Marcha agressiva e sanguinária para ocupar vacatura de Daviz Simango

POLÍTICA SOCIEDADE
  • Apoiantes de L. Simango e Manuel Domingos em constantes ameaças
  • M. Domingos recusa-se e não presta contas ao MDM desde que assumiu o cargo do SG
  • Simango reage sua relação com a Frelimo, mas seus apoiantes continuam violentos
  • Silvério Ronguane com menos chances de se eleger, mas vai até ao fim

É já no próximo final de semana que o MDM irá se reunir em 3º congresso, na Beira, para eleger o próximo presidente do Partido, que deverá ocupar o cargo deixado por Daviz Simango, que perdeu a vida em Fevereiro. No momento em que o partido mostra-se fragilizado, os apoiantes de Lutero Simango e Manuel Domingos, na cidade da Beira, o reduto do MDM, têm recorrido à violência em defesa dos seus candidatos. Além destes dois nomes, concorre também o Silvério Ronguane, que tem apoio de alguns membros de Maputo, cuja expressão não se tem feito sentir. Havia uma certeza dentro do MDM, de que Ronguane ia desistir no decorrer do processo, mas este mostra-se determinado.

O Chefe da bancada parlamentar, o Secretário-Geral e o deputado, Lutero Simango, Manuel Domingos e Silvério Ronguane, respectivamente, são os candidatos à presidência do MDM, um trio que apesar de partilhar o mesmo partido, a ambição de conduzir os destinos do terceiro maior partido da oposição deixou ficar as diferenças e o sentimento de intolerância, pondo em causa o legado de Daviz Simango ou a máxima do Moçambique para todos.

Desde que foi lançado o terceiro congresso do MDM, iniciou no meio do partido uma marcha marcada pela violência, intimidações e acusações graves, protagonizadas pelos apoiantes de Lutero Simango e Manuel Domingos. O mais recente episódio obrigou a intervenção da comissão nacional de jurisdição.

É que dia 7 de Agosto passado, um grupo de apoiantes de Lutero Simango agrediu membros que apoiavam candidatura de Manuel Domingos, o que viria culminar com a destituição forçada do presidente da liga juvenil do MDM, em Sofala, Muchica Madeira Dos Santos, e para o seu lugar foi indicado Albino Mussendo. Nesta sequência, um membro de nome António Musindo foi também agredido fisicamente em plena reunião do partido, por ter mostrado resistência em entregar as chaves da motorizada em apoio ao Dos Santos, destituído durante a violência. Foi um episódio que, semana passada, teve o reparo da Comissão Nacional de Jurisdição do partido, que decidiu reconduzir Dos Santos ao cargo de presidente da liga juvenil do MDM ao nível da cidade da Beira, em deliberação com número nº03/ MDM /CNJ/2021.

A comissão nacional de jurisdição é órgão máximo e deliberativo do partido MDM, que funciona como tribunal interno, zela pela legalidade e fiscalização de todos os actos de órgãos do partido, e compete ao órgão dirimir todos conflitos de natureza jurídico estatutário que emergem nas relações de vários órgãos do partido e a sua decisão não é recorrível.

Na deliberação que tivemos acesso consta, na alínea b, “considerar nula e de nenhum efeito a medida de suspensão tomada pela direcção da liga juvenil de Sofala pelo vício de usurpação de competências, por quanto, cabe exclusivamente nos termos estatuários a comissão nacional de jurisdição a aplicação de quaisquer medidas disciplinares”.

José Domingos recusa-se a prestar contas

Enquanto se fala de violência num lado, os grupos que apoiam Lutero Simango têm acusado Manuel Domingos de não prestar contas ao partido, o que, de acordo com estes, indicia roubo e desvio de bens. É que desde que assumiu o cargo de Secretário-Geral, apesar da pressão para fazer inventários dos bens do partido e apresentar as contas, este nunca o fez.

Com a morte de Daviz Simango, José Domingos foi pressionado no último Conselho Nacional para prestar contas, de modo a se conhecer o património do Partido, mas limitou-se em promessas de que ia fazer.

É o único que teve problemas na organização da documentação, num primeiro momento viu sua candidatura rejeitada e teve que submeter pela segunda vez depois de sanar orientações da comissão eleitoral. É uma Comissão formada por pessoas próximas de Lutero Simango, alguns são familiares, mas o grupo de apoio ao chefe da bancada parlamentar afirma que o partido é que elegeu essas pessoas, em reuniões conduzidas pelo próprio Secretário-Geral.

José Domingos é o único candidato que está na gestão no partido, mas até aqui não mostrou a sua capacidade de liderança e trouxe os piores resultados de sempre nas últimas eleições para o MDM, onde na AR, dos 17 assentos, o partido só conseguiu seis assentos. 

Foi, igualmente, no seu período em que grandes figuras abandonaram o MDM, com acusações de que aquele era um partido nepotismo, um regulado da família Simango, todos que saíram do MDM no mesmo período foram juntar-se à Renamo.

