- Ordem dos Advogados diz que decisão de expulsão de Chivale é ilegal, abusiva, desrespeitosa e sem utilidade
- Juiz diz que não pode rever sua decisão, mas há quem discorda e aponta leis
No seu estilo característico, o advogado Alexandre Chivale, em meio a piadas, disse de bom-tom que estava a preparar-se para derrubar a base de toda a acusação do Ministério Público contra o réu António Carlos do Rosário, mas o que não sabia, aliás, disse que já estava avisado, é que já estava sentenciado. Acabou sendo afastado do processo numa decisão polémica do juiz, contestada de pronto pelo assistente, e que tem estado a alimentar muita controversa no seio dos juristas e magistrados. No último Domingo, a Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM), assistente do Ministério Público (MP), a quem contraria pela primeira vez, considerou o procedimento usado para o impedimento do causídico como sendo ilegal, abusivo, desrespeitoso, desprestigiante e sem qualquer utilidade para a boa administração da justiça, bem como uma afronta ao Estado de Direito Democrático e à realização da Justiça, reacendendo o debate sobre uma provável parcialidade do juiz Efigénio Baptista, que várias vezes mostrou-se irritado sempre que os constituintes citassem o nome de Filipe Nyusi como um dos responsáveis pelas dívidas ocultas.
Reginaldo Tchambule
Alexandre Chivale, desde o início apostou na estratégia de defesa dos seus constituintes, procurando arrastar para a “lama” o antigo ministro da Defesa, coordenador do Comando Operativo e actual Presidente da República, Filipe Nyusi e, quando foi afastado preparava-se para interrogar o réu António Carlos do Rosário, uma acção que mais do que buscar ilibar seu constituinte iria desembocar no alvo Filipe Nyusi, acto que culminaria num requerimento para que o PR fosse ouvido como declarante.
Recorde-se que a Filipe Nyusi são atribuídas responsabilidades por ter sido sob seu comando que as três empresas caloteiras foram concebidas e há documentos com sua assinatura, solicitando ao ministro das Finanças, Manuel Chang, a aprovação de garantias a favor da ProIndicus. Igualmente é associado ao recebimento de pelo menos dois milhões de dólares e outros bens, incluindo o carro Land Cruzer, com o qual cruzou o país do Rovuma ao Maputo durante a campanha eleitoral.
No entanto, Chivale não tem telhado de vidro e, como tal, o Ministério Público solicitou o seu impedimento de continuar a defender seus constituintes no processo, em virtude de António Carlos do Rosário, antigo director da Inteligência Económica dos Serviços de Informação e Segurança do Estado (SISE), ter afirmado que este era colaborador da secreta moçambicana, facto que mereceu despacho favorável do juiz que recusou terminantemente acatar os apelos do assistente que, em nome da segurança, na decisão solicitou que fossem oficiados o SISE e a própria OAM, para se apurar se realmente é colaborador da secreta e o Conselho Nacional da OAM deliberar sobre o impedimento ou não nos termos do artigo 69 do estatuto daquela classe profissional, tal como o requerimento.
O juiz Efigénio Baptista julgou procedentes os argumentos do Ministério Público, que alegou manifestas incompatibilidades, por supostamente Chivale ser colaborador do SISE, baseando-se nas revelações do ex-director da Inteligência Económica da secreta moçambicana. Aliás, o juiz alegou igualmente que, para além do aparente conflito de interesses, há indícios de crimes.
A decisão soberana do juiz foi contestada pelo assistente do MP, a OAM, que questionou a validade da prova baseada nas declarações do réu e indicou que o Conselho jurisdicional da OAM é única e exclusiva entidade que pode impedir o exercício da advocacia no país, todavia o juiz evocou economia processual para fazer valer a sua decisão, atraindo, no entanto, críticas e desconfianças de que esteja a cumprir ordens superiores.
Aliás, na Quinta-feira, antes da interrupção da sessão, o antigo bastonário da Ordem dos Advogados, Flávio Menete, alertou sobre o risco de anulação do processo, em face da decisão contestada do juiz e voltar-se recomeçar o julgamento do zero.
