Roque Silva e os voluntários da sucessão: Uma mensagem ao voluntário do terceiro mandato?

DESTAQUE POLÍTICA
  • Uma mensagem para Basílio Monteiro na terra que o viu nascer
  • Nyusi também já está a sondar opiniões para um terceiro mandato

É o prenúncio de que o processo de sucessão de Filipe Nyusi, como candidato do partido nas próximas eleições presidenciais e, por tabela, na liderança do partido, poderá ser o mais “sangrento” de sempre na Frelimo. Na semana passada, bastou uma meia palavra do secretário-geral do partido, Roque Silva, dirigida a supostos voluntários que já estão a se adiantar na sua pretensão de candidatar-se, para levantar os nervos de meia dúzia de membros e evidenciar as alas já em prontidão combativa. Mas quem deu voz ao mal-estar foram mesmo os meninos de recados usados como cavalos de batalha das alas em evidente rota de colisão.

Depois de terem se esforçado para dar a impressão de que saíram do Comité Central de Maio mais unidos e coesos, aos poucos começam a se evidenciar, entre os camaradas, as fissuras dentro do partido Frelimo e o debate à cesariana sobre a sucessão, que foi apelidado por Filipe Nyusi como sendo assuntos de grupinhos e descontextualizados, volta a estar no centro da discórdia.

Na semana passada, durante uma visita ao distrito de Mocuba, na província da Zambézia, o secretário-geral da Frelimo, Roque Silva, apontou as baterias para dentro e no seu discurso pouco polido que lhe é característico, criticou a postura de alguns membros que estão já a movimentar-se, tendo os olhos postos naquele que é o posto mais cobiçado no partido, o de candidato a Presidente da República e do partido.

A movimentação de alguns quadros do partido e no meio a jogos de cintura das alas acontece numa altura em que falta pouco mais de um ano para o XII Congresso que terá lugar de 23 a 28 de Setembro de 2022, no qual poderá sair o candidato do partido.

A anteceder a reunião mais importante do partido, as organizações sociais do partido, nomeadamente: organização da Juventude Moçambicana (OJM) e a Organização da Mulher Moçambicana (OMM) irão realizar seus próprios Congressos entre Novembro e Dezembro deste ano e há também, a este nível, alguns voluntários madrugadores que já jogam as suas cartadas. Mas, sem dó, Roque Silva tratou de dar o primeiro tiro, que acabou por incendiar toda aldeia, com ataques abertos nas redes sociais e em fóruns restritos.

“Ninguém tem que começar agora a preparar-se para ser candidato. Essa coisa de ser candidato você não pode ser voluntário. Espera ai, os outros é que vão dizer que você dá para ser candidato. Ninguém deve ser voluntário. Eu quero, eu quero, quem disse que você deve querer? Nós é que devemos querer você… Não é você dizer que eu quero”, atirou Roque Silva, atraindo para si uma chuva de críticas a nível interno.

Uma mensagem ao voluntário do terceiro mandato?

A mensagem de Roque Silva, muitas vezes descrito como tendo um relacionamento distante com o presidente do partido, foi entendida em vários círculos como sendo dirigida a Filipe Nyusi, devido a um movimento que está já a ensaiar um possível terceiro mandato, para só deixar o poder em 2030.

O referido movimento, chegou a tentar a sorte durante o Comité Central de Maio, quando da voz de uma improvável Felizarda Paulino saiu a proposta que gelou a sala. Aquela quadra, natural de Nampula, após bajular incansavelmente o Presidente da República e simultaneamente do partido, decidiu ir mais longe, propondo que Nyusi seja conduzido para um terceiro mandato.

Na ocasião, foi lançada uma proposta de revisão da Constituição da República, sob pretexto de evitar o caos que pode gerar a eleição dos governadores provinciais a partir de 2024, mas no fundo há um plano maquiavélico de forçar mais um mandato.

Na verdade, tal como seus antecessores, Filipe Nyusi procura a todo custo manter-se no poder, sob alegação de que o país atravessa um momento conturbado, mas tem também uma segunda cartada que passa por encontrar um sucessor que possa ser facilmente controlável remotamente, para evitar uma provável “solução à Zuma” dada a sua ligação a alguns processos bastante sensíveis e que já levaram alguns dos seus pares aos calabouços.

Mas há quem diga que a mensagem é para Basílio Monteiro, por sinal natural da Zambézia local curiosamente escolhido por Roque Silva para lançar as suas farpas. É que Monteiro ambiciona ser inquilino da ponta vermelha, por via da “vez do cento” e chegou a ensaiar montar um gabinete de candidato.

