Quelimane, propaganda involuntária

OPINIÃO

Luca Bussotti

São várias as formas para fazer propaganda política e enaltecer a figura desta ou daquela figura pública. No geral, trata-se de mecanismos complexos, que inteiras equipas de trabalho estudam nos detalhes para proporcionar uma imagem pública cada vez melhorada e atraente da pessoa que se pretende promover. Uma dessas formas é a promoção mediante vitimização.

O paradigma vitimista consiste em vitimizar um indivíduo (que pode ser uma figura já conhecida ou não), geralmente sem culpa, ou protagonista de crimes de importância pouco significativa, diante da opinião pública. A reação desta última é quase que imediata: produção de emoção colectiva e solidariedade para com a vítima. Nos casos mais sofisticados, a vitimização desagua num verdadeiro “programa de acção”, que consiste na solidificação de uma mentalidade nova – e nos conseguintes efeitos práticos –, como piedade, caridade ou até procura de justiça.

Os polícias que mandaram parar o edil de Quelimane, Manuel de Araújo, juntamente com o pessoal diplomático que o acompanhava, certamente que nada sabiam dessa especial técnica de propaganda política. Eles, simplesmente, executaram “ordens superiores”, actuando, portanto, de forma “cega”, ou seja, sem calcular as consequências políticas que isso podia trazer. E tais consequências foram consideráveis: larga parte da imprensa condenou a brutalidade do gesto, colocando a questão de como é possível que o representante de um povo, o de Quelimane, juntamente com outros representantes de outros povos residentes em Moçambique, os embaixadores dos países europeus envolvidos na pedalada pela cidade, tenham sido intimados de parar com esta inocente actividade. A imprensa internacional amplificou ainda mais o episódio, corroborando-o com os vídeos que – não por acaso – foram filmados aquando da iniciativa da PRM em Quelimane, e da forma dialogante escolhida por parte de Araújo para procurar solucionar a questão. Finalmente, o caso foi tratado até na Assembleia da República, com uma intervenção muito acalorada e pontual de Alberto Ferreira, parlamentar da Renamo que usou a sua dialéctica filosófica para criticar e ridicularizar ainda mais o excesso de zelo por parte da PRM de Quelimane.

Com efeito, no acto da polícia está espelhada toda a arrogância de um poder (o judiciário, representado pelo seu braço mais visível, a polícia) contra um outro (o executivo, que incarna os cidadãos, mediante o presidente de um conselho municipal democraticamente eleito). Já, esta imagem de dois poderes que se contrapõem depõe a favor do poder mais fraco, ou seja, de Araújo, que por sinal representa o povo de Quelimane. A isso deve-se acrescentar a desproporcionalidade dos meios: quer quanto ao transporte (Araújo tinha uma bicicleta, os polícias carros enormes), quer ao facto de os polícias terem uniformes com armas, ao passo que o edil de Quelimane trazia roupa modesta, e quase que se confundia com os cidadãos presentes na cena, em termos de postura assim como de vestuário. Finalmente, o tipo de abordagem usado por parte de Araújo: educado, respeitoso, sem nunca levantar a voz, mas bem determinado em defender a sua escolha, ao passo que os polícias articulavam seu raciocínio mediante uma linguagem ao mesmo tempo burocrática e arrogante, dando ordens e quase que nem querendo ouvir as motivações do Araújo.

Se o edil de Quelimane tivesse estudado uma maneira para se tornar ainda mais famoso do que ele é, provavelmente não teria encontrado uma forma melhor, a não ser a que os polícias de Quelimane conseguiram disponibilizar, involuntariamente, para ele.

Hoje, Araújo é o paladino do seu povo: uma pessoa que gosta tanto da sua cidade que resolveu convidar embaixadores de importantes países europeus a visitá-la, uma pessoa que faz isso não mediante carros de luxo, escoltados por uma fila de outros carros para se proteger do povo, mas mergulhando-se com este povo que o elegeu, andando de bicicleta, o meio mais usado em Quelimane para o transporte individual; e uma pessoa que não reage de forma mal-educada ou até violenta diante das intimações de um outro poder (o judiciário, através da figura dos polícias), mas procura dialogar com este, explicando as razões da sua iniciativa e a ausência de perigo que isso implica.

Em suma, uma publicidade a custo zero, que projectou a imagem de Araújo a nível nacional, fazendo dele uma figura de que, hoje, todos os Moçambicanos vão se lembrar por causa da acção como mínimo inoportuna por parte da polícia de Quelimane. Araújo e a Renamo agradecem…

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