- Credit Suisse e VTB concordam em pagar multas
O governo de Moçambique, através do representante da Procuradoria-Geral da República, em Londres, saudou, na última Quinta-feira, a admissão de má conduta por parte da Credit Suisse, que concordou em pagar uma multa no âmbito do escândalo das dívidas ocultas. A saudação surge em resposta à comunicação da Comissão de Valores Mobiliários (SEC) dos Estados Unidos de América (EUA) que anuncia que o Credit Suisse concordou em pagar USD 475 milhões às autoridades americanas e britânicas “por enganar investidores de forma fraudulenta e violar a Lei de Práticas de Corrupção no Exterior (FCPA)”. Os investidores americanos, que reclamam que foram enganados, teriam comprado acções do empréstimo sindicado à ProIndicus, no valor de USD 622 milhões e os títulos que o Credit Suisse e o VTB financiaram para a Ematum, no valor de USD 850 milhões.
Evidências
Para autoridades moçambicanas, num comunicado emitido através do escritório britânico de advocacia, Peters&Peters, este é um passo importante para a obtenção de plena reparação dos danos para o país.
Há uma semana, Londres anunciou o acordo conjunto entre o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DoJ), a Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos (SEC), a Autoridade de Conduta Financeira do Reino Unido (UK FCA) e a Autoridade de Supervisão do Mercado Financeiro Suíço (FINMA).
Os documentos de liquidação assinalam a fraude e má conduta por parte do Credit Suisse e detalham os valores a serem pagos pela Credit Suisse. O DoJ receberá USD 175 milhões, o SEC 100 milhões e o UK FCA 200 milhões. Moçambique, o mais prejudicado, é telespetador nessa distribuição, que busca ressarcir danos aos investidores americanos, pelos bancos envolvidos, nomeadamente a Credit Suisse Group, com a sua sede em Londres – Credit Suisse Securities Ltd (CSSEL) – e o braço do banco de investimento com sede em Londres do VTB Group, maioritariamente detido pelo governo russo.
O caso das dívidas secretas envolve três empréstimos, todos para empresas recém-criadas controladas pelos serviços de segurança moçambicanos: USD 622 milhões para a ProIndicus (Credit Suisse 504 milhões, VTB 118 milhões), USD 850 milhões para a Ematum (Credit Suisse 500 milhões, VTB 350 milhões) e USD 535 milhões para MAM (Credit Suisse 100 milhões, VTB 435 milhões).
Grande parte da acção movida pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos refere-se apenas ao refinanciamento da dívida da Ematum em 2016.
O VTB, encarado como um parceiro secundário no negócio, teve uma penalização leve, sendo multado em apenas seis milhões de dólares pela SEC, por má conduta. No comunicado emitido pela SEC, o banco russo não divulgou o conflito de interesses e sonegou outras informações relevantes, como a verdadeira natureza da dívida do país e o alto risco de incumprimento. Acresce que o VTB colocou os seus próprios interesses como credor acima dos interesses dos detentores dos títulos. Ao contrário do Credit Suisse, que se assumiu culpado, o banco russo não admite ou nega as alegações da acusação da SEC.
O empréstimo sindicado e os títulos da Ematum ultrapassaram um bilhão de dólares. Estes fundos, diz a SEC, “foram usados para perpetrar um esquema de dívida oculta, pagar propinas a ex-banqueiros de investimento do Credit Suisse, agora acusados, juntamente com os seus intermediários, de subornar funcionários corruptos do governo de Moçambique”.
VTB parcialmente ilibado e pode continuar a exigir indemnização de Moçambique
Entre os governantes corruptos conhecidos, o mais destacado é Manuel Chang, antigo ministro das finanças, que se encontra preso na África do Sul à espera de ser extraditado para Moçambique ou EUA. Em Moçambique está em curso o julgamento que expõe uma rede de beneficiários das dívidas ocultas, na sua maioria antigos directores dos Serviços de Informação e Segurança do Estado (SISE).
Há indícios fortes do envolvimento do antigo ministro de Defesa, actual Presidente da República, Filipe Nyusi, que nunca se pronunciou sobre as acusações que pesam sobre si nesse processo. Entre os beneficiários dos subornos pagos, está também a Frelimo.
No comunicado do SEC, lê-se ainda que os banqueiros do Credit Suisse “esconderam a corrupção subjacente e divulgaram falsamente que os rendimentos iriam ajudar a desenvolver a indústria da pesca de atum em Moçambique. O Credit Suisse não divulgou a extensão total e a natureza do endividamento de Moçambique e o risco decorrente dessas transações”.
A SEC, timidamente, se refere a “Banqueiro 1”, “Banqueiro 2” e “Banqueiro 3” – mas sabe-se que se trata de Andrew Pearse, DetelvinaSubova e Surjan Singh, porque todos confessaram, num tribunal de Nova York, em 2019, que haviam recebido subornos da Privinvest pelos seus papéis na negociação dos empréstimos moçambicanos. Eles entraram num acordo judicial e ainda não foram condenados.
A SEC disse que o esquema de corrupção “resultou dos deficientes controles contábeis internos do Credit Suisse, que não trataram adequadamente dos riscos significativos e conhecidos relativos ao suborno”.
O VTB emitiu nota alegando que nenhum de seus funcionários havia sido acusado de conduta ilegal, como se isso de alguma forma justificasse seu papel no escândalo.Alegou, desafiando os factos, que “o VTB opera de forma totalmente aberta e transparente, observando os mais altos níveis de governança corporativa e conformidade em nossas operações diárias, e continuamos confiantes de que o VTB agiu com responsabilidade nesta matéria, não obstante um amplo esquema perpetrado por outros”.
Assim, somos convidados a acreditar que os banqueiros do Credit Suisse e funcionários moçambicanos eram os bandidos, mas o VTB está de mãos limpas. A VTB ainda está a tentar usar os tribunais britânicos para obrigar Moçambique a reembolsar o dinheiro que a VTB emprestou ao MAM. “O VTB espera vencer”, gabou-se.
Por outro lado, Moçambique quer que o Credit Suisse, o VTB, e a empreiteira Privinvest compensem o país pelos danos causados pelos subornos e fraude, tendo apresentado processos no Supremo Tribunal contra estas entidades. Por sua vez, o VTB e outros bancos também avançaram com acções contra Moçambique. Em Julho, o Supremo Tribunal fundiu os casos, as audições terão início no próximo ano.
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