A cumplicidade dos leitores

OPINIÃO

(Com Eterna Saudade ao Querido Amigo e Colega de “outros tempos”, o Jornalista Calane da Silva)

Afonso Almeida Brandão

Os leitores são a razão óbvia de quem escreve. Em cada jornal, o leitor tem as suas preferências, procura, mal o abre e depois de dar uma vista de olhos pelos cabeçalhos, aquilo que mais o interessa, a coluna que mais o cativa.

Lentamente, estabelece com o autor desse espaço um sentimento de amizade e de entendimento. É por isso que quando compramos um jornal que não é aquele a que nos habituamos sentimo-nos perdidos, como numa casa estranha, onde não sabemos o lugar de nada.

Para quem escreve, também há “essa” ligação afectuosa, certa, testemunhada, a servir-nos de pretexto. Porque os leitores mandam-nos recados, poemas, palavras de desacordo, opiniões, por vezes insultos, fotografias, postais, solidariedade, pedidos, lamentos.

Há muitos leitores anónimos, mas mesmo quando assinam, permanecem cheios de pudor, mistérios, assim como quem estende a mão, mas têm medo que lhes roubem os dedos. Porém, quase todos servem “de ponte para unir as margens” entre quem escreve e quem lê, em que a solidão, por vezes, precisa ser compartilhada. Os leitores são a razão que nos impele quando nos apetece desistir, escapar aos compromissos, ignorar a hora do fecho do jornal.

Há os leitores certos (como a artista Leonor Veiga, Salomão Moyana, o poeta Heliodoro Baptista Júnior, Vasco Fenita, Alexandre Chiure ou o Editor Manuel Leitão das Colecções PALETA, o Prof. José Ribeiro Soares, de Évora, ou ainda o Coronel Luís de Albuquerque, ex-Director do Museu Militar de Lisboa, e também o Prof. Dr. Joaquim Saial, Mestre em História de Arte e consagrado escritor, que nos acompanham semanalmente. Os ocasionais. Os que nem imaginávamos que nos lessem, os que nos olham com ternura, com um sorriso cheio de Sol quando casualmente se cruzam connosco, os que trocam palavras segredadas com os companheiros do lado que nos reconhecem à mesa do café ou quando estamos a passar por aqui ou por acolá, depois de terem visto a nossa foto no cabeçalho da secção que assinamos, reportagem ou entrevista publicada no jornal para onde trabalhamos ou simplesmente colaboramos.

Os leitores comovem. Por exemplo, há uma senhora de um Centro Comercial de Maputo que, um dia, me mostrou uma caixa cheia de recortes de tudo que publiquei no Semanário SAVANA, no DEMOS de boa recordação e, mais recentemente, através do Semanário EVIDÊNCIAS; o engenheiro que me escreve dizendo simplesmente que é feliz, tem uma mulher que adora e um filho lindo. Aquele outro leitor a dizer-nos que por vezes fica emocionado e com lágrimas nos olhos quando lê alguns textos mais intimistas que escrevemos e que mais não passam de meras Memórias e de factos vividos noutros tempos, como, por exemplo, as Evocações que dediquei aos meus queridos e saudosos amigos, Ricardo Rangel, Hilário Matusse, à Lina Magaia, ao Abel Faife ou ao músico Chico Conceição — tempos das nossas deambulações terrenas. Escreve para partilhar a felicidade. O que é raro, é bonito.

Tão bonito! Há a Rosa Chapote, que não põe remetente, mas vai dando sinais; a funcionária dos Correios, que me diz “estou sempre com atenção à sua crónica para ler as suas histórias e as verdades que escreve com frontalidade; às vezes, custa-me a perceber, são palavras sem enredo e estou quase no fim do artigo e ainda não entendi o objectivo real das suas palavras… Depois, nas últimas linhas, é que vem qualquer coisa que me ajuda a compreender o sentido das suas palavras, que me ajuda a perceber tudo, mas gosto mais das outras, daquelas que o senhor escreve “pão-pão-queijo-queijo”. Sou de poucos estudos — confidencia-nos — e gosto de ler tudo pelo seu nome”; há também a Eva Trindade, conhecida locutor da TIM, em Maputo, que me envia SMS a dizer que gostou muito de ter lido a crónica que escrevi sobre o escritor Mia Couto. E alguns responsáveis políticos que “não perdem” os artigos que escrevemos e publicamos; o ministro que nos envia uma mensagem através de “correio electrónico” a dizer que nos admira e que continuemos sempre objectivos e que não percamos a lucidez, não obstante sermos contundentes; há ainda aquele senhor reformado que se lamenta de terem aumentado tanto o copo de leite e o pastel de nata que costumava tomar na Pastelaria Pérola, na baixa de Maputo, e era o único luxo que lhe restava na Vida e teve de deixar.

Também a leitora de 75 anos, que faz poemas e me pergunta se parecerá mal, apesar da idade, de se lembrar tantas vezes do “seu primeiro amor”. Em suma, são inúmeros testemunhos silenciosos que nos chegam (ou são transmitidos de “viva-voz” pelo telefone). A coluna (ou apenas o espaço da página) do jornal em que nos fixamos é, assim, uma espécie de “jardim público” com bancos verdes e sol morninho, onde é bom e apetece estar e conversar.

Para nós, o leitor que nos espera na tabacaria, na esplanada, à entrada do centro comercial, na livraria, na recepção do Hospital Central de Maputo, na eventual viagem de comboio no início de fim-de-semana, é o IRMÃO que não temos, o AMIGO que, possivelmente, temos, mas está demasiado ocupado quando se procura.

O leitor que, regularmente, compartilha connosco o sonho, a loucura, o relato, a ficção, a recriação do quotidiano, as lágrimas que, às vezes, não conseguimos disfarçar, ou o Sorriso, a Ironia, que deixam rastos no que escrevemos é, cada vez mais, a confirmação  de uma UTOPIA que há muito me serve de pretexto: AS PALAVRAS, QUANDO HONESTAS E AUTÊNTICAS, PODEM SER O PASSAPORTE PARA O ENTENDIMENTO QUE TODOS DESEJAMOS E DE QUE SOMOS TÃO CARENTES.

O leitor anula a tristeza e o vazio de certas horas. Reinventa a fraternidade que os noticiários da televisão ou da rádio pretendem eliminar da face da Terra. Hoje, no meu pequeno jardim, nasceu a primeira violeta. É pequeníssima, mas deixou-me as mãos perfumadas de alegria porque fui eu que a semeei.

Aqui fica para si, leitor certo das crónicas que escrevo semanalmente, quer seja adolescente, jovem, mulher ou homem. Pendure-a na lapela. Ou guarde-a  simplesmente no fundo da mala de ombro ou do bolso do casaco ou mesmo debaixo do braço. Tem um perfume discreto. Mas persistente.

Uma Boa Semana para todos! E também para os meus colegas de jornada que assinam os seus habituais artigos de opinião para este dignificante semanário que é o EVIDÊNCIAS. Os seus nomes — sem qualquer ordem aparente — aqui ficam, em termos de homenagem e agradecimento! São eles Luca Bussotti, Teodósio Camilo, Dionildo Tamele e os colegas da chefia da direcção e corpo redactorial, respectivamente, os jornalistas Nelson Mucandze e Reginaldo Tchambule.

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