SUSTENTA: Um crescimento “histórico” sem reacção do mercado

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  • Preços continuam a disparar e quase tudo ainda é importado

O Ministério de Agricultura e Desenvolvimento Rural (MADER) publicou, semana passada, o seu relatório de balanço da campanha agrícola 20/21, que destaca um crescimento “histórico” de 8,2 por cento, um incremento superior à média de 3,1 por cento registada nos últimos 10 anos. É o triunfo numérico do Sustenta, no entanto, apesar do desempenho histórico do sector, principalmente nas hortícolas, onde o documento destaca um crescimento de 29 por cento, os dados do Índice de Preço do Consumidor (IPC) publicados mensalmente pelo Instituto Nacional de Estáticas (INE), retratam um cenário comum, típico das ofertas das épocas da colheita. Um outro detalhe do relatório é a metodologia usada, que apesar de ser admitida pela FAO trás resultados não auditáveis.  Ademais, no período em que foi feita a demarcação das parcelas, contagem de plantas e medição de rendimentos (Outubro de 2020 e Abril de 2021), os extensionistas não haviam ainda iniciado as actividades e maior parte dos Pequenos Agricultores Emergentes (PACEs) não haviam recebido equipamentos, insumos ou mesmo qualquer tostão do dinheiro prometido, o que fez com que trabalhassem a terra com meios próprios.

Os números do balanço são surpreendentes e animadores, depois do Ministério ter tido dificuldades para vencer as queixas dos envolvidos em todas as cadeias em que o Sustenta intervém, desde agricultores do sector familiar, PACES e extencionistas, alguns dos quais só desceram ao campo há pouco menos de dois meses, depois de terem assinado contratos em Novembro de 2020 e termos de início de actividades em Abril de 2019, passando depois por um período longo sem salários.

Mesmo com todos os problemas registados, enquanto o Plano Económico e Social (PES 2021) projectava um crescimento do sector agrícola na ordem de quatro por cento, o MADER diz ter superado a meta, atingindo um crescimento de 8,2 por cento, contra os três por cento da campanha anterior.

Segundo o Ministério que nos últimos anos tem dispensado entidades independentes na pesquisa, monitoria e avaliação das suas actividades, a área de produção da Campanha Agrária 20/21 foi de 5,7 milhões de hectares, representando um crescimento de 3,9% face a campanha passada, sendo que a produção agrícola ocupou cerca de 15,8% da área agrícola potencial do país, de cerca de 36 milhões de hectares e os cereais e as leguminosas, principais culturas de segurança alimentar e de renda das famílias, representaram cerca de 80% da área plantada na presente campanha agrícola.

Na mesma campanha, o balanço indica que foram integrados cerca de 299 891 agregados familiares em programas de fomento (cerca de 599 782 pequenos produtores), “beneficiando cerca de 3 milhões de moçambicanos”.

“Este registo marca um crescimento do número de produtores integrados em políticas de fomento (Cadeias de Valor) em 49,1% face à campanha passada. Com destaque para a implementação do Programa Nacional de Integração da Agricultura Familiar em Cadeias de Valor (SUSTENTA), que beneficiou 56 040 agregados familiares (112 080 pequenos produtores)”, descreve o MADER, no documento que deverá ser actualizado no primeiro trimestre de 2022, com base na evolução produtiva do último trimestre de 2021, com destaque para os subsectores pecuário, hortícola e frutícola.

MADER diz que os produtores do SUSTENTA tiveram acesso a assistência integral (acesso à assistência técnica, acesso ao financiamento de insumos agrícolas) por intermédio de 543 Pequenos Agricultores Comerciais Emergentes (PACEs) e 181 fomentadores directos (extensionistas).

É desta assistência, conjugada com aplicação do pacote tecnológico (semente, fertilizante e agroquímicos), que resultou o aumento de produtividade e produção, segundo o MADER.

Contudo, no período em que foi feita a demarcação das parcelas, contagem de plantas e medição de rendimentos (Outubro de 2020 e Abril de 2021), os extensionistas não haviam ainda iniciado as actividades e maior parte dos Pequenos Agricultores Emergentes (PACEs) não haviam recebido equipamentos, insumos ou mesmo qualquer tostão do dinheiro prometido, o que fez com que trabalhassem a terra com meios próprios, o que desmonta a narrativa do sucesso avassalador do Sustenta.

A indiferença do mercado

Depois do seu lançamento na Zambézia, esta é a terceira campanha agrícola sob umbrela do Sustenta e, apesar do MADER apresentar números animadores, o mercado ainda não reagiu à tão propalada abundância da oferta.

Numa verificação superficial dos IPC, constata-se que o mercado não tem reflectido os números anunciados pelo MADER. Por exemplo, no que refere à variação acumulada no Índice de Preços ao Consumidor (IPC), que tem como referência os dados recolhidos nas Cidades de Maputo, Beira e Nampula, o INE destaca que durante o primeiro semestre do ano em curso, numa leitura abrangente, o País registou um aumento de preços na ordem de 2,53%. Destacando, entre outros, “o aumento dos preços do tomate, do óleo alimentar, do arroz em grão e do frango morto”.

Dados de Junho, quando comparados com os do mês anterior, indicam que o País registou uma deflação na ordem de 0,52 por cento, quando no mesmo período do ano anterior foi de 0,55 por cento.

O documento destaca, entre outros produtos, nas hortícolas (onde MADER destas grandes ofertas, com um crescimento de 29%), a queda dos preços do tomate em 8,7% contra 9,6 da campanha anterior, da cebola em 11,3% contra 5,8, da alface (23,8%), da couve em 13,4% contra 4,6 e do coco em 8,6%.

Em sentido contrário, arroz em grão, hasteado como bandeira nesta campanha, teve uma tendência de aumento (1,3%). Ou seja, a queda dos preços de hortícolas, que são quase todos aqui ilustrados importados, foi própria da época (Junho), que se entende como meses comercialização.

Números não auditáveis e sujeitos a erros

Apesar de triunfalistas, os dados do MADER não são auditáveis. É que são “estimativas” que se baseiam em dados colectados com base num inquérito por amostragem bietápico, que inclui, na primeira etapa, a selecção de aldeias e, na segunda etapa, a selecção de famílias que serão abrangidas pelas visitas de campo.

“A medição de rendimento consiste na instalação aleatoriamente no interior da machamba do produtor de duas parcelinhas de 7m X 7m (FAO,1992), onde são colectados dados referentes ao número de plantas, espigas/vagens e peso do produto (grãos) para a interpolação do campo todo”, lê-se no documento.

O mesmo levantamento foi feito durante o processo produtivo, nos intervalos de Outubro a Novembro de 2020 – demarcação das parcelas, contagem de plantas e Fevereiro a Abril de 2021 – medição de rendimentos.

O MADER reconhece que as indicações da pesquisa também estão sujeitas a erros não amostrais, como omissão, duplicação, imputação de dados ausentes e erros na comunicação, registo e processamento dos dados.

 

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