A falta de informação, medo ou receio em se apresentar a uma unidade sanitária, o tempo de espera nos locais de atendimento e a falta de disponibilidade, constituem desafios na prevenção, tratamento e retenção dos homens nos serviços de saúde. Como resultado, grande parte dos homens só procuram as unidades sanitárias já na sua fase terminal ou quando a doença já tiver atingido um estágio difícil de tratar.
Neila Sitoe
A equidade de género faz parte do quinto objectivo de Desenvolvimento Sustentável, dos quais Moçambique é signatário, que advoga a participação plena e igual, e o acesso das mulheres e dos homens à saúde, educação e ao emprego.
Todavia, comparativamente às mulheres, os homens continuam a não aderir de forma voluntária aos serviços de saúde para rastreio, diagnóstico e tratamento de doenças, algumas das quais crónicas.
Vários estudos mostram, por exemplo, que os homens têm menos acesso aos serviços de aconselhamento e testagem para HIV (Cornell et al, 2011), e têm a tendência a procurar cuidados de saúde nos estágios mais avançados da doença e com piores prognósticos, o que pode gerar alto custo para o Sistema Nacional de Saúde.
A falta de acesso à testagem e ao tratamento, o estigma, a falta de conhecimento em relação ao HIV/SIDA, as barreiras legais e políticas dificultam a prevenção do HIV e o TARV, principalmente em adolescentes rapazes e nas populações-chave (CNCS, 2015).
Para além disso, quando os homens iniciam o TARV têm taxas de adesão aos cuidados e tratamento muito baixas, o que resulta em alta taxa de morbimortalidade por HIV após o início do tratamento (Stringer et al, 2006). De uma forma geral, em Moçambique, a cobertura de TARV no ano 2017, entre homens com 15 anos ou mais, foi de 42%, em comparação com 63% entre as mulheres (Dados do PNC ITS-HIV/SIDA-2017). Há necessidade de focar-se nas estratégias que aumentem o diagnóstico e acesso dos homens aos cuidados e tratamento de HIV.
Para reverter o cenário, o governo, em parceria com organizações de saúde e da sociedade civil, promove campanhas de engajamento masculino na saúde, prevenção e tratamento de doenças, entretanto, os homens têm sempre uma desculpa para adiar a ida ao hospital. Casos há de homens que quando tem sintomas de alguma doença pedem as esposas e parentes próximos para lhes representar no hospital, ou seja, apresentarem ao médico os sintomas dos seus companheiros, que só recebem a medicação em casa.
Manuel Zeca, de 45 anos de idade, residente no bairro de Maxaquene, na cidade de Maputo, diz ser um homem muito ocupado para despender o seu tempo na unidade sanitária. Quando sente alguma dor, prefere dirigir-se a farmácias privadas, onde o seu problema rapidamente é resolvido.
“Quando estou incomodado, peço a minha mulher ou aos meus filhos para comprarem medicamentos na farmácia. Sou um homem forte, rapidamente fico curado”, disse Manuel Zeca, um jovem natural de Mandlakazi, que acredita que as mulheres tendem a frequentar mais as unidades sanitárias em relação aos homens porque são frágeis, sensíveis e tem tempo de sobra para o fazer.
“As mulheres ficam grávidas e neste período devem frequentar constantemente os hospitais, depois de darem parto devem levar os bebés para o peso, e como mães é dever delas, sempre que os filhos estiverem doentes, levá-los ao hospital, nós homens, nosso dever é trazer sustento para a família e em nenhum momento devemos nos dar ao luxo de parar com essa missão para ir ao hospital”, defendeu.
Campanhas de engajamento masculino na saúde
Por conhecer as dificuldades e desculpas que vários homens têm, para aderirem aos serviços de saúde, o governo, em coordenação com organizações de saúde e da sociedade civil, decidiu implementar campanhas de engajamento masculino nos serviços de saúde.
Estas campanhas têm por objectivo promover o envolvimento de homens nos cuidados de saúde, eliminar a falta de informação por parte dos homens, o medo ou receio em se apresentar a uma unidade sanitária e reduzir o tempo de espera nos locais de atendimento.
Para Victor Cossa, técnico de saúde e ponto focal de engajamento masculino no Distrito Kamaxaquene, a falta de informação por parte dos homens, o medo ou receio em se apresentar numa unidade sanitária e os tabus e mitos sobre masculinidade fazem com que os homens pensem que não precisam aderir aos serviços de saúde.
