional. Trata-se de punk, que é um corte não aconselhado em estabelecimentos penitenciários.

Igualmente, a Comissão de Inquérito não encontrou imagens que mostrem a saída e entrada de reclusas no Estabelecimento Penitenciário no material fornecido pelo CIP, o que está a ser apontado como uma das fragilidades do estudo.

No entanto, o Evidências voltou a visitar a investigação do CIP e constatou que os investigadores deixam claro que a entrega das reclusas não acontecia à porta do estabelecimento penitenciário, mas sim em locais previamente combinados.

A nossa fonte jura de pés juntos que os processos de todas as reclusas foram entregues ao CIP, que entretanto, não conseguiu identificar as jovens entrevistadas pelas fotos, o que reforça a ideia de que a cena do crime pode ter sido deliberadamente contaminada para dificultar a investigação.

Posto médico da prisão confirma abortos recorrentes em Ndlavela

O nosso país ainda não dispõe de um dispositivo legal que permita que pessoas em reclusão recebam visitas íntimas, ou seja, de seus cônjuges ou namorados para prática de sexo em locais previamente preparados como acontece noutros países do mundo. O debate até chegou a ser levantado há alguns anos, mas acabou sendo abandonado.

Mesmo assim, na cadeia feminina de Dhlavela muitas reclusas, algumas das quais encontram-se há vários anos, em cumprimento de penas, já procuraram várias vezes o posto médico para tratamento depois fazem aborto.

A informação foi confirmada à Comissão de Inquérito o que indicia que foram engravidadas dentro da cadeia por guardas prisionais ou por indivíduos desconhecidos durante a exploração sexual.

A pensão localizada nas imediações daquele estabelecimento penitenciário, apontada como um dos locais onde a exploração sexual preferencialmente acontece, reconhece que têm recebido várias pessoas para encontros íntimos, mas não confirma e nem nega tratar-se de reclusas.

Guardas protegidos

Foi identificado um dos guardas registado no estudo por Macamo. Chamado a depor, distanciou-se de qualquer ligação ao caso de exploração de reclusas naquele estabelecimento penitenciário.

Entretanto, não foi possível identificar o guarda referido por Sitoe, pelo facto de existirem três com o mesmo apelido, apesar de o Ministério da Justiça ter em sua posse os números de telefones dos agentes e outros elementos que foram fornecidos pelo CIP. Sobre um terceiro identificado por Abílio ainda não há informações.

Outra constatação do estudo, que é questionado pela Comissão de Inquérito, são os valores cobrados pela cópula que rondam os 15 a 30 mil, um montante considerado extremamente alto, ignorando o nível de sofisticação do crime, que, tal como é relatado no estudo, quando não é consumado no local exige um grande aparato com envolvimento de facilitadores, vigias no local do acto, pessoal de reconhecimento e custo de deslocação até o encontro, para além da comissão das chefias.

Segundo reconhecem os próprios investigadores, a limitação em ir mais a fundo com a investigação prende-se com facto de o inquérito basear-se somente em entrevistas e consulta documental (incluindo do acervo audiovisual).

Informações em poder do Evidências indicam que o Centro de Integridade Pública que denunciou o caso que chocou não só o país, como também o mundo, colaborou com a investigação, fornecendo dados relevantes para investigação, dentre os quais vídeos, fotos, áudios, screamshots, números, matrículas dos carros envolvidos na rede de exploração.

Igualmente, soube o Evidências, de fonte in-side, que a Comissão de Inquérito ouviu os investigadores do CIP antes de ir ao terreno e pediu cooperação. Mesmo assim, não foram consideradas as chances de interceptar comunicações dos números fornecidos junto das operadoras de telefonia móvel, consultar o título de propriedade dos carros cujas matrículas estão em sua posse, entre outras formas mais avançadas de investigação.

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