Centro Visão Juvenil acusado de burlar jovens

DESTAQUE SOCIEDADE
  • Governo reconhece existência de burladores e promete passar a ser vigilante
  • O referido centro de formação não aceita sequer devolver os valores às vítimas

Em Moçambique, muitos são os jovens com dificuldade para encontrar um emprego mesmo tendo uma formação técnico-profissional ou licenciatura. Para estarem minimamente preparados para a concorrência apertada no mercado de trabalho, alguns jovens apostam em cursos profissionalizantes, ou seja, de curta duração para estarem munidos de competências. Entretanto, nem todas as instituições de ensino profissionalizantes certificadas pela Autoridade Nacional de Educação Profissional (ANEP) têm honrado com os compromissos firmados com os estudantes. No bairro Ferroviário, arredores da Cidade de Maputo, o Centro de Desenvolvimento de Competências Visão Juvenil é acusado de burlar estudantes, ao cobrar dinheiro de inscrição e propinas e depois não ministrar os cursos, frustrando, desse modo, o sonho de centenas de jovens ante o olhar impávido das autoridades, que, só agora, prometem ser mais vigilantes.

 Duarte Sitoe

Advogar e implementar acções de empoderamento dos jovens, a rapariga em particular, é um dos pilares que constam dos propósitos da criação da Visão Juvenil. Entretanto, nos últimos anos, aquela instituição chefiada por Abel das Neves terá, segundo alguns formandos e encarregados de educação, se desviado do pressuposto da sua criação.  

Muitos jovens do bairro Ferroviário, no Distrito Municipal Ka-Mavota, e outros de bairros circunvizinhos, contam que viram seus sonhos serem reduzidos a cinzas por terem cruzado o caminho daquele centro de formação profissional que acusam de burla.

Segundo contam alguns jovens aliciados pelas promessas da instituição em referência, após o pagamento da inscrição e a propina, os formandos não se beneficiam da formação prometida e a direcção dirigida por Abel das Neves simplesmente furta-se à responsabilidade de dar satisfação.

Com semblante visivelmente desiludido, Olinda Danilo, jovem de 22 anos de idade, conta que ficou maravilhada quando viu as promoções dos cursos que eram leccionados no Centro de Desenvolvimento de Competências Visão Juvenil, mas nunca imaginava que a instituição, que tudo faz para conquistar a simpatia do público, através das redes sociais, fosse um cemitério de sonhos.

“Tudo começou quando vi uma publicação nas redes sociais onde tinha a descrição do local, valor e a duração do curso. Era meu sonho fazer curso de culinária. Após ver que os pacotes eram acessíveis e o curso era de 30 dias, decidi me inscrever. Paguei três mil meticais. No entanto, só tivemos duas aulas, que foram interrompidas porque alegadamente a professora foi demitida. Apresentaram-nos um outro professor, mas este só deu uma aula e sumiu”, narrou.

Apercebendo-se de que a instituição não cumpria com o prometido, os estudantes procuraram a direcção da escola para expor aquelas que eram as suas inquietações, mas debalde. A mesma não mostrou soluções para os problemas que inquietavam sobremaneira aos formandos.

“Percebemos que estávamos a ser injustiçados e que provavelmente estávamos a passar por uma burla, exigimos o nosso valor de volta e o director da instituição disse que não se fazia a devolução do valor. Mesmo assim, orientou-nos a fazer uma nota pedindo a devolução do valor em causa e que a nota seria respondida dentro de 72h. Fizemos a carta e até hoje não tivemos a resposta”, desabafou a jovem, que por estas alturas contava já estar capacitada para colocar em prática o seu pequeno negócio de doces.

“Os professores desapareceram e o responsável sumiu do mapa”

Quem também viu o sonho de ter noções de Secretariado Executivo frustrado é Águeda Machava. A fonte conta que foi alertada por uma funcionária da Visão Juvenil para não se inscrever, mas não deu ouvidos e hoje vive no mar das lamúrias.

“Se o tempo voltasse atrás nunca teria jogado o meu dinheiro no lixo. No acto da inscrição, uma funcionária disse que devia ter cuidado com a Visão Juvenil, mas como não adiantou detalhes, pensava que fosse apenas uma chamada de atenção. Na primeira semana as coisas correram muito bem, mas na segunda tudo começou a mudar, os professores desapareceram e o responsável também sumiu do mapa. Quando íamos para a direcção diziam que o problema estava a ser resolvido, mas até hoje nada aconteceu”, disse angustiada.

Ramos Miguel era funcionário numa estância turística na Ponta de Ouro, mas com a eclosão da pandemia engrossou o exército de desempregados do país. Sendo pai de três filhos, Miguel procurou alternativas para ter um emprego autónomo e viu no curso profissionalizante de Electricidade Instaladora uma oportunidade para iniciar o seu próprio negócio. Contudo, tal pretensão foi adiada e agora faz parte da lista de jovens que viram seus sonhos sequestrados pelo Centro Visão Juvenil, instituição que se dedica a burlas perante o olhar passivo das autoridades.

