- No local está previsto um Porto de águas profundas de Chongoene em vias de ser substituído por uma doca
- Dingsheng vai investir apenas USD 12 milhões, no lugar onde foi projectado um Porto de USD 3.5 biliões
- Investimento da Moçambique STT é 315 vezes mais que o investimento da Dingsheng
- Há um “nome grande” por detrás da Dingsheng e interesses estranhos
Em Abril último, o governo, através do Serviço Provincial de Infra-estruturas (SPI), de Gaza, embargou as obras ilegais de construção de uma estrada, uma doca e armazéns para o escoamento e armazenamento dos minerais das areias pesadas a serem extraídos em Chibuto, pela empresa, Dingsheng Minerals, por não ter licença, DUAT, projecto aprovado e estar a cometer um crime ambiental ao destruir uma duna primária na praia de Chongoene. Estranhamente, apesar de o governo ter ordenado a interrupção das obras não há uma acção visando a responsabilização da empresa chinesa.
Texto: Reginaldo Tchambule
Fotos: Felling Capela
Três meses depois, com aparente apadrinhamento das autoridades a nível local e de uma figura influente do partido Frelimo, está a tentar manipular as comunidades de modo a obter autorizações para seguir com a construção das suas infra-estruturas, num espaço onde desde 2011 está prevista a implantação de um Porto de águas profundas de Classe A+, capaz de receber e manusear os maiores navios do mundo (Pós-Panamax), tornando-o estratégico e competitivo a nível da região austral.
O caso foi despoletado em princípios deste ano e acaba de ganhar novos contornos. É que a empresa que, em Abril, foi obrigada a interromper as obras por ter iniciado as mesmas sem nenhuma licença e nem sequer DUAT, está a tentar manipular as comunidades, explorando a sua condição de pobreza, para poder obter a concessão sob promessa de emprego, energia, água e estrada.
O referido projecto de doca para transporte de areias pesadas de Chibuto, servindo exclusivamente a Dingsheng Minerals, está orçado em 12 milhões de dólares norte americanos e na fase de construção vai empregar 120 trabalhadores sazonais, durante seis meses, período findo o qual todos serão desmobilizados, segundo consta do estudo de pré viabilidade ambiental feito num período recorde de um mês e apresentado recentemente numa consulta pública.
Sucede porém, que no espaço de 40 hectares onde a empresa chinesa, apadrinhada por alguns nacionais com interesses estranhos, pretende implantar a sua doca está prevista a construção de um Porto da Classe A+ de águas profundas, com capacidade para acolher os enormes Navios Pós Panamax. O orçamento global do projecto é de sete biliões de dólares (USD 3.5 biliões para o Porto e o restante para parque eco industrial e linha ferra), o que torna esse investimento 315 vezes mais que os USD 12 milhões que a Dingsheng vai aplicar para a construção do seu pequeno cais.
Investimento da Moçambique STT é 315 vezes mais que o investimento da Dingsheng
Os portos de águas profundas destinam-se a operar grandes navios, que por via do seu elevado calado necessitam de águas com profundidade suficiente para manobrar seguros. Chongoene tem o mesmo potencial natural de águas profundas que o Porto de Nacala, tornando-o bastante competitivo ao nível da região. Aliás, pelo volume de investimento, foi projectado para ser o maior e mais moderno porto de África.
O futuro Porto de águas profundas de Chongoene, que inclusive faz parte do plano estratégico de desenvolvimento da província de Gaza, foi projectado pela empresa Moçambique STT, tendo iniciado, em 2011, a submissão de documentos para obtenção de licenças e direitos, ao mesmo tempo que decorria a busca de investidores, estudo de impacto ambiental e assinatura de acordos com indústrias nacionais e estrangeiras.
Segundo apurou o Jornal Evidências até o momento só em estudos, sondagens e investigações geofísicas da região já foram gastos mais de 5.2 milhões de dólares, financiados pelo Departamento de Comércio e Indústria da África do Sul (DTI – Department of Trade and Industry) e outra parte pelos accionistas. Este valor representa quase metade do orçamento total da doca que a Dingsheng Minerals compromete-se a construir.
