- Há barulho no novo mercado de peixe e frango
- Não houve transparência na distribuição dos quiosques
- “Fomos obrigadas a assinar contratos sem nenhum direito a negociação”, denunciam
A escassos dias da inauguração do tão prometido Mercado de Peixe e Frango, as vendedeiras estão de costas voltadas com a edilidade devido à taxa de três mil meticais que devem pagar mensalmente pela ocupação dos quiosques, ao mesmo tempo que denunciam a falta de transparência na distribuição das mesmas. No entanto, o Conselho Municipal da Cidade de Maputo defende que é uma taxa aproximada da realidade, porque, do contrário, estas pagariam entre 4500 e 5000 meticais.
Duarte Sitoe
Em Setembro de 2020, o Conselho Municipal de Maputo proibiu a venda de magumba e frango na praia da Costa do Sol, tendo retirado as mais de 200 vendedeiras do mercado informal, com a promessa de que em Dezembro do mesmo ano teriam um mercado formal, no quadro de uma parceria com a Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA), avaliado em 70 milhões de meticais.
Mas como tem sido apanágio, os dois meses que a autarquia prometera aquando da retirada e destruição das bancas das vendeiras de frango e peixe viraram um ano. Em Dezembro do ano passado, não havia uma única estaca sequer no lugar onde havia sido prometido o mercado do peixe e frango. Somente este ano é que começaram a ser construídos os contentores que corporizam o projecto, e tudo indica que poderá ser inaugurado em Dezembro deste ano.
Porém, há uma onda de indignação no seio das vendedeiras, no que respeita à distribuição dos quiosques e a taxa que deverão pagar mensalmente. É que as vendedeiras, que antes não pagavam nenhuma taxa, agora têm de pagar três mil meticais para continuarem a desenvolver a sua actividade e gerar renda para as suas famílias.
Mas há também a probabilidade da existência de uma empresa que se dedicará à distribuição e lavagem de pratos, o que poderá resultar em custos adicionais. Ao que tudo indica, uma empresa de “gente grande” estará envolvida na operação, a comer directamente do pacato negócio de pobres vendedeiras.
“Quando nos tiraram daqui, não negamos. Pensávamos que a situação fosse durar apenas um mês, mas não. Há vários anos que sustentamos nossas famílias através do negócio de frango e magumba, por isso, durante mais de um ano, vivemos condicionadas. Hoje, abriu-se uma nova janela de esperança, mas estamos divididas entre a alegria e a tristeza. Estamos felizes por saber que teremos um espaço para continuar a fazer o que vínhamos fazendo nos últimos anos, mas o valor que o município cobra nos inquieta”, lamentou Judite Magaia.
A inquietação surge pelo facto de a edilidade cobrar uma taxa mensal de três mil meticais pela ocupação e continuar titular dos referidos quiosques.
“São três mil meticais que temos que tirar em cada final do mês e, pelo que consta, a barraca continuará a ser do município. Preferimos que o município determine um período no qual vamos pagar a referida taxa e posteriormente as barracas reverterem para nós. Com este modelo de gestão, estaremos a atirar sementes para uma machamba pavimentada”, reivindica Judite.
Madalena Francisco, outra mulher que desde a adolescência dedicou sua vida a trabalhar na Costa do Sol como vendedeira de frango, acusa a edilidade de querer encher os bolsos à custa do sofrimento das vendedeiras, tendo lembrado que desde Setembro do ano passado que estão sem trabalhar e, na primeira oportunidade, a edilidade apresenta um plano de extorsão.
“Com a eclosão da pandemia, muitas mulheres viraram marginais. Passamos dificuldades porque dependíamos deste negócio para sustentar as nossas famílias. Hoje, há uma luz no fundo do túnel e estamos felizes com isso. Mas não concordamos com a forma como o município nos tratou. Fomos obrigados a assinar contratos para ter as bancas, quem não assinou contrato não teve barraca. Como queremos trabalhar aceitamos, mas acho que o município devia se preocupar mais com as pessoas do que com o dinheiro, está mais que claro que este mercado é mais uma iniciativa para enriquecer os nossos dirigentes”, denuncia.
Falta de transparência na distribuição das barracas
Ao todo, foram 209 vendedeiras retiradas do mercado informal, no qual vendiam frango e magumba, em Setembro de 2020, com o pretexto de que seriam distribuídos quiosques no novo mercado. Entretanto, o novo mercado só tem 100 barracas e o processo de distribuição, segundo as vendedeiras, não foi claro.
Anacleta Machiane foi uma das vendedeiras que não foi contemplada na distribuição das bancas e acusa a edilidade de falta de transparência nos seus processos.
“Não sei o que será de mim. Quando nos tiraram do antigo mercado garantiram que todas teríamos bancas, mas quando chegou o momento foram escolhidas pessoas que são conhecidas e nós fomos excluídas. Não temos emprego e dependemos deste negócio para sobreviver. Pedimos ao município para cumprir a sua promessa”, sustentou.
Por outro lado, Machiane considera que a ideia de juntar entre três e quatro vendedeiras no mesmo contentor vai criar clivagens dentro do mercado, uma vez que estarão a vender os mesmos produtos.
