Os contornos da podridão do Estado estão em hasta pública, cristalizando a crença de que a ganância dos servidores públicos está acima dos interesses do Estado, tal como vai se ilustrando na tela que exibe os detalhes do enredo que nos colocou no banco dos réus.
Para consolarmo-nos da nossa falta de pudor hasteada naquela tenda e isentarmo-nos da responsabilidade como sociedade, preferimos encarar o drama como problema deles, mas não é. Vai muito além da podridão deles, e reflecte a nossa! Afinal, não há nenhuma evidência de que no lugar deles assumiríamos uma postura diferente.
É um episódio vergonhoso, mas o tempo não nos permite retorno para refazermos de novo, embora valha-nos para a reflexão, para que possamos começar a pensar em fazer a coisa certa, afinal, quando a pessoa está no fundo do poço, a única opção que tem é ir à luz. Fora disso, estaremos a perpetuar os prejuízos do escândalo, como alguns defendem em seus delírios de todólogos, com equações de mais mandatos para garantir a imunidade de uns que deixaram impressões digitais nesta empreitada que lesou o Estado. Não defender o uso de cargos soberanos, no Estado, como refúgio, é já suficiente para provar que no lugar deles faríamos diferente.
Temos connosco que a coisa certa começa com a credibilização da Justiça, do governo e das demais instituições soberanas ou não, e as mudanças sociais serão efeitos de todas essas transformações nestes órgãos.
Ao assumir esse caminho, damos ao nosso Estado a chance de resgatar a sua credibilidade e, aos servidores públicos a compreensão de que o compromisso de servir no Estado é avesso à mentalidade das boladas. Seriam os primeiros passos rumo à construção de um Estado enraizado em valores que quando traídos, os tribunais têm independência de julgar sem interferência política, seja quem for e sem precisar de pressão externa para fazer o que é certo.
A ilustração mais evidente do que estamos a falar está na recente posição da OAM. Ora, aquele órgão pediu ao tribunal que Manuel Chang fosse ouvido logo que extraditado para Moçambique, em virtude de ter sido citado repetidamente pelos primeiros dois réus ouvidos na semana passada.
As famílias que assistem o julgamento de casa, sabem muito bem que o antigo ministro de Defesa, Filipe Nyusi, chamado de “Chefe do Grupo” (nas palavras do réu Mutota), MOF, New Man, Nuy, New Guy ou Nys nas correspondências de Jean Boustani, foi o mais citado em quase todos passos que ditaram o avanço da empreitada, mas todos os intervenientes mostram-se surdos a este nome. Devia ter sido diferente, e este tratamento que mina um processo que a princípio devia servir para corrigir todos os erros do passado!
Há muitos cidadãos que ficaram desagradados quando souberam que a extradição de Chang voltou a ser adiada sine die. Houve, sim, um sentimento de revolta contra o Fórum de Monitoria de Orçamento (FMO), que contestou a decisão do ministro Ronald Lamola. Não há dúvidas que a ter que pagar, Manuel Chang devia pagar aos moçambicanos. Também não há dúvidas que os americanos não têm interesse em esclarecer o caso para fazer justiça em nome dos pobres moçambicanos, mas, sim, de um grupinho de credores americanos já podres de riquezas. Mas, quando o julgamento já começa com ares de uma orquestra ensaiada, com uns a serem chamados pelos nomes e outros não, resulta claro e cristalino, que entre uma justiça à medida de alguns e uma justiça verdadeira, os moçambicanos de bem vão escolher o que representa mal menor. Não há garantias claras de responsabilização aqui em Moçambique. Infelizmente é o preço que se paga quando um Estado está alicerçado em instituições frágeis.
O juiz, ao não intimar o antigo ministro da Defesa, que, enquanto “Chefe do grupo”, tomou decisões estruturantes que culminaram com a materialização das dívidas ocultas, abriu um precedente, ainda nessa fase que se debate apenas a distribuição de comissões, enquanto se desconhece o destino do “bolo” maior. Nem a fama que o persegue parece ser suficiente para apagar tamanha responsabilidade e expectativa que jazem sobre seus ombros.
Estamos perante o escândalo cuja condução judicial é determinante para medir a seriedade do nosso compromisso como Estado no combate à corrupção, que se enraizou na função pública, chegando a nível de ser colocado acima dos interesses do Estado. Mas a pergunta é: É possível se resgatar a credibilidade do Estado, quando o mais Alto Magistrado da nação está envolvido até ao pescoço nesse escândalo? A nossa reposta a esta pergunta diz muito sobre o nosso compromisso com este Moçambique. A nossa consciência e o nosso Estado não têm preço.
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