Por: Luca Bussotti
Um grito de alarme (finalmente!) se levantou da União Africana. Como também alguns jornais moçambicanos reportaram, a Autoridade da Saúde da União Africana queixou-se formalmente dos países ricos do mundo, e particularmente do G7, por estes não terem cumprido as promessas feitas. Tais países, em Junho, tinham garantido que iam enviar mil milhões de doses de vacinas para África, mas até hoje apenas 3,18% da população africana recebeu a vacinação completa, enquanto os mortos sobem (cerca de 200.000 no continente africano, até hoje) e os países ricos fazem ouvidos de mercador mesmo diante dos inequívocos posicionamentos da Organização Mundial da Saúde.
Há, evidentemente, algo de errado nisso tudo, que, por um lado, tem a ver com a “diplomacia das vacinas”, e, por outro, provavelmente, com o uso das vacinas para fazer, sobretudo, da Europa uma fortaleza inalcançável para quem vive fora deste continente; ou alcançável só mediante meios ilegais, fomentando assim o tráfico de pessoas desesperadas dispostas a arriscar suas vidas para chegar no Velho Continente.
A diplomacia das vacinas é a parte mais conhecida do problema: como reportado no Financial Times, o custo com que a União Europeia tem de adquirir agora as vacinas tem aumentado. A Pfizer exige 19,50 euros por cada vacina, contra os 15,50 do passado, ao passo que a Moderna vende a sua vacina a 28,50 dólares, contra os 22,60 do fornecimento anterior à União Europeia. Uma União Europeia que não tem escolha, presa entre a necessidade de completar seu esquema vacinal para toda a população, como países como Espanha e Portugal no topo desta classificação, havendo imunizando 70% dos seus residentes, e o facto de ser refém das principais casas farmacêuticas do continente. Com efeito, as únicas vacinas reconhecidas pela União Europeia são Pfizer-Cominraty, AstraZeneca-Vaxzevria, Johnson& Johnson-Janssen e Moderna. Nenhuma outra vacina é reconhecida pela União Europeia, nem vacinas que foram feitas fora do território europeu, tais como a AstraZeneca-Fiocruz, que tem a mesma eficácia da Astrazeneca-Vaxzevria, mas, sendo produzida em cooperação entre a sede central em Cambridge com a brasileira Fiocruz, a União Europeia não a reconhece. Nem se fala de todas as outras vacinas que a Organização Mundial da Saúde já aprovou, entre as quais Sinopharm e Coronavac, e que a União Europeia se obstina a não reconhecer.
Esta falta de reconhecimento está se expandindo mesmo a vacinas produzidas nos Estados Unidos. Nas últimas horas, o governo francês tem tomado a iniciativa de chamar pessoas que tivessem tomado a vacina americana, Janssen, para tomarem outra dose de vacina RNA-mensageira (portanto Pfizer ou Moderna), colocando dúvidas sobre esta vacina monodose importada dos Estados Unidos… Em suma, mais do que apontar a diplomacia seria justo falar de guerra das vacinas, que, como sempre, acaba penalizando os países incapazes de produzir vacinas próprias.
A outra face da medalha é a consequência nas pessoas desta política da fortaleza: existe imensa gente que pretende viajar, ir estudar, trabalhar ou até fazer turismo da África para Europa. Entretanto, parece que a actual política vacinal da União Europeia sirva também para evitar, ou limitar muito, este indesejado fluxo de pessoas. Com efeito, com a introdução do Green Pass (um documento vacinal sem o qual é praticamente impossível viver na Europa, pois quase todas as actividades humanas estão condicionadas à posse dele) quem for vacinado com um imunizante não reconhecido pela União Europeia não vai ter o Green Pass, apesar de a OMS, mais uma vez, ter lançado apelos no sentido contrário. Esta guerra das vacinas, pelo menos limitadamente a quem deveria viajar ou ir viver por um certo período na Europa, poderia resolver-se de forma muito simples, mas a que, até hoje, curiosamente ninguém tem pensado: exigir, além do teste negativo antes da partida para Europa, um teste serológico, que confirme não apenas que a pessoa não tem Covid, mas o seu nível de imunização.
A fortaleza erguida mediante as políticas vacinais europeias está mostrando todos os seus limites, acima de tudo éticos, que a própria OMS tem denunciado pontualmente, e a que a UA finalmente se associou. Mas é preciso ter muito cuidado: é evidente que a União Europeia está paulatinamente eliminando as duas vacinas a vector viral, AstraZeneca e Janssen, para privilegiar Pfizer e Moderna. E parece também provável que, tarde ou cedo, AstraZeneca e Janssen deixarão de ser reconhecidas pelas autoridades europeias. Por isso é que tais vacinas, consideradas “lixo” dentro da Europa, serão as únicas, na prática, a alimentar o mecanismo do COVAX, que destina as vacinas aos países mais pobres, inclusive os africanos. Salvo, daqui a alguns meses, descobrir que elas não serão válidas para entrar em território europeu…Quem viverá verá!
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