Mais um recurso para o cemitério de processos chamado Tribunal Superior de Recurso
Inconformado com a decisão, Alexandre Chivale, que desde o primeiro dia tem estado numa clara troca de palavras com a procuradora Ana Sheila Marrengula, recorreu imediatamente e o assistente pediu que fossem extraídas cópias para também recorrer da decisão do juiz Efigénio Baptista, contudo, segundo alguns entendidos na matéria, são remotas as chances de o recurso ser julgado em tempo útil que possa permitir que Chivale volte a sentar no banco dos réus no presente processo.
É que, o Tribunal Superior de Recurso, braço descentralizado do Tribunal Supremo, é tido como um verdadeiro cemitério de processos, chegando alguns recursos a levar mais de cinco anos sem que sejam julgados.
Aliás, segundo apurou o Evidências, de alguns juristas da praça, o tempo médio de tramitação de processos de recursos é de dois a três anos e que, dependendo da complexidade, qualidade dos envolvidos e vontade política, chega a levar mais de 10 anos.
Trocar Chivale por Mahanjane
Na última Quinta-feira, o tribunal solicitou os três réus que eram defendidos por Chivale para que indicassem um advogado. António Carlos do Rosário e Inês Moiane escolheram o advogado Isálcio Mahanjane, nada mais, nada menos, que o braço direito de Alexandre Chivale.
O julgamento do caso das dívidas ocultas só retoma esta Quinta-feira, cumpridos os cinco dias de interrupção, a pedido de Mahanjane, novo advogado do réu António Carlos do Rosário, que alegou que precisa de tempo para se inteirar do processo.
Conhecidos como carne e unha, Chivale e Mahanjane são amigos e até há pouco tempo partilhavam a mesma forma de advogados. No caso das dívidas ocultas, tem processos articulados e no início chegaram a representar os mesmos réus, todos próximos à família Guebuza e tem sido vistos frequentemente a trocar impressões na sala do julgamento.
Acredita-se que a ausência de Chivale não irá ao todo comprometer a estratégia de defesa e espera-se que as questões sejam ainda mais contundentes, uma vez que nada obsta que os dois continuem a comunicar e trabalhar juntos fora do tribunal.
Acredita-se que a referida “bomba” que a defesa de António Carlos de Rosário prometeu sejam perguntas que induzam a novas revelações sobre o papel de Filipe Nyusi e no fim um requerimento para que seja declarante, dando poucas hipóteses para o juiz voltar a recusar.
Recorde-se que, recentemente, o juiz acabou sendo forçado a admitir a possibilidade de Filipe Nyusi, antigo ministro da Defesa e coordenador dos comandos Operativo e Conjunto, ser ouvido como declarante, após ser confrontado várias vezes com acusações do réu António Carlos do Rosário, que corroboram com as afirmações do co-réu, Gregório Leão.
Em mais uma engenharia retórica para tentar afastar a ligação de Nyusi às dívidas ocultas, o juiz acabou se embrulhando em explicações, desembocando na ideia de que o julgamento está longe do fim, abrindo, assim, espaço para Nyusi ser um dos declarantes.
“Gosta de fazer perguntas ao tribunal, mas o tribunal vai responder porque se não responder vão pensar que o tribunal está a encobertar a pessoa. Nunca tive esse objectivo e não tenho”, começou por dizer Efigénio Baptista.
Com a voz embargada, prosseguiu referindo que “Quando diz que os outros membros não estavam quando decidiram isso e que a decisão foi tomada por você, Gregório Leão e o Presidente Nyusi, o réu e o co-réu Gregório Leão estão na mesma linha neste julgamento e está a faltar o Presidente Nyusi. Agora estamos a descobrir que, na verdade, está a faltar alguém. Essa é que é a opinião do tribunal e o julgamento ainda está a decorrer, ainda é uma criança”, admitiu pela primeira vez o juiz, dando a entender que poderá requerer ou autorizar a audição do Presidente da República, depois de ter indeferido um pedido para o efeito à boca do julgamento”.
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