Esposa jura de pés juntos que esteve com o falecido líder da Junta Militar até às 8:30 da manhã

DESTAQUE POLÍTICA SOCIEDADE
  • Nyongo morreu tempo depois de ter saido ao encontro do seus homens
  • Mais de sete membros da família Nyongo raptados há mais de 1 ano

A cada dia surgem novos dados que desmontam a narrativa oficial em torno da morte de Mariano Nyongo, que durante mais de dois anos liderou a Junta Militar da Renamo, que iniciou com uma oposição à liderança de Ossufo Momade e acabou tornando-se um grupo que desafiou a autoridade do Estado. Nyongo terá sido atraído para a morte, com o pretexto de um encontro com amigos. O Evidências acompanhou as exéquias fúnebres de Mariano Nyongo. Da família acabou arrancando algumas verdades sobre os últimos momentos da sua vida e viu in loco o clima de medo instalado na família, cujos membros, alguns deles que só irromperam das matas timidamente ao local do seu último descanso após se certificarem de que não havia nenhum cerco das Forças de Defesa e Segurança (FDS). O medo justifica-se pelo facto de alguns familiares do malogrado terem sido raptados entre Agosto e Setembro do ano passado e até ao dia do funeral não se sabia sobre o seu paradeiro. 

Jossias Sixpence-Beira

Era por volta de 13 horas quando uma coluna de viaturas, que partiu de Dondo, acompanhando os restos mortais de Mariano Nyongo, chegou à localidade de Chirassicua 2, posto administrativo de Tica, distrito de Nhamatanda, terra natal do falecido líder da junta militar.

O local que nos foi apresentado como sua residência não apresenta nenhuma construção em pé. Todas foram destruídas e com sinais de fogo posto. Entre os aldeões, há uma convicção clara de que quem incendiou as casas, os celeiros e pilhou uma moageira e uma motorizada foram elementos das FDS, pouco depois de terem raptado parte dos filhos do malogrado, que até hoje estão em parte incerta, forçando a esposa e alguns filhos a fugirem e procurarem refúgio nas matas.

Do que um dia foi uma residência restavam somente duas juntas de estacas que serviam de base para o celeiro. Era a única estrutura ainda em pé. É ali onde viria a pousar o caixão contendo os restos mortais de Mariano Nyongo, para o velório. A logística das cerimónias fúnebres foi aprovisionada pelo governo local.

No local estavam pouco mais de uma dezenas de pessoas e o clima da zona estava estranho. Até os jornalistas sentiram medo. A família e membros da comunidade receavam participar no velório, com medo de serem perseguidos ou sofrerem represálias. O medo era tanto que foi necessário o governo dar um ultimato para que as famílias fossem reconhecer e levantar os corpos dos seus finados.

Viam-se de longe algumas pessoas a espreitar pela mata. Só depois de se certificarem de que não havia presença das FDS é que os aldeões começaram a aproximar-se e em pouco tempo o local ficou repleto de pessoas que foram prestar homenagem a um filho da terra que lutou com armas lado a lado com Dhlakama.

A população local, martirizada pela guerra, estava visivelmente desconfiada e estava atenta a qualquer movimento, principalmente de desconhecidos. Suspeita-se que estavam infiltrados entre a população alguns elementos da secreta e das FDS. A situação criou desconforto, pois alguns não se aproximaram e estavam maior parte do tempo falando ao celular.

Até para gravar as entrevistas não foi fácil. Apenas o secretário, filho e alguns membros que desde Dondo estiveram presentes é que aceitaram. Os outros apenas davam sinal negativo com a cabeça quando a nossa equipa de reportagem pedia para gravar entrevistas.

Atraído para um encontro para ser executado?

Falando ao Evidências, a viúva de Mariano Nyongo, Amélia Marcelino, era uma mulher desolada e sem porto. Contou que esteve com seu marido até as 8 horas e 30 minutos, quando se despediu alegando que ia ao encontro de seus comparsas para um encontro.

Longe de imaginar que aquelas seriam as últimas palavras do seu companheiro, conta Amélia Marcelino, uma hora depois começou a ouvir o soar de tiros e, tendo se apercebido que a situação prevalecia, ela pós-se em fuga, conforme o marido a havia instruído para situações similares.

Conta que não teve tempo para levar uma colher sequer e passou dias nas matas com uma criança menor e sem o que comer. Só conseguiu chegar a Nhamatanda com ajuda de uma tia que a orientou a apanhar qualquer carro, e pagou no destino.