As ambições de Manuel Domingos, na voz dos seus adversários, não é de levar o partido a Presidência, mas conseguir presidir a cidade da Beira, lembre-se que após a morte de Daviz Simango, José Domingos tinha pastas organizadas para assumir a presidência do município, distraindo-se do facto de que a substituição de um autárquico é por via da lista.

Lutero Simango politicamente rico, mas… o passado inglório persegue

Lutero Simango, com suporte de “violentos e intolerantes”, é o candidato com mais apoios nas bases, além de ser o candidato com mais história política, mas é uma carreira não triunfalista. Aliás, tem muitas chances de se eleger à presidência do MDM, para ocupar o cargo deixado por seu irmão, o que em alguns corredores cristaliza a ideia de que o MDM é um regulado, estando muito longe da máxima de que o MDM é um partido para todos. Um outro detalhe é que dos três candidatos nenhum deles é jovem.

Lutero Simango é membro fundador e presidente de um outro partido político, denominado Partido de Convenção Nacional (PCN), que, segundo apurou o Evidências, junto da Conservatória dos Registos Centrais não foi legalmente extinto e este ainda figura como fundador e membro número um.

Junto da Conservatória dos Registos Centrais, o Evidências teve acesso à certidão de registo do PCN, que confirma que este ainda não está extinto e que o seu fundador e membro número um é Lutero Chimbirombiro Simango.

O partido PCN de Lutero Simango foi fundado nas vésperas das primeiras eleições multipartidárias em 1994, nas quais não conseguiu nem sequer cinco por cento dos votos. Nas segundas eleições de 1999, esteve coligado com a Renamo, junto com outros nove partidos, perfazendo a famosa Renamo-União Eleitoral. Daí em diante apenas passou a ser “partido James Bond”, uma referência que se faz a partidos sem escritórios e que funciona na pasta dos seus dirigentes.

Actualmente, acomodado no MDM, Lutero Simango não comenta publicamente sobre o seu partido, mas aquando da expulsão do Daviz Simango da Renamo, em 2009, que culminou com a sua candidatura independente, chegou a receber convite do Partido de Convenção Nacional (PCN), mas este declinou-se.

Consta que Daviz Simango não comungava dos mesmos ideais com o PCN, embora por muito tempo foi também associado ao referido partido. Preferiu aliar-se, na altura, ao grupo cívico reflexão e mudança para fundar as bases do seu próprio partido, que viria a designar-se Movimento Democrático de Moçambique.

Depois de entrar no MDM, Lutero Simango não formalizou sua saída no PCN e nem extinguiu aquele partido. A não extinção do partido pode ser uma via de manter o património que hoje é ocupado pelo MDM, trata-se da sede nacional do partido em Maputo e sede da cidade, na Av. Angola.

A margem desse percurso, a figura do Lutero Simango é associada a Frelimo, e não foi poucas as vezes em que figuras máximas da Frelimo foram vistas em convívios na casa de Lutero Simango. Porém, semana passada, reagiu afirmando que ele não tem relação com a Frelimo. Aliás, há vozes que defendem que algumas ambições dos dirigentes da Frelimo poderão ser viabilizadas por Lutero Simango.

“Tem havido muita poeira contra a nossa candidatura. Já está a acontecer, porque isso faz parte da democracia interna. Primeiro, ouvi dizer que Lutero Simango está a fazer a sua campanha com apoio da Frelimo”, começou prosseguindo que quem assim pensa não conhece a história do país, “pois o que eles não sabem é que os seus pais foram mortos pela Frelimo’’ e esses que não conhecem a história “não podem governar o país’’.

“Nós temos de respeitar a estrutura interna. Não queremos que os nossos membros sejam desrespeitados. Se quisermos construir o nosso partido tem que haver respeito entre nós’’, afirmou Lutero Simango, realçando que caso seja eleito presidente do partido vai promover um recenseamento interno.

Ronguane não desistiu

Silvério Ronguane, com menos apoios e menos inserção no partido, é o único sem narrativas polémicas. Até porque a candidatura dele é vista como acompanhante, com menos chance de se eleger e há quem acredite que ele viria a renunciar ao longo do processo e tomar uma posição nos dois lados. Mas não desistiu, depois que foi o primeiro a anunciar a intenção de se candidatar à presidência do MDM.

O MDM foi fundado em 2009, por Daviz Simango e foi através dele que concorreu às presidenciais e legislativas daquele mesmo ano. Ficou em terceiro lugar nas presidenciais e conseguiu eleger oito deputados à Assembleia da República (AR), acabando com a bipolarização entre a FRELIMO e a RENAMO – a que o MDM se referia como “coligação Frenamo” – no Parlamento.  

Daviz Simango voltou a concorrer às eleições gerais de 2014 e 2018, renovando o terceiro lugar e, com o seu partido, elegendo deputados. Em 2018, teve o pior resultado de sempre.

Ao nível do poder autárquico, voltou a vencer no município da Beira em 2013 e 2017, tornando-se o autarca com mais anos na presidência de um município em Moçambique. Daviz Simango morreu no dia 22 de Fevereiro, na África do Sul, depois de sofrer uma paragem cardíaca.

Facebook Comments