“Para taparem o sol com a peneira, disseram que vamos dividir os quiosques, mas essa ideia para mim não é válida, tendo em conta que o espaço é pequeno e quase vendemos os mesmos produtos. Somos parceiras de longa data e cada qual vai ao mercado para alimentar a sua família. Essa ideia de dividir o espaço vai criar confusão. O município deve cumprir com o que prometeu e distribuir bancas para cada vendeira.
Quem também ficou frustrada por ter sido excluída do processo da selecção das vendeiras que receberam barracas é Georgina Matavele, que diz não ter condições para pagar a referida taxa.
“Acho que não fui escolhida porque não tenho condições de pagar os três mil meticais que querem no final do mês. Para a minha realidade, esse valor é insuportável. Vendendo magumba terei dificuldades para juntar esses três mil meticais, mas isso não pode ser justificação para o município nos excluir. Sempre vivemos desta actividade. Como vamos fazer para sobreviver?”, questionou Matavele.
Comissão satisfeita, mas…
Adélia Joaquim é uma das vendedeiras mais antigas do antigo mercado informal. Com mais de trinta anos a fazer os seus negócios naquele local, Joaquina, como é carinhosamente tratada pelos seus clientes, actualmente faz parte da Comissão das Vendedeiras do Mercado e mostrou radiante por ver uma das promessas de Comiche cumprida, mas declara que ainda quer ver alguns aspectos clarificados.
“Estamos a muito tempo a trabalhar neste mercado, construirmos casas e levamos os nossos filhos para a escola através deste negócio. O mercado é bem-vindo, mas os contratos que assinamos não são claros, porque vem que mensalmente temos de pagar três mil meticais de taxas. Não digo que esse valor é muito ou pouco, queremos que clarifiquem durante quanto tempo vamos pagar essa taxa e se depois as bancas serão nossas”, indagou.
Adélia Joaquim, que preferia que o município estipulasse uma taxa fixa para as barracas reverterem para as vendeiras, adiantou que haverá uma partilha do espaço com as vendedeiras que não foram contempladas, mas observa que ainda tem muito espaço para se construir mais quiosques.
“Não estamos a negar, mas por quanto tempo devemos pagar, eles não estão a ser claros. O que vai acontecer com aquela vendeira que não tiver o valor no final do mês? Assinamos o contrato porque não temos alternativa, mas queremos que o município nos diga em quantos anos devemos pagar a taxa para que as bancas sejam nossas”, apelou.
“A taxa foi ajustada para a realidade das vendeiras”- Município
Reagindo às reivindicações das vendedeiras, o Conselho Municipal da Cidade de Maputo, através do director municipal adjunto de Mercados e Feiras, César Cunguara, justificou que a taxa de três mil meticais servirá para a manutenção do novo Mercado de Peixe e Frango.
“O mercado tem um conjunto de despesas para a manutenção e é dever de quem o usa pagar uma taxa que vai suportar as mesmas. Neste mercado, estamos a assumir um modelo primário e inovador, onde vamos conceber a gestão ao sector privado, que, por sua vez, tem de ir buscar dinheiro para a manutenção, e as taxas que as vendeiras vão pagar são as taxas por ocupação do espaço”, sustenta.
Segundo Cunguara, a postura municipal estabelece que em qualquer mercado o vendedor deve pagar uma taxa única de ocupação de espaço e acrescenta que a taxa dos três mil meticais por mês está ajustada à condição económica e social que as vendedeiras se encontram neste momento.
“A taxa única servirá para cobrir as despesas do funcionamento do mercado, que é de aproximadamente quatro e cinco mil meticais. Esse seria o preço ideal, mas reduzimos até três mil, para que a taxa seja aproximada à realidade das vendedeiras, porque ficaram mais de um ano sem exercer as suas actividades”, defende.
Cunguara reconheceu que a partilha poderá trazer constrangimentos, contudo desdramatiza, dizendo que, anteriormente, as vendedeiras ocupavam espaços bem mais reduzidos.
“Há 100 quiosques e existem acordos para que sejam albergadas as 209 vendedeiras, ou seja, nalguns quiosques haverá partilha. Os espaços que algumas ocupavam no anterior mercado não tinham um metro. Hoje, estamos a sugerir que em alguns quiosques haja ocupação de duas vendedeiras e nos próximos dias faremos uma jornada de formação para as vendedeiras sobre gestão de vendas, stocks, fluxo de caixa, associativismo, empreendedorismo, para que de forma profissional possam partilhar o que for possível”, sustentou.
Instado a falar sobre a empresa que dedicar-se-á a distribuição e lavagem de pratos, o representante do Conselho Municipal de Maputo disse que é apenas uma proposta que ainda carece de uma discussão com as vendedeiras.
“O regulamento do funcionamento do mercado ainda não está aprovado. Existe um esboço da proposta do regulamento do mercado e entendemos que a partir deste regulamento haverá uma série de discussões e averiguações para se ter o regulamento final. Neste regulamento, há certas obrigatoriedades para ambas as partes, mas ainda não foi fechada em função daquilo que podemos verificar no dia-a-dia das actividades. Há várias questões organizacionais. Como mercado formal, temos que controlar o horário de entrada das mercadorias, isto vai regular também o funcionamento do mercado, para que não haja entrada e saídas de qualquer maneira”, concluiu.
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