Enquanto, isso nomes como o de José Pacheco, algo desaparecido, Luísa Diogo, Samora Machel Júnior, que vem sendo apontado como provável aposta da ala sulista, e Celso Correia, ainda que para muitos seja improvável, são também apontados como sendo prováveis voluntários visados por Roque Silva. 

Os bate-bocas entre alas e as reuniões

Enquanto os mais cultos acabavam garrafas de whiskies em reuniões intermináveis de concertação em algumas casas em Sommerschield, Tchumene 1 e em quintas na cidade e província de Maputo, os que são pagos e ou acomodados para agradar aos seus donos trataram de usar suas plataformas de eleição para destilarem toda a sua raiva contra Roque Silva.

Das bandas de um elefante branco localizado em Maluana, veio a primeira prosa de um conhecido físico nuclear que atirou tudo que tinha de munição. “Temos que dizer ao Cda secretário-geral da Frelimo, Roque Silva, para não se emocionar em demasia e levar militantes e simpatizantes da Frelimo a cometerem e promoverem interpretações erradas da Constituição da República e das demais leis que desta emanam, incluindo a lei dos partidos políticos e os próprios Estatutos da Frelimo”, atitou.

Prosseguindo, Julião Cumbana, que foi o primeiro a avançar a proposta de se reconduzir Filipe Nyusi a mais um mandato, foi peremptório em referir que “na Frelimo há, sim, lugar para a existência de candidatos voluntários”.

Não tardou para os juristas ligados a G40 e à família Guebuza entrarem em cena. Isalcio Mahanjane usou a mesma rede social para também rebater a posição do secretário-geral baseando-se no Artigo 14 do Estatuto do Partido, que compulsa sobre os direitos. Basicamente destacou a alínea b) que postula que é um dos direitos dos membros do partido “eleger e ser eleito para os órgãos do partido ou outros em que o partido deva estar representado, nos termos dos regulamentos e directivas”.

Em seguida ironizou: “vida não é feita de tapetes vermelhos, há regras que devem ser observadas e respeitadas… e quem as ignora ou repugna não deve dirigir…”, numa clara alusão a uma imagem viral em que Roque Silva é tratado como um verdadeiro lorde com direito a tapete vermelho desde a margem de um rio até o ponto mais alto.

A partir daí, as redes sociais ficaram inundadas por artigos que procuravam mostrar que Roque Silva é que estava equivocado, não os “voluntários”. O artigo 22 dos Estatutos daquele partido, que defende que “a voluntariedade e a consulta prévia constituem aspectos essenciais a observar na eleição e designação de membros para missões ou funções”, foi o mais partilhado pelos membros.

O terceiro mandato e os medos de Filipe Nyusi depois de deixar o poder

Com o seu nome associado ao escândalo das dívidas ocultas, citado em Londres e nos Estados Unidos como tendo assinado documentos importantes e ter recebido subornos na ordem de mais de 1.5 milhões de meticais, algumas correntes acreditam que um terceiro mandato de Filipe Nyusi visa garantir imunidade para escapar das malhas da justiça depois do fim de mandato.

Fala-se, ainda que em boca pequena, que todas acções que estão a ser maquinadas, incluindo uma provável indicação de Celso Correia, têm em vista evitar que um membro com ligações à ala Guebuza chegue ao poder para evitar uma “caça às bruxas” que pode culminar com a sua prisão depois de deixar a ponta vermelha.

Nyusi é acusado de ser o rosto da perseguição de que sempre se queixou o antigo Presidente da República, Armando Guebuza à sua família. Tchemene é temido pela sua forma de ser e estar, tendo inclusive a fama de vingativo.

Já há alguns anos que é indisfarçável o mau ambiente entre os dois e na última sessão do Comité Central não se mostrou nenhum sinal de aproximação entre as partes. Em Setembro do ano passado, os dois dirigentes chegaram a trocar indirectas, abrindo uma nova fase da clivagem.

Muitos membros seniores deixam claro que a decisão de concorrer não cabe a Filipe Nyusi, mas de resto com ou sem terceiro mandato, Filipe Nyusi neste momento tem grandes chances de conseguir montar o partido a sua imagem. Celso Correia, seu principal aliado, tem à sua disposição vários fundos, financiados por via de endividamento público e através de doações, que se acredita que, para além de financiar em parte a guerra em Cabo Delgado, são usados para a compra de lealdade, tal como denunciou recentemente o CIP, que mostrou que há entre os beneficiários do SUSTENTA, alguns que nem sequer possuem terra, na sua maioria ligados a OJM, OMM e ACLIN.

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