“SADC deve estabelecer acordo formal de cooperação para prevenir a insurgência no mar”

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  • Defende pesquisador sul-africano numa análise sobre Cabo Delgado

Quando Teófilo Nhangumele desenhou o projecto de protecção da Zona Económica Exclusiva tinha, segundo ele, como objectivo acabar com a pirataria ao largo da costa moçambicana, uma vez que a mesma era usada para o tráfico de drogas, armas e outros negócios ilícitos. Para François Vreÿ, coordenador de pesquisa no Instituto de Segurança para Governação e Liderança da Universidade Stellenbosch, na África do Sul, é necessária uma cooperação entre a África do Sul, Moçambique e a Tanzânia para evitar que a pirataria se estabeleça na costa do Índico, com particular destaque para Cabo Delgado. Em entrevista ao “The Conversation”, o especialista em segurança marítima, defende igualmente um acordo regional formal de cooperação para garantir interesses económicos e de segurança regional no sudoeste do Oceano Índico a longo prazo.

 Duarte Sitoe

Em Março do corrente ano, a insurgência na província de Cabo Delgado, em Moçambique, foi colocada firmemente no centro das atenções internacionais quando radicais ligados ao Estado Islâmico lançaram seu audacioso ataque à cidade de Palma, matando mais de 50 pessoas.

Depois de um longo período a se opor ao auxílio internacional, em Junho do ano em curso, o Presidente da República decidiu, sem consultar a Assembleia da República, abrir as portas para a entrada de militares estrangeiros. Filipe Jacinto Nyusi apoiou-se na experiência na luta contra o terrorismo, para justificar a escolha dos militares ruandeses para reforçarem as Forças de Defesa e Segurança (FDS) no teatro das operações.

Os cerca de 1000 militares do país presido por Paul Kagame foram os primeiros a chegar a Moçambique, antes da força de estado de alerta da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral

Além da SADC e do Ruanda, o país tem recebido apoio dos Estados Unidos e da União Europeia, principalmente na forma de assistência para treinamento. Entretanto, o pesquisador sul-africano, François Vreÿ, observa que a resposta no mar ainda está longe de conter a insurgência.

“A resposta militar combinada contra os insurgentes é principalmente em terra, com capacidades de resposta marítima muito limitadas. Mas a ameaça insurgente não se limita ao interior. Os insurgentes invadiram e detiveram o porto de Mocímboa da Praia em Agosto de 2020 e atacaram comunidades nas ilhas próximas de Palma, interrompendo o fluxo turístico”, disse Vreÿ.

Numa altura em que o prazo para a retoma dos trabalhos da Total acaba de ser dilatado de 12 para 18 meses, no entender daquele académico, uma das grandes condições para o país vencer a insurgência e tornar-se um grande player na indústria de Oil & Gas passa pela segurança marítima.

“A fixação em esforços terrestres ignora o facto de que a insurgência também representa uma ameaça marítima. Significativamente, a insurgência tem prejudicado o sector de energia. Isto foi definido para tornar Moçambique um importante player global de energia após a descoberta de grandes campos de gás offshore. As descobertas têm implicações regionais e globais. Moçambique pode muito bem se tornar um emirado de gás na África Austral, e colocar a indústria em linha pode impulsionar Moçambique para os sete principais países produtores de gás global”.

“Apesar de ter recuperado o Porto de Mocímboa da Praia a ameaça continua”

Os megaprojectos são a grande esperança para o relançamento da economia do país em constantes choques desde 2012 (conflitos militares, crise da dívida, catástrofes naturais e Covid-19). Contudo, o ataque do passado dia 24 de Março, dentro do perímetro de segurança exigido pela Total, acabou por empurrar o país para uma incerteza sem precedentes.

Na opinião do coordenador de pesquisa do Instituto de Segurança para Governança e Liderança na Universidade Stellenbosch, na África do Sul, o governo deve aproveitar todas as oportunidades para desenvolver a capacidade e as parcerias necessárias para manter o estado de direito no mar.

