Afinal! EMATUM nunca foi viável

DESTAQUE ECONOMIA POLÍTICA
  • As mentiras de Cristina Matavele
  • Em 2015, em entrevista ao Notícias, disse que a empresa era viável, é uma questão de tempo
  • Agora diz que começou da morte

Uma figura quase que misteriosa. Entrou na sala confiante, respondeu às questões sorridente e suas “inquestionáveis” respostas fizeram o juiz Efigénio Baptista ponderar abrir um processo autónomo contra o declarante Apolinário Panguene, sem que seja considerada uma acareação entre ambos. Chama-se Cristina Matavele, antiga presidente do Conselho Executivo (PCE) da EMATUM, uma figura controversa, que em sede do tribunal tratou de desmontar sua própria narrativa de 2015, em que jurou de pés juntos que “a EMATUM é viável, é uma questão tempo”. Afinal, tudo não passou de uma “mentirinha” por conveniência das circunstâncias. Aquela empresa caloteira, na qual chegou a receber 400 mil meticais mês, nunca foi viável, segundo a sua nova versão, e já nasceu predestinada a morrer.

Reginaldo Tchambule

Corria o rigoroso inverno de Maio, quando numa entrevista publicada pelo Jornal Notícias em 2015, a então PCE da EMATUM, Cristina Matavele, ao estilo dos governantes moçambicanos, desdramatizou toda a desconfiança que havia na altura em torno da viabilidade e seriedade do negócio de uma das três empresas usadas para a contracção das dívidas ocultas, no valor de mais de 2.2 mil milhões de dólares norte americanos (USD).

Na entrevista, Cristina Matavele assegurou que está ligada à EMATUM desde a sua criação, sendo que “os primeiros meses foram de criação de condições técnicas e administrativas para o seu funcionamento. Em 2014, recebemos as primeiras embarcações e a 5 de Dezembro começámos com as operações pesqueiras”.

Mas na semana finda, em sede do tribunal, com um sorriso ensaiado no rosto, desmentiu sua própria narrativa, revelando que, afinal, não foram criadas condições técnicas e administrativas como disse em 2015, quando ainda tinha a situação sob seu controlo.

Afinal, a EMATUM começou mesmo da morte. Chegaram, primeiro, os barcos, antes da criação de condições mínimas para o seu funcionamento. A empresa não tinha marinheiros, nem pescadores especializados na pesca em linha.

“São essas questões que eu costumo dizer que a EMATUM começou do fim, porque as embarcações deviam ter vindo no fim, depois de preparar estas questões todas, ou seja, com instalações, sala de processamento, sala de comando, com pessoas formadas, mas a EMATUM começou da morte”, disse Cristina Matavele, a mesma que havia garantido, em 2015, que “os primeiros meses foram de criação de condições técnicas e administrativas para o seu funcionamento”.

Num “à vontade” incomum diante daquele temido tribunal, Cristina Matavele revelou que foi necessário contratar pilotos estrangeiros para operar os primeiros barcos da EMATUM que se fizeram ao mar.

Uma empresa “viável” com números que desafiam toda ciência de gestão

Na entrevista de 2015 ao Notícias, Cristina Matavele disse que os custos que a empresa estava a registar estavam dentro do previsto e chegou a declarar que a dificuldade de gerar lucros estava relacionada   

“Não costumamos perder tempo com polémicas porque temos muito a trabalhar. Uns até perguntam porque é que estão a ter prejuízos. Eu nunca vi uma empresa que começa com lucros. Devo esclarecer que os nossos custos estão dentro das previsões e é normal ter prejuízos nesta fase, porque estamos a pagar contas… Temos enfrentado barreiras de penetração no mercado por causa da concorrência com embarcações estrangeiras, que querem ser elas a abastecer os seus países. O que me entristece nisto é que muitos vão na onda das polémicas e não vêem que os nossos recursos estão a ser dilapidados por pessoas de fora que pescam e não deixam nada em Moçambique. Mas penso que com o tempo as pessoas vão mudar de mentalidade”, disse na altura.

Lembre-se que na entrevista de 2015, Cristina Matavele, chegou a referir que a empresa é viável e atirou-se contra todos que questionavam a sua viabilidade económica, alegando que no ramo empresarial o segredo é a alma do negócio.

“Em termos de capacidade, a EMATUM é a única empresa moçambicana com frota desta envergadura (24 barcos). Os nossos barcos estão equipados com uma tecnologia de ponta, a capacidade dos porões é alta e existe atum em quantidade suficiente. Agora estamos a fazer peixe congelado porque ainda não podemos fazer peixe fresco, uma vez que ainda não temos pessoal preparado. O peixe fresco é muito delicado. Mas quando evoluirmos, dentro de meses, para o peixe fresco, as nossas receitas vão crescer”, disse na altura.

