Falta de alternativas

OPINIÃO

Luca Bussotti

Já não há muita gente, em Moçambique, que está satisfeita com a governação da Frelimo. Satisfeita no sentido próprio, por convencimento político e não por mera conveniência pessoal. O que está se passando no país ao longo dos últimos anos está mais do que claro, desde a insurgência em Cabo Delgado, uma crise económica iniciada muito antes da pandemia, mas que a pandemia tem acentuado, esquemas corruptivos difusos e que estão mostrando a sua cara mais simbólica no processo das dívidas ocultas, a falta de inclusão social de inteiros grupos sociais e étnicos: isso tudo deveria levar, numa situação de democracia efectiva, ao sério risco, do lado de quem governa, de perder as próximas eleições. A própria comunidade internacional, que durante muitos anos considerou a Frelimo como o único interlocutor para Moçambique, virou as costas, cortando o Budget Support e iniciando a ter uma postura crítica para com o governo do dia.

Esta perspectiva, hoje, simplesmente não existe. Apesar de uma Frelimo dividida no seu próprio interior, as oposições estão a levar uma existência ainda pior. A Renamo, depois da morte de Dhlakama, perdeu o rumo da sua acção política. Com Dhlakama, principalmente ao longo dos últimos anos, a agenda política era ditada pela Renamo, com a Frelimo a tentar conter as exigências de Dhlakama e dos seus camaradas. Iniciando com a ameaça de dividir o país, Dhlakama depois transformou esta palavra de ordem num programa de acção política, que se tem concretizado com uma reforma constitucional que, pelo menos em parte, conseguiu acatar as propostas do maior partido de oposição. A Frelimo, na altura, quase que não tinha uma agenda própria, e seu único objetivo era limitar as propostas avançadas – em termos de descentralização, reforma do Estado, separação dos poderes e fim da sobreposição partido-estado – pela Renamo. Tentativa que, em parte, foi bem sucedida, introduzindo verdadeiros vulnus jurídicos e políticos, como os secretários de estado a nível de cada província. Apesar desses ajustes, estava claro quem é que ditava a agenda política do país: a Renamo.

Com o falecimento de Dhlakama, o quadro mudou por completo: a Renamo sofreu uma cisão com a constituição da Junta Militar liderada por Mariano Nhongo, e a sua liderança deixou de fazer propostas que visassem orientar a política moçambicana. De repente, os pontos principais se tornaram os que a Frelimo tinha como sua agenda política principal: sinteticamente, a “normalização” da Renamo, mediante DDR e outras medidas colaterais, entre as quais a eliminação de Nhongo.

O outro partido da oposição com assentos parlamentares, o MDM, depois do falecimento de Daviz Simango tem passado dias ainda piores. O congresso que tem levado, nesses dias, à eleição de Lutero Simango é a demonstração disso. Irregularidades, candidaturas retiradas, listas não claras, em suma, um leque de contradições que deixa transparecer quanto pouco credível seja o MDM como organização política, neste momento. De agenda, depois, nem se fala, assim como não se recordam, nos últimos anos, batalhas sobre pontos qualificantes por parte do MDM. Resta a ver qual será a orientação do novo MDM de Lutero Simango em mérito ao futuro de Moçambique: em termos institucionais e constitucionais, quando a Frelimo irá propor a mudança constitucional para abrir ao terceiro mandato, ou à eleição indirecta do Presidente da República, quando irá pedir para adiar a eleição dos administradores, prevista para 2024; em termos de divisão dos poderes: qual o grau de independência da esfera política e, portanto, do executivo, do poder judiciário? O actual processo das dívidas ocultas está mostrando que esta independência é muito limitada…Qual é o posicionamento do MDM em volta disso?

Nas próximas semanas veremos qual será o posicionamento quer da Renamo quer do MDM em volta destes pontos todos; o que parece certo é que será ainda a Frelimo, apesar das suas divisões e má governação, a ditar a agenda política, procurando conseguir os próprios interesses – que nem sempre coincidem com os interesses públicos –, graças também à escassa capacidade de proposta política das oposições. Por isso é que em Moçambique a ideia de uma alternativa ao actual governo parece longínqua e pouco realística, pelo menos de momento e diante desta composição do lado das oposições.

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