“Os territórios oceânicos de Moçambique devem receber a devida atenção por três razões: eventos de derramamento de terra no mar, percepções de mares perigosos ao largo de Moçambique e criminalidade no mar não controlada”, sustentou.

O especialista explica, por outro lado, que a insegurança em terra tem repercussões marítimas, comparando o que se faz ao largo da costa moçambicana com a realidade nas águas da Somália, Nigéria, Líbia e Iémen onde a fraca governança de segurança em terra afecta a segurança marítima.

Numa outra vertente, François Vreÿ afirma que as percepções dos perigos nas águas ao largo de Moçambique têm repercussões negativas.

“Isso é ainda mais verdadeiro se as medidas internacionais forem implementadas para mitigar uma ameaça ao transporte marítimo. Uma área de alto risco no mar, semelhante às da Somália e da Nigéria, direcciona o transporte marítimo a tomar medidas preventivas ”, aclarou.

Vreÿ insta o Executivo a não permitir que as águas ao largo de Cabo Delgado se tornem um playground para os criminosos entrarem e explorarem. “Se não for protegido, esse espaço marítimo oferece o potencial para que sindicatos criminosos e insurgentes prosperem lado a lado”.

Houve alguns avanços na luta contra a insurgência pelo mar

A luta contra o terrorismo na província de Cabo Delgado deixou de ser apenas preocupação do governo e dos moçambicanos, tendo passado para agenda internacional. Muitos são os países que se disponibilizaram para auxiliar Moçambique a repor a ordem e tranquilidade naquele ponto do país.

Para ajudar o país presidido por Filipe Jacinto Nyusi, a África do Sul enviou para o norte de Moçambique dois pequenos navios de patrulha naval com alarmes leves. E, recentemente, Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime chegou para ajudar a treinar o pessoal marítimo de Moçambique para aumentar a segurança marítima.

Refira-se que o contingente militar ruandês inclui uma capacidade limitada de pequenos barcos para estender sua presença ao largo da costa, embora apenas perto de patrulhas portuárias, sendo que na operação que culminou com a libertação de Mocímboa da Praia incluiu um ataque surpresa por um pequeno contingente de soldados moçambicanos pelo mar.

“A estabilidade em terra e no mar deve ser abordada simultaneamente pelos países da Zona Austral”

Ainda na sua análise, François Vreÿ salienta que a segurança marítima em Moçambique não deve emular as ameaças marítimas encontradas ao largo da Nigéria, Somália e territórios controlados pelos rebeldes na Líbia.

“É precisamente esta ameaça que sublinha a necessidade de cooperação entre a África do Sul, Moçambique e a Tanzânia para evitar que a pirataria se estabeleça em Moçambique. As operações marítimas em curso entre a África do Sul e Moçambique também precisam de ser mantidas. A cooperação com uma ampla gama de parceiros para promover a segurança marítima a longo prazo deve permanecer uma prioridade. Este é um objectivo de longo prazo a ser abordado no contexto da actual insurgência armada e sustentado além da actual volatilidade”, defende.

O pesquisador sublinha que a estabilidade em terra e no mar deve ser abordada simultaneamente pelos países da Zona Austral.

“A Marinha da África do Sul e o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime foram os primeiros a chegar. Mas a SADC deve considerar seriamente o uso do seu Comité Marítimo Permanente para ajudar Moçambique. O objectivo seria estabelecer um acordo regional formal de cooperação para garantir interesses económicos e de segurança regional no sudoeste do Oceano Índico a longo prazo”, revelou.

Segundo ele, actualmente Moçambique não está em posição de contribuir significativamente para o conjunto mais amplo de esforços de segurança marítima. No entanto, os parceiros internacionais precisam desempenhar um papel importante nesta matéria.

“A SADC deve agora passar no teste ácido de conter as ameaças dos insurgentes de se espalhar e ameaçar os interesses terrestres e marítimos mais amplos da região. As forças de intervenção que actualmente lutam contra os insurgentes devem estender o seu papel offshore para evitar um colapso da segurança no mar ao largo de Moçambique ou, no mínimo, qualquer percepção desse tipo entre a comunidade marítima internacional”, destaca.

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