O projecto liderado pela empresa Moçambique STT, maioritariamente de capitais moçambicanos, contempla, entre várias infra-estruturas socioeconómicas, um complexo parque eco industrial, linha férrea e uma enorme cadeia de serviços, sendo que um dos empreendimentos previstos é do ramo petroquímico que prevê criar pouco mais de três mil postos fixos.
Manipulação da população na consulta pública
Entretanto, depois de ter visto suas obras suspensas, a empresa chinesa Dingsheng Minerals contratou uma consultoria e fez um estudo de pré-viabilidade ambiental num espaço de um mês, estando neste momento a levar a cabo consultas públicas, com indícios claros de manipulação.
Na passada terça-feira, as comunidades de Nhampfumwine, Nhaulene e Bairro 4, do distrito de Chongoene, Província de Gaza, afectadas pelo projecto, foram convocadas para uma consulta pública, mas já no local do evento receberam orientações do mestre-de-cerimónias, seguindo supostas ordens superiores, para abandonarem o local, alegando que havia um grupo de 20 cidadãos escolhidos a dedo que deviam representar, falar e decidir em nome de todos.
O mestre-de-cerimónias justificou a decisão alegando cumprimento das regras de prevenção da Covid-19, mas, curiosamente, convidou os membros da comunidade, ora expulsos, a voltarem para a festa (comeu-se e bebeu-se) depois da consulta pública. Outro dado intrigante é que a consulta aconteceu na casa do régulo Uamusse, mas por incrível que pareça não lhe foi dada a palavra e nem a família Uamusse.
Ao que Evidências apurou, grupos dinamizadores, representando os interesses da empresa chinesa, com ligações à elite política nacional, estiveram no local no Sábado e Domingo, em reuniões de concertação com lideranças. Há relatos de que foi distribuído dinheiro aos 20 membros que tinham o mandato ilegal de representar a comunidade.
“Ouvimos que a empresa vinha cá para auscultar-nos, mas depois apareceram os nossos líderes alegando que apenas os chefes iriam participar. Inconformados, viemos e fomos mandados embora. Não faz sentido que 20 pessoas decidam por todos nós. Nem fomos nós quem indicou quem está lá a decidir por nós”, disse revoltado, o ancião Paulino Uamusse.
Um outro nativo disse desconfiar que os 20 escolhidos tenham sido subornados pela empresa, em coordenação com a liderança do posto, para concordar com tudo. “Esses homens vieram aqui com um dos chefes e começaram a dizer que devíamos ficar em casa e que os escolhidos depois viriam nos dizer o que aconteceu. Devem ter recebido algo. Não faz sentido que nos mandem embora durante a reunião, alegando Covid-19, mas nos convidarem para voltarmos na hora da festa que nem sabemos quem está a patrocinar. Agora que é para comer não haverá coronavírus?”, indagou Gabriel Macie, para depois acrescentar que “estão a se aproveitar dos nossos líderes, porque sabem que quem não conhece a lei está desprotegido”.
120 empregos por seis meses e outras promessas da Dingsheng
Durante a Consulta Pública, o consultor Luís Manhiça, da Envi-Estudios, empresa responsável pelo estudo de pré-viabilidade ambiental, revelou que conseguiu fazer o levantamento de dados que permitiram concluir que as obras não terão impacto fatal sobre o ecossistema da região. Em entrevista ao Evidências acabou disse que foi contratado há cerca de um mês e meio, tendo feito o trabalho em tempo recorde.
“Na avaliação que nós fizemos nesse período de um mês, com especialistas de várias áreas que vieram e escalaram as dunas, tendo determinado que o impacto existe, mas é bastante localizado e numa área bastante restrita. A duna vai ser destruída parcialmente, mas não se prevê que haja um impacto significativo sobre o meio ambiente”, disse o consultor.
Luís Manhiça foi quem durante a apresentação do estudo falou em nome da empresa prometendo vantagens como energia, água, estrada e 120 postos de trabalho durante os seis meses de duração da obra, arrancando uma grande aclamação dos vinte e poucos representantes da população, aparentemente instrumentalizados para trocar pobreza por miséria.