Esposa de Nyongo pede libertação de seus filhos sequestrados supostamente pelas FDS

Após o recrudescimento de ataques protagonizados pela Junta Militar, a família de Mariano Nyongo teve vários membros raptados. Os sobreviventes passaram a viver nas matas temendo sequestros supostamente protagonizados pelas FDS. Ao todo são sete os membros da família desaparecidos.

Em entrevista ao Evidências, a esposa do finado pede a libertação dos membros da sua família, incluindo filhos do casal, supostamente sequestrados pelas FDS, que até o dia do funeral não era conhecido o seu paradeiro e não havia certeza se continuam vivos ou foram executados.

Amélia Marcelino revela que decidiu refugiar-se nas matas onde seu marido se encontrava, após vários sequestros de membros da família e o incéndio da sua casa, em busca de segurança. Conta que esteve com o finado até duas horas antes de sua execução.

Entre os membros da família desaparecidos, constam Tomé Mariano Nyongo, o filho mais velho, raptado em Inchope; Fernando Mariano Nyongo, um dos filhos mais novos; Rosa, esposa do filho mais velho e seus três netos (Fátima, Rodrigues e Mariano) e um sobrinho que responde por José Casecussa.

Carlitos é um dos filhos que conseguiu escapar e refugiar-se nas matas, antes da chegada das FDS que foram até Chirassicua, à sua procura.

O duro percurso até à última morada de Nyongo

O corpo de Mariano Nyongo, que morreu supostamente em combate, na última segunda-feira, no distrito de Inhaminga, foi entregue à sua família na passada sexta-feira. A demora deveu-se ao facto de, numa primeira fase, a família ter receado aproximar-se do governo para reclamar o corpo e participar no velório. Nyongo, cujo corpo estava limpo e não apresentava nenhuma perfuração de bala, contrariando a tese de confronto, morreu lado a lado com Gura Ukama seu leal guerrilheiro. Dada a situação, na manhã da última quinta-feira foi dado um ultimato às famílias dos dois guerrilheiros.

Os familiares de Gura Ukama foram os primeiros a chegar na morgue. O filho, a esposa e concunhado de Mariano Nyongo, que já se encontravam no Dondo, um dia antes, ainda mostravam-se receosos, por temerem ser detidos e serem responsabilizados pelos actos praticados pelo líder da Junta Militar, responsável por uma série de ataques que culminaram com a morte de mais de 30 pessoas, para além de destruição de infra-estruturas e bens públicos e privados.

Só saíram à ribalta, por volta das 8 h e 25 min, depois de alguns indivíduos de reconhecimento terem estado no local, mas sequer sabiam como iriam iniciar com o processo, porque não dispunham de condições para levantar o corpo e seguir ao local previsto.

No entanto, o governo local alocou caixões e transporte para Nhongo e Ukama, tendo facilitado a saída dos corpos para a sua sepultura nos distritos de Nhamatanda e Buzi respectivamente.

Durante o percurso para o interior da localidade de Chirassicua era notória a curiosidade dos residentes que ladeavam a via enquanto a coluna de viaturas passava.

Carlitos Nyongo preocupado com ausência da Renamo

Mariano Nyongo esteve na linha da frente na guerra dos 16 anos. Depois do Acordo Geral de Roma, este retomou ao seus aposentos na localidade onde hoje jazem seus restos mortais, mas em 2011 Nyongo foi solicitado por Afonso Dhlakama para se juntar à sua guarda pessoal e em 2012, quando o falecido líder da Renamo voltou às matas, Nyongo fazia parte do grupo.

Carlitos Nhongo, o filho de 20 e poucos anos que esteve à frente da cerimónia, declarou-se totalmente desiludido com ausência da Renamo no velório, depois de o pai ter dado tudo de si desde a adolescência por aquele partido.

“Ter sido guerrilheiro da Renamo somente trouxe desgraça para família. O meu pai sofreu desgraça, ele morreu, os filhos foram raptados e a casa foi queimada”, lamentou Carlitos Nyongo.

Refira-se que ainda existe o receio de que a morte de Mariano Nyongo possa não significar necessariamente o fim da Junta Militar e dos ataques na zona Centro do País, numa altura em que há um descontentamento no seio dos ex-guerrilheiros que há meses aguardam pelo pagamento do dinheiro referente às pensões vitalícias, bem como projectos de geração de renda para a sua reintegração social no âmbito do DDR.

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