“Depois que perdi emprego, a minha família reuniu-se para me ajudar porque tenho esposa e filhos que dependem de mim. Mandaram escolher um curso profissionalizante que me poderia render alguma coisa. Escolhi fazer Electricidade, uma vez que é uma área com muito mercado. Por ser uma escola acessível, escolhi a Visão Juvenil, mas foi uma experiência amarga”, contou Miguel, para depois acrescentar que a escola não dispunha de ferramentas para aulas práticas.

“Numa primeira fase, disseram que as aulas não podiam arrancar porque eram poucos os estudantes que se inscreveram.  Reclamamos e a escola viu-se obrigada a mudar de postura. Quando arrancaram as aulas não havia separação de cursos, ou seja, todos estávamos na mesma escola e os professores não tinham domínio de nada. Percebemos que não havia seriedade e pedimos a devolução do dinheiro, mas o senhor Abel sumiu”, denunciou.

Anacleto Cossa, outra vítima, conta que perante a postura do director da Visão Juvenil decidiram encaminhar o caso para as autoridades de lei e ordem, onde foram dissipadas todas as dúvidas de que não passava de um esquema sofisticado para se apoderar do dinheiro alheio.

“Percebemos que o Abel das Neves não tinha vontade de resolver o nosso problema e décimos levar o caso para polícia. Quando chegamos à esquadra do bairro Ferroviário, perguntaram-nos do que se tratava e contamos que tínhamos problema com a Visão Juvenil. Para o nosso espanto, a polícia disse que estava cansada de resolver os problemas dessa escola, uma vez que não éramos os primeiros a meter uma queixa contra aquela instituição. Aconselharam-nos a encaminhar o caso à Procuradoria, através da IPAJ”, disse.

Justiça pode cobrar dinheiro coercivamente ou penhorar os bens a favor das vítimas

A equipa de reportagem do Evidências fez-se às instalações da Visão Juvenil, para ouvir a versão dos factos na voz do director Abel das Neves, mas o mesmo não quis tecer comentários sobre o assunto, tendo dito à secretária “vai dizer a eles que não estou”.

Inconformada, a equipa do Evidências contactou telefonicamente o visado, mas o mesmo declarou que não ia tecer comentários sobre o assunto.

O Estado moçambicano garante o Patrocínio e a Assistência jurídico ao cidadão através do Instituto do Patrocínio e Assistência Jurídica (IPAJ), nos termos do disposto no Artigo 62 da Constituição da República de Moçambique.

No IPAJ do Distrito Municipal Ka Mavota, as duas partes, ou seja, os estudantes burlados e o director da Visão Juvenil foram incitados a resolver o caso de forma extrajudicial, mas Abel das Neves declarou que não tinha condições para devolver o dinheiro aos estudantes, tendo condicionado que a única solução era os mesmos regressarem às aulas.

“Quando fomos ao IPAJ colocaram-nos a ideia de resolver o problema de uma forma amigável, mas o director da Visão Juvenil disse que não podia devolver o dinheiro porque não o tinha. Segundo ele, a única solução para o nosso caso era voltar a estudar, mas como sabíamos que a escola não dispunha de professores não aceitamos e o caso vai seguir para a Procuradoria-geral da República”, disse Rosa Miambo.

Por sua vez, o IPAJ ao nível da Delegação do Distrito Municipal Ka Mavota declarou que perante a recusa das duas partes de resolver o caso de forma amigável, o mesmo vai seguir para a PGR

Segundo David da Graça, representante naquela instituição de assistência jurídica naquele distrito, a PGR vai marcar uma audiência, onde cada um dos envolvidos vai contar a sua versão dos factos. Entretanto, da Graça avançou que por tratar-se de um crime semi-público, o burlador, numa primeira fase, não será preso, mas sim obrigado a ressarcir os queixosos.

“Se ele recusar-se a pagar, o juiz vai condenar a pagar de forma coerciva num intervalo de 30 dias. Se não conseguir pagar, vai se levar os bens susceptíveis, mas antes deve se requerer ao tribunal para se penhorar os bens. Nós não temos a capacidade de julgar, fazemos aconselhamento, cabe às partes o entendimento”, explicou o técnico do IPAJ.

MINEDH reconhece que há instituições mal-intencionadas, mas…

Visão Juvenil é apenas um exemplo da anarquia no sector de formação profissionalizante no país. Sobre o caso, a Direcção Provincial da Educação e Desenvolvimento Humano da Cidade de Maputo explicou que os cursos profissionalizantes não são chancelados do Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano.

“Existe uma larga experiência entre cursos profissionais e profissionalizantes. Os cursos profissionalizantes são de curta duração e as instituições são responsáveis pela emissão dos certificados. Por sua vez, os cursos profissionais são de longa duração e têm equivalências, ou seja, a pessoa pode fazer o primeiro ano e começar a trabalhar segundo o que aprendeu”, disse Zacarias Bié.

Indo mais longe, Bié acrescentou que quem certifica as instituições que se dedicam aos cursos profissionalizantes é a Autoridade Nacional de Educação Profissional (ANEP), contudo a mesma não é responsável pela fiscalização das mesmas.

Por sua vez, a ANEP, autoridade reguladora do ensino profissional em Moçambique, reconheceu que há escolas mal-intencionadas, tendo adiantado que vai fazer diligências para se inteirar do caso e posteriormente se pronunciar.

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