Em contradição com as suas declarações anteriores, diante do juiz, Cristina Matavele mudou de narrativa e diz que os custos para a manutenção, seguro e operacionalização dos 24 barcos de pesca, sendo 21 atuneiros e três arrastões para a captura de lula, a servir de isca para o atum, eram extremamente altos.

“Este custo é alto porque a factura dos barcos era alta, indexada ao preço do fabricante. Cada barco custava um milhão de dólares por ano de seguros e nem todos os barcos estão assegurados porque já não havia dinheiro. Há barcos que estão descobertos. Agora os barcos estão sem seguros”, revelou, ao tribunal, Cristina Matavele, que durante todas as suas declarações dedicou-se a desmontar também as declarações do seu antigo PCA, António Carlos do Rosário.

Só em seguros, a EMATUM pagava à Empresa Moçambicana de Seguros (EMOSE) cerca de 44.000 dólares por trimestre por cada barco, uma factura que era directamente indexada ao preço supostamente subfacturado da compra de cada embarcação, no valor de 22,3 milhões de dólares.

Como se tal não bastasse, a taxas de atracação eram de 258 dólares por dia, por cada barco, o que acabou custando ainda mais caro à empresa, pois mesmo no período em que experimentou ir ao alto mar passavam mais tempo amarrados no cais que na pesca, até porque, segundo revelou, nem capacidade de manter-se com a autonomia recomendada, de 28 dias, as embarcações fornecidas pela PrivInvest tinham.

Nem isco tinha e o estudo de Viabilidade? … mandaram ver na internet

Apesar de ter feito várias vezes o estudo de viabilidade na sua entrevista retro mencionada, no tribunal, Cristina Matavele, durante todos os seus anos como gestora da EMATUM, nunca teve acesso ao estudo de viabilidade daquela empresa e, segundo ela, quando solicitou-o, o super PCA, Antonio Carlos do Rosário, terá respondido “vai consultar o estudo de viabilidade na Internet”.

A declarante conta que fez buscas na internet e não encontrou nenhum rasto do estudo de viabilidade, justamente quando queria neste instrumento encontrar respostas para resolver um problema bicudo, relacionado com a falta de isco do atum, nas águas moçambicanas.

É o tipo de lula que deve servir de isca ao atum, não existe nas águas territoriais moçambicanas. Numa primeira fase foi importada da Europa, mas devido aos elevados custos acabou sendo substituído por carapau, que acabou sendo uma má opção.

Outro problema que Cristina Matavele apresentou, e bate com as suas declarações na entrevista, tem a ver com a capacidade reduzida para acomodar tripulantes. É que o fabricante as acondicionou com apenas capacidade para seis pessoas, contudo, dada a natureza do trabalho (arrastar atum de até 200 quilos) era necessário o dobro de pessoal.

Informada sobre essa anomalia, de acordo com Cristina Matavele, a Privinvest, que segundo um outro declarante não era um cliente normal, mandou passear a empresa e sem sequer reagir à inquietação da parte moçambicana acabou despachando os outros barcos para Moçambique,  com as mesmas anomalias.

Uma declarante de afirmações inquestionáveis?

Durante a sua audição, Cristina Matavele não só desmascarou algumas das suas narrativas de 2015, como também comprometeu a defesa do seu antigo chefe na EMATUM. Mas, mais do que isso, é que as suas declarações podem transformar o seu outro antigo chefe de declarante a réu.

É que, um dia antes de ser ouvida, o ex-Presidente do IGEPE, Apolinário Panguene, afirmou que durante uma das visitas à sede da EMATUM, a gestora, Cristina Matavel, não permitiu a sua entrada na cave, porque é supostamente lá onde se encontrava o equipamento de segurança.

Confrontada com estas declarações, a antiga PCE da EMATUM negou categoricamente esta alegação, que considera uma mentira vergonhosa. Acrescentou que A empresa não tem cave e que ela nunca viu armas naquelas instalações ou mesmo nas embarcações.

“Não sei por que ele me escolheu para isso. O PCA do IGEPE mentiu vergonhosamente. Panguene era meu superior hierárquico: como poderia eu negar-lhe o acesso? De resto, o edifício da Ematum não tinha cave”, atirou, enfactizando que não é verdade que os barcos da EMATUM tinham a componente de segurança.

E porque os declarantes são proibidos de mentir, o juiz Efigénio Baptista prometeu verificar as declarações de Apolinário Panguene para aferir se este mentiu ou não, prometendo que, caso fique provado que ele mentiu, mandará extrair cópias para se dar lugar à necessária responsabilização criminal, sem, aparentemente, levantar a possibilidade de Cristina Matavele estar, mais uma vez, a mentir.

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