Luca Bussotti
Existem várias maneiras para interpretar as mudanças em dois Ministérios chave que o PR efectuou: o Ministério do Interior e da Defesa. À primeira vista parece uma medida que faz sentido, e até tardia, considerando as dificuldades enormes que quer a polícia, quer o exército mostraram nas suas diferenciadas frentes de luta. Raptos que não param e corrupção em alta, por um lado, ausência de iniciativas e derrotas no terreno de Cabo Delgado por outro, acentuadas pelo brilho com que os soldados do Ruanda conseguiram reconquistar Mocimboa da Praia e outras importantes localidades que durante meses tinham ficado nas mãos dos insurgentes.
Outra leitura pode evidenciar o momento de dificuldade deste governo, forçado (provavelmente mesmo em razão das pressões dos aliados no terreno de Cabo Delgado) a mudar dois ministros entre os mais relevantes do executivo, com boatos de que a mudança poderá abranger o próprio SISE, assim como aconteceu anteriormente com o SERNIC.
Seja como for, o dado objectivo com que os moçambicanos se depararam é o seguinte: as duas nomeações feitas revelam uma precisa aposta em técnicos de alto perfil, mais do que em políticos. O novo ministro da Defesa era comandante do exército e militar de carreira, ao passo que a nova ministra do Interior era diretora-geral do Serviço Nacional da Migração. As referências para essas duas figuras são boas ou até excelentes, portanto não está em causa, aqui, a sua competência técnica. O que está em causa, pelo contrário, é o tipo de escolha feito por parte do PR ao lhes nomear como ministros. Os comentários dos demais até foram favoráveis, independentemente da pertença ou simpatia política para este ou aquele partido. Mas a questão é um pouco mais complexa.
Com efeito, o Estado moçambicano está organizado segundo uma divisão bastante nítida entre quem deve tomar decisões (o governo, a partir do Presidente da República, o Primeiro Ministro e os demais ministros) e quem deve executar na melhor maneira possível tais orientações (os funcionários). Geralmente, trata-se de duas carreiras, dois perfis, duas filosofias de trabalho separadas, que dificilmente poderão se misturar ou cruzar. Entretanto, periodicamente, temos assistido à nomeação de técnicos em lugares políticos de grande importância, por exemplo, os ministérios. Ivo Garrido, médico de profissão, foi nomeado anos atrás como ministro da Saúde; Carlos Mesquita, titular da empresa de transporte TCM, já foi ministro dos Transportes e Comunicações, ao passo que agora temos um militar a chefiar o Ministério da Defesa, e uma polícia, o Ministério do Interior. Esses casos todos, muito diversos entre eles, remetem, no mínimo, a duas questões: 1. Será que alguém, que de forma particular e cuidando da parte operacional de um certo sector, tem a capacidade política para dirigir o mesmo sector como ministro? 2. Será que – quer no caso de um empresário, quer de um alto funcionário do Estado – não haverá conflito de interesses ao assumir uma pasta política?
Estas duas inquietações não têm resposta, embora o contínuo recurso a figuras “técnicas” para ocupar lugares políticos cimeiros provoque perplexidade. Com efeito, o problema não consiste tanto na valorização dos melhores quadros técnicos disponíveis, quanto na dificuldade em selecionar um pessoal político adequado para ocupar lugares políticos estratégicos. Ademais, parece que em quase todos os sectores da vida pública são justamente os quadros técnicos com mais competências em relação ao pessoal político. Se os primeiros, em muitos casos, se formaram mediante um percurso académico claro, por vezes até com experiências no estrangeiro, o pessoal político parece ter conseguido ocupar posições de chefia através da pertença ao partido no poder, a uma família poderosa, em suma, a uma série de pertenças a grupos e organizações que não necessariamente dizem respeito ao critério da competência (política). Independentemente da ideia que cada um de nós possa ter, o fim da escola de partido da Frelimo – e o fim da própria Frelimo como partido, tendo-se tornado um conjunto de grupos de interesses que pouco se preocupam com a vida pública do país – deixou o país desprovido de uma classe política com um mínimo de formação específica. Diante deste vazio, é compreensível que o PR opte por nomear técnicos de alto perfil: os quais poderão não ter uma visão política, mas pelo menos terão conhecimentos específicos do sector chamados a dirigir; o que vale sempre mais do que o vazio da suposta classe política.
Apesar da evidente derrota que a política sofreu com estas nomeações, não nos resta desejar aos dois novos ministros um trabalho excelente, esperando que consigam perceber a diferença entre um óptimo chefe de repartição e o coordenador político de uma parte da vida pública de um país complexo e em situação de dificuldade como Moçambique.
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