Para além de garantir somente 120 postos de trabalho, que serão cessados logo após a conclusão das obras (ou seja em seis meses), a Dingsheng acabou revelando que, afinal, a estrada onde se prevê que passe um número muito elevado de camiões grandes por dia, será de terra batida, podendo ser depois pavimentada, mas não ficou claro quando é que tal pretensão será materializada. Para já a empresa não se importa com a poluição da zona com poeiras, só quer saber de ter um caminho por onde escoar as suas areias pesadas.
Luís Manhiça disse em claro e bom-tom que o projecto da Dingsheng não contempla compensações às pessoas que venham a perder suas propriedades e benfeitorias, bem como não há chances de reassentamentos. Mesmo assim, o grupo dos 20 pré-escolhidos aplaudiu e como pedidos apresentou exactamente os itens prometidos pela empresa, nomeadamente, estrada, energia e água.
A Dingsheng, que explora areias pesadas de Chibuto, tem um mau historial nos projectos em que está envolvido. Desde 2017, dezenas de famílias do distrito de Chibuto, na província de Gaza, estão agastadas com a mineradora chinesa Dingsheng Minerals. Trata-se das comunidades de Mudumeia, Mabecuane, Savene e Mutsicuane, que se queixam de estarem a ser injustiçadas nas compensações sobre o processo de reassentamento. A empresa pagou um valor abaixo do combinado.
Porto de classe A+ de águas profundas vem sendo inviabilizado há anos
Com sinais claros de manipulação, a consulta pública da passada terça-feira, decorria tal como havia sido milimetricamente desenhada, sem nenhuma oposição dos 20 e poucos representantes da comunidade, um cenário que veio a mudar quando do fundo irrompeu a representante da empresa Moçambique STT, Olívia Machel, que literalmente “estragou a festa”.
Olívia revelou que, afinal, a Dingsheng Minerals pretende implantar a sua doca na mesma área onde a Moçambique STT, empresa de capitais moçambicanos projectou a construção do Porto de Águas Profundas, estando em curso a execução de vários estudos, assinatura de memorandos com grandes empresas mineiras,de exportação e importação bem como empresas de frete em Moçambique e na região, ao mesmo tempo que mobiliza os sete biliões de dólares necessários para a construção daquele que poderá ser um dos maiores portos do país e da região.
“O projecto do Porto de Chongoene está há alguns anos a espera da aprovação do projecto e de concessão para a construção do porto e linha férrea por parte do Conselho de Ministros, por tratar-se de um mega-projecto. Nós como Moçambique STT estivemos cá, fizeram cerimónias para receber o nosso projecto, entretanto, fizemos vários pedidos de DUAT, desde 2013, e até hoje não temos resposta, mas a Dingsheng abriu a estrada sem nenhuma autorização, o governo simplesmente ficou calado e só embargou a obra após denúncia de ambientalistas, mas mesmo assim não houve nenhuma responsabilização. O que nós percebemos é que a comunidade não estava informada e usou-se isso para manipular o processo a favor da Dingsheng”, revelou Olívia Machel, estranhando a rapidez e a facilidade com que se acolheu interesses daquela empresa chinesa.
Desde Abril, prossegue, as autoridades de justiça dizem estar à procura da empresa Dingsheng Mining para notificá-la, apesar de ter um endereço físico e estar a frente do projecto de areias pesadas de Chibuto, o que revela alguma falta de vontade das autoridades.
“Segundo os nossos advogados a procuradoria provincial desde Abril que está procurando a empresa Dingsheng para a entregar a intimação, entretanto fizeram anúncio no jornal com endereço e estiveram na consulta pública e acompanhados por membros do governo a nível central e local e nada aconteceu. Qual a empresa Dingsheng que a procuradoria de Gaza está a procura?”, indagou.
“Nós temos um memorando de entendimento com o governo, temos um mandato e uma credencial. O projecto foi discutido com técnicos dos CFM e do ministério. O nosso projecto foi classificado como de categoria A+ e está inserido no Plano de Desenvolvimento Estratégico da Província de Gaza e não compreendemos o que está a acontecer. Isto é claramente um bloqueio aos investidores nacionais”, desabafou.