“Todos os seres humanos são susceptíveis a contrair doenças, por isso tanto homens como mulheres devem dirigir-se às unidades sanitárias quando necessário. Nem tudo podemos resolver sozinhos, por vezes necessitamos de apoio das outras pessoas”, disse.
O técnico de saúde acrescentou que os profissionais desta área estão preparados para lidar com diversas situações e tratando-se especificamente do homem, quando se detecta que o problema de saúde que tem necessita de exames que se deve despir ou mostrar as partes íntimas, por exemplo, se estiver a ser atendido por uma enfermeira e não se sentir à vontade, reencaminham-no para um enfermeiro.
“Nas unidades sanitárias, há gabinetes de engajamento masculino, que são para tratar homens que apresentam infeções ou problemas que não se sentiriam confortáveis em ser observados por profissionais do sexo feminino. Estes gabinetes foram criados com o objectivo de atender pacientes do sexo masculino, onde eles vão se expressar de forma livre, de homem para homem e sem tabus”, frisou.
Escondeu o seu estado serológico e chegou ao hospital debilitado
Zaimiro Zimba, de 40 anos de idade, é residente no bairro Polana Caniço. Trabalhava na vizinha África do Sul, onde contraiu infecção pulmonar devido a natureza do seu trabalho. Durante o tratamento da infecção descobriu que era portador do HIV/SIDA, mas manteve-se muito tempo calado, por medo de perder a esposa, mas quando esta ficou grávida foi também diagnosticado o vírus de HIV/SIDA.
“Em 2016, a minha saúde começou a ficar debilitada e a minha mulher levou-me ao hospital, e como ela estava grávida, para garantir que o nosso filho não nascesse com SIDA, ela começou a fazer tratamento. Durante as consultas, uma activista do Centro de Colaboração em Saúde (CCS) convidou-me para fazer parte das palestras de engajamento masculino nos serviços de saúde, onde aprendi com vários homens que é dever do homem proteger e cuidar da família e contribuir para o seu bem-estar, levando os seus filhos e esposa para o hospital em caso de algum problema de saúde, e agindo assim eu estava a me tornar um homem campeão”, disse.
Quem também se considera homem campeão é Tiago Machava, de 25 anos de idade, residente no bairro de Hulene. Quando tinha oito anos de idade, seu tio levou-o ao hospital e descobriu-se que ele era portador do vírus do HIV/SIDA e passou a medicar diariamente. Mas quando chegou a fase da juventude, iniciou a vida sexual e porque tinha medo de ser discriminado não revelava o seu estado, colocando a sua vida e das suas parceiras em risco.
“Na juventude senti a necessidade de ter uma namorada e sempre mantínhamos relações sexuais protegidas, mas depois de um tempo ela insistiu que queria manter relações sexuais sem protecção e acabei cedendo, mas sempre senti peso na consciência, por estar a colocar a vida dela em risco e a minha também, separei-me dela, fiquei deprimido e com a auto-estima baixa, de tal forma que já nem me interessava com a minha saúde”, contou.
A depressão que Tiago tinha fez com que ele se excluísse da sociedade, no entanto, numa das suas consultas na unidade sanitária, foi recomendado que participasse das palestras e rodas de conversas de engajamento masculino nos serviços de saúde e demais temáticas na Kutenga (organização de base comunitária).
“Participar das palestras de engajamento masculino ministradas pela Kutenga, em parceria com as organizações de saúde, fizeram com que tivesse a oportunidade de conhecer novos jovens, fui percebendo que estava a ser negligente com a minha própria saúde e decidi seguir com o tratamento sem tabus e receio. Tenho apoio dos meus familiares e me considero um homem campeão”, considera.
Homens campeões adoptam práticas de masculinidade saudáveis
Para Denilia Mateus, coordenadora de engajamento masculino da Kutenga, homem campeão é aquele que adopta práticas de masculinidade saudáveis, participando activamente para o bem-estar da sua família e colabora para o envolvimento massivo de outros homens nesta causa, que ainda tem receio em se fazer a unidade sanitária por negligência, vergonha ou certas crenças.
“Os homens que ainda não aderem aos serviços de saúde, é por negligência e por não quererem aceitar que precisam de ajuda e de mudar de comportamento. E esse é um dos maiores desafios que enfrentamos no engajamento masculino, porque os homens têm informação, mas preferem confiar nos mitos e tabus que lhes foram incutidos quando nasceram”, afirmou.
No distrito de Kamaxakeni, o engajamento masculino iniciou em 2019 e estima-se que mais de cinco mil homens já aderiram aos serviços.
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