Percurso Sinuoso de Inclusão Financeira: um olhar sobre Educação Financeira (Parte II)

OPINIÃO
  • Sobre o Relatório da ENIF (2020) do BM

Por: Teodósio Camilo

O Relatório do BM (2020) faz menção a vários aspectos sobre a Inclusão Financeira, porém, a nossa abordagem cingir-se-á apenas na compreensão das acções que visam a disseminação da Educação Financeira. Inversamente, a maior parte das acções levadas a cabo pelo BM, no ano de 2020, não era direccionada à Educação Financeira das comunidades rurais residentes nos distritos, onde se observa maior fragilidade do conhecimento sobre aspectos financeiros.

Assim, surgem as seguintes questões: como tornar sustentáveis os produtos financeiros disponibilizados pelos diferentes actores financeiros, instituições financeiras bancárias e não bancárias, às pessoas sem Educação Financeira, que não têm nem se quer o conceito sobre dinheiro?

Como é que se pode garantir o reembolso das subvenções alocadas pelas iniciativas do governo, como o caso de SUSTENTA, aos beneficiários sem Educação Financeira, assistência financeira e assegurar a sustentabilidade de projectos?

Para compreender o ângulo da abordagem desta análise, suscita-se a apreciação dos elementos que suportam a Inclusão Financeira, denominados Pilares da Inclusão Financeira, na óptica da ENIF de BM, pois é mediante a operacionalização sistémica dos pilares que se torna real o acesso aos produtos e serviços financeiros a todos os segmentos da população.

A ENIF do BM comporta três pilares nomeadamente, Acesso e Uso de Serviços Financeiros, Fortalecimento das Infra-estruturas Financeiras e Protecção do Consumidor e Educação Financeira.

O Acesso e Uso de Serviços Financeiros – visa garantir a disponibilidade, proximidade e utilização efectiva de uma gama de produtos e serviços financeiros adequados às empresas e indivíduos residentes nas zonas rurais e urbanas, expandir e diversificar a rede de acesso com a maior oferta de produtos e serviços que atendam às necessidades específicas dos consumidores.

Fortalecimento das Infra-estruturas Financeiras – visa robustecer a segurança e eficiência do sistema nacional de pagamentos, infra-estruturas e informação financeira e a execução de garantias. Nesta visão, pretende-se criar plataformas necessárias à oferta de produtos e serviços adequados direccionados ao público em geral, de forma conveniente, segura e eficiente.

Protecção do Consumidor e Educação Financeira – visa manter os consumidores dos produtos e serviços financeiros informados, capacitados e protegidos, inclusive resolver possíveis conflitos com os provedores de produtos e serviços financeiros, melhorar os níveis de educação financeira, prover a informação financeira ao público em geral e de protecção, tanto dos existentes como dos novos consumidores financeiros (ENIF, 2016-2022).

A abordagem sistémica da estratégica da inclusão financeira possibilita a expansão do acesso e uso dos produtos e serviços financeiros, regulamentação adequada, favorável aos objectivos pretendidos, garantir continuidade, confiança da população, empresas e a respectiva modernização (ENIF, 2016-2022).

A Educação Financeira é o terceiro pilar da ENIF do BM, contudo, as acções desenvolvidas em prol da disseminação do conhecimento sobre questões financeiras ainda são excludentes, tanto que a maior parte da população residente nas comunidades rurais nos distritos ainda não é abrangida pelas iniciativas de Educação Financeira. Esta posição conduz-nos à percepção de que a Educação Financeira se afigura como uma acção subsidiária das outras actividades da Inclusão Financeira ao invés de desempenhar o papel-chave de um pilar que suporta a implementação e operacionalização da ENIF e abranger diferentes segmentos da população.

O cerne do artigo é: o Banco de Moçambique, como instituição que tutela a área financeira, emite políticas e desenha a estratégia financeira do país, devia descentralizar as actividades da educação financeira, integrar diversas organizações do sector privado tais como empresas de consultoria que operam no ramo financeiro ou relacionado, organizações não-governamentais e as organizações comunitárias de base que desenvolvem actividades de geração de rendimento, entre os demais actores. Para que isto se torne exequível, o BM deve criar representações a nível dos distritos que possam responder pela identificação, cadastro, selecção e contratação destes actores a nível da base e que vão implementar as acções de Educação Financeira junto dos beneficiários recônditos, ampliando, desta forma, a base da pirâmide da oferta, ou seja, provisão de serviços de Educação Financeira.

Nesta percepção, o BM ficaria apenas com o seu papel de controle e supervisão das acções desencadeadas pelos parceiros. Nestes moldes, a Educação Financeira poderia abranger maior número de beneficiários que o BM dificilmente teria recursos humanos suficientes para alcançar diferentes zonas recônditas.

Esta abordagem de EF não somente visa alcançar o maior número das populações desfavorecidas, mas também abre a oportunidade à instituição de tutela, de tornar a ENIF uma acção participativa que facilita a actuação dos diversos parceiros em prol do mesmo objectivo. No caso actual, o BM traça estratégias, políticas, planos de EF e torna-se o implementador. É imperceptível que o mesmo organismo tenha capacidade de supervisionar suas acções, identificar os possíveis erros e administrar medidas correctivas.

A finalidade da ENIF é de permitir o acesso aos produtos e serviços financeiros a todos os segmentos da população. Para que o processo se torne produtivo, o BM deve deixar de ser “Institution of all tasks” que faz tudo, criação de políticas, estratégias e implementação, pois a ideia é de descentralizar as actividades da Educação Financeira.

De acordo com Relatório ENIF (2020), o país passou a contar com 127 distritos cobertos por agências bancárias, face a um total de 154 distritos, 31 distritos com cobertura de microbancos e cooperativas de crédito, o que representa um nível de cobertura de 82,5% e 20% do total dos distritos, respectivamente, comparados aos dados de 2019.

Os indicadores apresentados podem ser animadores quando comparados com a cifra do ano anterior, todavia, desanimadores quando observados face à densidade populacional do país, especificamente das pessoas desfavorecidas que vivem nas comunidades distritais que carecem do conhecimento e disciplina financeira.

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