Desde a última comunicação presidencial, que prorroga o Estado de Calamidade, mas sem grandes mexidas em termos de medidas que vinham vigorando, Moçambique assistiu uma subida galopante dos casos da Covid-19, atingindo novos recordes, o que, naturalmente, se traduz na ausência dos trabalhadores nos seus postos de trabalho.
Como consequência, anúncios de enceramento de instituições públicas e privadas têm se multiplicado um pouco por todo o país, uma realidade que, de certa forma prenuncia uma crise sem precedentes em muitos sectores de vida do país. De resto, no fim do dia os resultados do MISAU testemunham, com números recordes, a gravidade da terceira vaga: mais mortes, mais casos, mais internamentos e menos recuperados. É a dor palpável da Covid-19, depois que tacteamos, na economia, os efeitos dolorosos das medidas para conter a sua propagação.
A luta pela sobrevivência, num mundo com um horizonte mais incerto, expõe-nos ao risco, quando todos devíamos ficar em casa. Aliás, já ninguém nos manda ficar em casa, porque todos comprovamos o quão esta pandemia tem vindo a se impor como uma verdadeira indústria produtora de fome. Este retrato que já não esconde a Covid-19 atrás de números, dissipando reflexões ingénuas de uma virose centrada nas cidades e perigosa a terceira idade, está a reprovar o nosso compromisso com a saúde pública, denunciando que o egoísmo reina, quando continuamos a realizar festas familiares e groovamos intensamente sem consciência do amanhã, destorcendo aquele discurso da Julius Nyerere, em que se dá carta-branca ao cidadão para que encontre forma de tirar a própria vida sem pôr em causa a vida dos outros.
É compreensível a situação de pessoas que se expõem nos chapas, a caminho do trabalho, e das que enfrentam o vírus nos mercados, em busca obsessiva pelo pão, mas é veementemente repudiável a realização de festas sem o mínimo respeito pela saúde pública, que podem aguardar para uma celebração que atende no rigor a palavra celebração. Os casos de Inhagoia, praça da Juventude, entre outros são um espelho do vazio ético de uma juventude frustrada, pois não é preciso fiscalização quando a luta é pela própria sobrevivência.
Escasseia a consciência de que a falta de responsabilidade individual acelera a precariedade da saúde pública e a polícia, o único rosto do compromisso político do Governo, para a contenção da propagação da Covid-19, não tem conseguido melhorar a sua capacidade de sensibilizar as pessoas para que observem as medidas decretadas para o efeito.
E as consequências não podiam ser diferentes das acima alistadas. A declaração do Estado de Calamidade parece mais para alinhar-se ao politicamente correcto, quando a todos os níveis assiste-se a uma desobediência cuja sanção é discriminatória. São as instituições públicas, as primeiras a rasgar o decreto, ignorando a orientação da necessidade de se privilegiar os atendimentos por marcação antecipada, ao mesmo tempo em que os municípios, em flagrante relaxamento, abandonaram os tanques de água espalhados pelos mercados sem água, um detalhe que mostra o quão longe as edilidades estão comprometidas com os esforços centrais de combate à propagação da Covid-19.
Ademais, diante da incapacidade de prover o melhor, o governo esconde-se na ideia de que os autocarros e semi-colectivos, apesar de andarem a rebentar pelas costuras, ainda são seguros. Está claro que há uma deficiente fiscalização que quer ser ocultada, até porque a polícia só está atenta aos minibus e aos mercados, onde estão concentradas as notas de refrescos.
O decreto do Conselho de Ministros orienta o funcionamento da sociedade a todos níveis, mas ao que tudo indica, só a parte que cabe a singulares é que é fiscalizada. As denúncias pela imprensa de instituições que não se orientam pelo decreto presidencial, que prorroga o Estado de Calamidade, têm sido recorrentes, as melhorias escasseiam, principalmente no que diz respeito ao atendimento por marcação.
No último fim-de-semana, o velório do falecido camarada primeiro secretário da Frelimo, em Magude, concentrou mais de 200 pessoas, num evento em que esteve presente o camarada Júlio Parruque, governador da Província de Maputo, que quando não está a piscar para o lado, insufla ar aos pulmões para chamar para si a responsabilidade de mobilizar o seu rebanho na luta contra o Coronavírus.
A Covid-19 não tem cartão do partido. Vivemos um período extraordinário, que exige uma resposta à altura, e nenhum decreto é capaz de travar uma ameaça cujo combate é exclusivamente individual. Ainda são válidas e parecem longe do fim as velhas orientações de sempre, como evitar saídas desnecessárias; não permanência em locais com aglomerados; fazer saídas absolutamente necessárias, permanecer o mínimo de tempo possível fora de casa; em caso de contacto com alguém com Covid-19, cumprir com o período de quarentena e, em caso de o indivíduo estar com sintomas de Covid-19, cumprir com o isolamento domiciliar.
Facebook Comments