Cabo Delgado visto à lupa: a festa dos novos aliados e o silêncio da SADC

EDITORIAL

Há boas notícias vindas de Cabo Delgado, mas quando caem numa mente que quer além do óbvio elas diluem-se e perde-se o contento do conteúdo que nos chega a partir de imprensa escolhida a dedo, a nível interno, que, para a nossa satisfação, fez um respeitoso e dignificante trabalho sobre o retrato das zonas antes ocupadas pelos terroristas e que são agora hasteadas como declaração da bravura da Força Conjunta Moçambique-Ruanda.

O que surpreende é a precipitada narrativa de reconstrução, em uma guerra de guerrilha, cujo paradeiro do inimigo não se conhece, para além de que, com a excepção de posto administrativo de Mbau, não há indicação de grande resistência por parte dos terroristas, até em Mocímboa da Praia, que durante um ano foi conhecido como bastião dos terroristas. O que de alguma forma explica a ausência de reféns e, para não se assumir a fuga plena do inimigo (e seus líderes), que evita confrontos, os comandantes da Força Conjunta, obcecados em mostrar o “sucesso” da missão, sempre que questionados sobre os números de reféns, recorrem ao argumento de operações militares.

O mesmo argumento é evocado para não se falar de baixas em qualquer um dos lados, uma mudança suspeita, quando no início da intervenção dos solidários amigos de Ruanda, a partir de Kigali, tinha se o número das baixas do lado do terroristas em cada missão. Na semana passada apresentou-se somente uma única criança soldado engessada. Até aqui nenhum militante “sério” dos terroristas foi capturado ou apresentado publicamente. A interrupção da partilha desses dados pode não significar mudança de paradigmas da comunicação, mas ausência de confrontos, ou seja, falta do que comunicar. E nesta falta, anuncia-se uma nova fase para legitimar a presença de Ruanda em Moçambique, uma presença cuja motivação real pode estar escondida atrás de documentos e mais documentos secretos, alguns assinados semana passada em Pemba.

A agenda conhecida, como a fase seguinte, é de reconstrução, uma aposta que segue sem aniquilação do inimigo e que legitima a extensão do mandato dos militares ruandeses em Moçambique. “Agora temos outra tarefa”, anunciou Kagame, quando se dirigia aos seus mil militares “timoneiros da restauração da autoridade de Estado Moçambicano em Cabo Delgado”, é a fase de “reconstruir e proteger este País (Moçambique)”. Curiosamente, é de novo uma fase sem detalhes do papel de Ruanda, muito menos prazos.

“O Presidente (Nyusi) e o povo de Moçambique estão na vanguarda disso e nos informarão quanto tempo nosso mandato aqui deve ser”, anunciou Kagame, dando a entender que a cavalaria ruandesa pode se manter por cá por mais alguns anos, e quiçá manter-se até o ventilado terceiro mandato. É que o nosso histórico de reconstruções mostra que duram anos. Quem quer um exemplo é só ver o que fez até hoje o gabinete de reconstrução pós IDAI, que até um mês atrás encontrava-se a mobilizar fundos.

Nessa estratégia que combina uma suposta caça aos terroristas, com reconstrução das zonas destruídas pelos terroristas, está a SADC que, enquanto Kagame expunha sua grandeza militar, mostrou-se muda e sem nada a partilhar. O seu mandato de três meses termina no próximo mês.

É à margem desses desenvolvimentos que Nyusi e seu novo aliado desfilaram em Pemba, na semana passada, enquanto o primeiro destacava a pujança do seu contingente militar, a ponto de demonstrar seu desprezo e desconfiança pelas Forças Moçambicanas, dispensadas da comitiva da sua guarda pessoal, o último desdobrava-se em agradecimentos. As consequências disto tudo, estão no futuro, é lá onde poderemos encontrar as tantas repostas que o presente nos nega.

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