Da “governação injusta” a um risco de “aborto como país”

DESTAQUE POLÍTICA
  • Académicos, político e SC cépticos na marcha pela “Reconciliação Nacional”

A paz continua uma incógnita. O terrorismo em Cabo Delgado e os ataques armados na zona centro do país contrastam sobremaneira com a paz efectiva e definitiva propalada em Moçambique. Academicos e políticos, numa espécie de antecâmara da celebração do 29º aniversário dos Acordos de Roma, destacam, entre vários empecilhos, contrassensos no processo da paz e reconciliação nacional, conflitos éticos tribais e manipulação na redistribuição dos ganhos provenientes da exploração de recursos minerais o que pode “abortar” Moçambique que se encontra ainda na fase de construção. Severino Nguenha, Hermenegildo Mulhovo, Manuel Araujo são algumas personaliodades que apelam urgência na solução da verdadeira reconciliação nacional.

Na antecâmara da celebração do 29º aniversário dos Acordos de Roma que colocaram um ponto final a guerra civil de 16 anos, a Universidade Pedagógica de Maputo juntou várias individualidades para discutir sobre a “Reconciliação Nacional: como lá chegar?”

Severino Ngoenha foi um dos oradores do primeiro e no seu estilo característico não poupou críticas ao actual regime. De acordo com Ngoenha, se não forem encontradas soluções para a verdadeira reconciliação nacional a Nação será abortada, ou seja, será interrompido o espaço democrático que dificilmente é edificado juntamente com desenvolvimento económico e social.

“Se nós não tomamos a sério isto abortamos como país, abortamos como Nação e abortamos como povo”, atirou o academico, para depois acrescentar que o pais teve três níveis de consensos nomeadamente: “período em que de forma mútua os moçambicanos queriam militar para independência nacional,  época  caracterizada por discórdias nunca resolvidas entre os militantes da independência nacional, outro nível de consenso foi de cessar com a guerra civil e o ultimo constatado é da governação injusta em que todos os moçambicanos independentemente da classe social, região e da etnia consentem”.

Indo mais longe, o conceituado acadêmico declarou que, para além dos conflitos étnicos tribais nunca resolvidos, desníveis sociais  e económicas, existe um outro factor que concorre para alta percentagem do distanciamento da paz e reconciliação nacional, tendo apontado a  manipulação e abuso na redistribuição dos ganhos provenientes da exploração de recursos minerais de Cabo Delgado pelo Governo o que, de certa forma, contribui para ressurgimento de conflitos passados nunca ultrapassadas entre força do regime político no poder e a oposição.

Até dentro dos órgãos públicos e dos partidos políticos não há democracia

No mesmo painel, de evento que decorreu durante quatro dias, esteve Manuel de Araújo, edil de Quelimane, que apela intervenção de academia do modo a dar a sua contribuição para reformar as capacidades das instituições, como é o caso da Assembleia da República, e não só.

“As nossas instituições não nos representam. Não estão em sintonia com os nossos valores, com a nossa ética, com a nossa praxis. Temos que encontrar um meio termo e aí os sociólogos, os cientistas políticos são convidados a ajudarem a encontrar soluções e interpretações que nos ajudem a dar a volta e a fazer o resetup”. disse o político.

Personalidades da sociedade civil também estiveram presentes naquela reflexão. O dono da frase “olá paz”, ou seja, Dom Dinis Sengulane crê que a paz efectiva está refém de divisões, até dentro dos partidos. “Sem dúvidas, entendemos que dentro dos partidos precisa de haver reconciliação, isto é, dentro do mesmo partido há situações que denotam falta de reconciliação. Não se pode admitir que a fome que nós notámos de reconciliação dentro dessas organizações continue. Aos membros e dirigentes dos partidos políticos, pedimos que se reconciliem agora”, disse Bispo Emérito da Igreja Anglicana.

Os megaprojectos eram, num passado recente, um grande vector para erradicar a pobreza. Entretanto, para a Moçambique os recursos naturais são sinônimo de desgraça. Segundo a activista social, Fatima Mimbire, as injustiças causadas à população pelos mega-projectos e o actual modelo de descentralização são uma bomba relógio.

“Nesta exploração primitiva do capital, a ideia é de sempre excluir os mais fracos para favorecer os mais fortes. No caso dos projectos concessionados em Moçambique deveriam incluir os operadores artesanais que podem entrar nas grandes empresas como trabalhadores ou accionistas. Enquanto continuarmos com uma abordagem de exclusão, só darmos prioridade a todos que estão formalizados, estaremos a causar problemas que poderão se resvalar em situações como a que estamos a assistir em Cabo Delgado”, declarou Mimbire para seguidamente criticar o actual modelo de descentralização que ainda não se fez sentir do país.

“Quando afirmamos que a soberania reside no povo, e elegemos um governador provincial e nos vêm dizer que este governador não pode gerir recursos na sua província porque se trata-se de uma questão de soberania, eu não entendo. Temos que lutar para acabar com esta falsa descentralização”.

O director executivo do Instituto para Democracia Multipartidária (IMD), Hermenegildo Mulhovo, defendeu que foi uma falha o Governo excluir outros da sociedade civil nos vários acordos assinados com a Renamo.

“Não tivemos outras forças políticas, esse foi um denominador comum em todos os acordos. Não tivemos também a sociedade civil inclusa. Seria esta que deveria garantir, através do seu papel de representar e aglutinar a voz do cidadão, trazer nesses acordos elementos de caris económico e social. Temos que garantir que os acordos que foram assinados até agora sejam acompanhados de estratégias de implementação clara. Temos que ter uma clara noção de como o que está nesses acordos será convertido em políticas públicas, por exemplo”, disse o activista.

O debate de quatro dias, que juntou duas dezenas de personalidades, políticos, líderes religiosos, membro da sociedade e mais, foi organizado pela Universidade Pedagógica de Maputo e o Instituto Superior de Artes e Cultura (ISARC) no âmbito da promoção do espírito de reconciliação nacional.

O “objectivo da conferência era debater, numa perspectiva académica interdisciplinar e com a participação de políticos, jornalistas, agentes culturais, da Sociedade Civil e outros, as condições e possibilidades para uma verdadeira Reconciliação Nacional em Moçambique”, argumentou a organização. (Duarte Sitoe & Paulo Tivane)

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