Deslocados enfrentam fome em Pemba

DESTAQUE SOCIEDADE
  • Algumas famílias com mais de 40 membros passam dias sem comer
  • Governo de Pemba limita cobertura jornalística na praia de Paquitequete

Reduziu consideravelmente, nas últimas semanas, o fluxo de deslocados que chegam a Pemba em busca de refúgio idos de distritos a norte da província de Cabo Delgado, que são assolados pelo terrorismo, numa altura em que as autoridades governamentais a nível da cidade de Pemba está a limitar a cobertura jornalística na praia de Paquitequete, local de desembarque e pré-registo dos refugiados. Contudo, nos bairros da capital de Cabo Delgado, há famílias compostas por mais de 40 membros, que vivem em condições desumanas e passam dias sem nem sequer uma única refeição.

Reginaldo Tchambule, em Pemba

Há mais de um mês que a praia de Paquitequete, na zona costeira da Cidade de Pemba, não regista um grande fluxo de embarcações transportando deslocados de guerra, o que pode significar que foi atingido o pico de deslocados precipitados pelo ataque terrorista em Palma, em Março último, que gerou vagas sucessivas. 

Depois de ter chegado a registar mais de 800 deslocados por dia, actualmente chegam a Pemba, em procura de refúgio, apenas uma média de 300 a 400 deslocados em duas ou três semanas, vindos maioritariamente de algumas ilhas, para as quais se refugiaram nos últimos meses após perderem tudo nas suas zonas de origem.

Abudo Gafur, da Associação Kuendeleya, que significa esperança, que ajuda a dar os primeiros socorros, assistência primária e registo dos deslocados em Pemba, conta que nunca viveu nada comparado ao drama que assistiu nos meses que se seguiram ao ataque armado em Palma, em que a praia de Paquitequete transformou-se num cenário de um filme apocalíptico.

“No último mês, a chegada de deslocados baixou. Pode ser que tenhamos atingido o pico e que estejam a vir aqueles que não tinham recursos para deslocar-se de lá cá. Houve semanas que recebíamos uma média de 400 deslocados numa média de duas a três horas de tempo, mas agora estamos a receber cerca de 300 a 400 pessoas em duas semanas, o que é um bom sinal”, referiu Gafur.

O nosso entrevistado não guarda boas memórias dos meses de pico dos deslocados em que acompanhou histórias traumáticas. “As pessoas levavam entre sete a oito dias no mar, em barcos artesanais e chegavam muitas vezes debilitados, com fome e, por vezes, doentes”.

Mas chegar a Pemba não era o fim do sofrimento, mas sim o começo de uma outra luta. Sem habitação, sem alimentação e muitas vezes com crianças e idosos, as famílias eram obrigadas a viver vários dias na orla da praia, até que conseguissem algum encaminhamento aos centros transitórios ou fossem acolhidos por familiares.

Famílias com mais de 40 membros chegam a passar dias sem refeições

Neste momento, apesar de o pior já ter passado, há pessoas ainda a viverem em condições deploráveis, sem tecto, refugiadas em varandas ou tendas improvisadas. E há famílias numerosas em virtude de terem acolhido dezenas de deslocados.

“Nós, como Kuendeleya, somos pequenos e ajudamos no desembarque e damos um acompanhamento primário. Há pessoas que vivem em situações muito complexas, nas varandas das casas e em tendas improvisadas nos bairros de Maringanha, Paquitequete e Chiuba, que até hoje não foram reassentadas. Há famílias compostas por mais de 40 pessoas, incluindo crianças, numa casa, e que passam por situações de fome, chegando a passar dias sem comer e quando conseguem não vão para além de uma refeição por dia”, narrou Gafur, destacando que para assistir os deslocados, a sua organização tem contado com ajuda de alguns parceiros e particulares.

O Evidências visitou algumas famílias que acolhem deslocados em Paquitequete. Muitas dependem grandemente da assistência fornecida por organizações humanitárias. Hassane Ibraimo, acolhe 13 pessoas na sua minúscula casa e conta que não teve escolha.

“Quando soube da invasão à Palma fiquei preocupado, porque minha irmã estava casada lá e só fiquei satisfeito quando vi a ela e sua família aqui em Pemba. O governo e a WFP têm estado a prestar-nos assistência, mas a família é numerosa. Um saco de arroz não demora nem sequer uma semana”, relatou Assane.

Quem também fala do drama dos deslocados com propriedade é o Sheik Mwalimo Issufo, que conta que durante o pico acolheu várias pessoas na mesquita e ajudou-as a encontrar famílias para os acolher.

“Foram várias as pessoas que eu acolhi. Neste momento, estão no bairro acolhidas em algumas famílias, mas continuam a viver em situações precárias. Infelizmente, a ajuda ainda não é suficiente para todos”, destacou.

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