O porto de águas profundas que está a ser projectado para Chongoene, encerre-se no âmbito do Corredor de Desenvolvimento de Chonguene (CDC) e tem uma capacidade de manuseamento de 150 milhões de toneladas por ano, sendo que na primeira fase vai arrancar com capacidade de 10 milhões de toneladas por ano, podendo expandir a envergadura ao logo do desenvolvimento do projecto. Igualmente está prevista uma via-férrea de 221 quilómetros até a fronteira com o Zimbabwe.
“O porto tem capacidade para acomodar toda a região. A ideia é capitalizar o potencial de águas profundas e a Dingsheng quer construir uma doca só para ela. Nós tentamos aproximar aquela empresa, mas eles dizem que têm um político que lhes apoia por isso não querem se juntar ao projecto. Nós estamos a construir um porto, estrada, indústrias e uma linha féria, estamos a falar de milhares de postos de trabalho permanentes e a Dingsheng só promete 120 empregos que depois serão desmobilizados finda a construção”, disse revoltada.
A delegação provincial da Administração Nacional de Estradas (ANE) também interveio durante a consulta pública, tendo revelado que, afinal, não foi consultada quando as obras arrancaram e que as mesmas estão repletas de regularidades. A primeira está no facto de ter sido atribuído o número EN835 àquela via, o que não constitui a verdade. Pesa ainda o facto de o seu entroncamento com a EN1 estar numa curva perigosa e pela sua classificação não ter capacidade para a carga em causa.
Após a intervenção da representante da Moçambique STT, da ANE e de outras empresas mineradoras da região sul do país, a exemplo da Mutamba Minerals, que explora areias pesadas em Inhambane, que pretende exportar os seus minérios através do futuro Porto de Chongoene e que vê sua pretensão ameaçada pela doca exclusiva da sua concorrente do ramo Dingsheng, a população acabou pedindo que o governo se explique.
O administrador de Chongoene, Artur Macamo, que em Abril chegou a dizer que o projecto da Dingsheng teria sido aprovado pela comunidade local, tomou da palavra para dizer que nada está decidido até ao momento e que haverá mais consultas.
“Para nós como distrito é uma honra ter estes recursos e potencialidades de podermos receber um porto de grande envergadura e também é positivo que haja mais de um interessado em investir aqui. O mais importante é garantir que os interesses da comunidade sejam salvaguardados. Para nós foi positivo termos ouvido que havia um projecto antes deste”, destacou Macamo. No entanto, na entrevista não conseguiu explicar como é que as obras ilegais avançaram tanto até chegarem quase à praia, numa extensão de nove quilómetros.
Dingsheng paga 230 meticais por pessoa, sem contracto e sem equipamentos
Antes da intervenção do governo para por freio às irregularidades da Dingsheng Minerals, centenas de pessoas entre jovens e adultos das comunidades de Chongoene foram exploradas pela empresa chinesa durante a construção da estrada terraplanada numa espécie escravidão.
Durante o trabalho de terraplanagem dos nove quilómetros entre a EN1 até à praia de Chongoene, empresa recrutava trabalhadores de forma irregular e pagava somente 230 meticais, sem observância das regras de saúde e segurança no trabalho.
“Encontravam alguém com a sua catana a ir à machamba, recrutavam e no fim do dia lhe davam 230 meticais. Trabalhávamos sem uniforme e sem nenhum equipamento de protecção e quando eles entendiam mandavam embora. Não havia contrato nenhum”, disse Elias Uamusse.
“Houve irregularidades no início deste projecto. O que eu gostaria é que o nosso governo, registasse as pessoas que vão trabalhar, conhecer o número exacto para obrigar a empresa assinar contratos com os trabalhadores em prol justiça” denunciou outro jovem, acrescentando que a empresa, depois de se servir da mão-de-obra barata dos pacatos cidadãos, mandava-os embora alegando serem preguiçosos.
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