“Vivemos uma ditadura das piores” – Salomão Muchanga

POLÍTICA SOCIEDADE
  •     Em entrevista de antevisão do Comité Executivo Nacional da ND
  • “Nova Democracia está em todo o país e vai concorrer em todas eleições”
  •     “Nossa missão é remover o regime para dar dignidade e felicidade ao povo” 
  •     Salomão Muchanga não fecha porta a uma provável coligação da oposição

O movimento Nova Democracia (ND) vai, esta semana, reunir-se em Conselho Executivo Nacional, a reunião mais importante daquele partido antes do Congresso agendado para o próximo ano. A este pretexto, o Evidências conversou longamente com o líder da ND, que garantiu que em 2023 e 2024 o partido vai concorrer em todas eleições, ou seja, autárquicas, presidenciais, provinciais e legislativas, tendo como foco remover o regime actual para dar dignidade ao povo moçambicano. Nas entrelinhas, analisa a situação política, social e económica do país, tendo destacado que o país atravessa a maior penúria de todos os tempos, liderado por um regime que se comporta como herdeiro imediato do Estado colonial. Aliás, chega mesmo a referir que, actualmente, vivemos uma ditadura das piores, que tem na execução sumária da crítica o seu escape. Convidado a analisar os resultados das últimas eleições em que participou, Muchanga foi peremptório: “aquilo não foram eleições. Um partido só não faz eleições democráticas. Prendem, batem, matam, membros de outros partidos e no fim atribuem um número de votos que querem aos outros e a comunidade internacional aplaude”. Acompanhe, a seguir, os excertos mais importantes.

Reginaldo Tchambule

A Nova Democracia vai, a 17 e 18 do mês corrente, realizar um Conselho Executivo histórico que antecede o Congresso do próximo ano. O que se pode esperar desta reunião?

– O Comité Executivo é um órgão de interpretação ideológica e orientação política até ao congresso. Vamos discutir a situação política, económica e social do país, validar as teses do congresso a serem enriquecidas em debates aos vários níveis das províncias e num diálogo estruturante com os mais variados sectores da sociedade e igualmente analisar a implantação e a pulsação do partido em todo o país.

Não há revolução sem factor ideológico para fertilizar a adesão profunda e colectiva à causa. Um sentimento de pertença a esta justa causa. Fazer de Moçambique um país de inclusão, repartição justa da riqueza nacional e justiça social onde o estado se reencontra com os Direitos humanos.

Pelo que foi partilhado no lançamento deste evento, vão participar cerca de 150 delegados de todo o país. A Nova Democracia já está implantada em todo o país?

– A Nova Democracia é de todo o país. Temos representações em todas as províncias do país. Há uma mobilização geral em curso. Mulheres e homens em acção para fortalecer um projecto político autónomo, que sintetiza e organiza as aspirações de gerações inteiras, conferindo um carácter consciente às formas de luta do povo oprimido, nas cidades e no campo, pensando nas próximas eleições. Estamos galvanizados e o trabalho militante em todo o país nos enche de orgulho.

Que decisões poderão sair do Conselho Executivo Nacional?

Nesta reunião, vamos definir as linhas de preparação do congresso a realizar-se próximo ano em Nampula e constituir o gabinete do Congresso, o congresso da libertação dos moçambicanos.

Vamos sair da reunião com teses que vão orientar o programa político da Nova Democracia, a teoria da mudança. Também temos de reforçar a coesão, a identidade e ampliar a influência  do partido para garantir a  ascensão revolucionária.

Estamos a construir métodos de luta. Tenho dito que quando os objectivos da luta são claros e usando métodos justos alcança-se resultados extraordinários.

Não tem sido cultura dos partidos sem representação no parlamento manterem-se activos em períodos não eleitorais. Por que decidiram quebrar a regra, ou seja, participar na vida política do país, reunir regularmente e realizar o seu Congresso?

– A Nova Democracia não é um evento, é uma agenda. Não é uma força eleitoral, é uma força político-ideológica engajada na vida pública nacional. Não nos apoiamos numa conjuntura, apoiamo-nos em propósitos inabaláveis.

“Um partido só não faz eleições democráticas”

No seu ano de estreia, a Nova Democracia conseguiu em apenas quatro meses conquistar a simpatia dos jovens e tornou-se no quarto partido mais votado. Como avalia este percurso?

– Aquilo não foram eleições. As eleições para serem democráticas precisam ser competitivas. Um partido só não faz eleições democráticas. Prendem, batem, matam membros de outros partidos e no fim atribuem um número de votos que querem aos outros e a comunidade internacional aplaude. Mas ainda assim estamos firmes, saberemos defender os interesses da revolução.

A Nova Democracia é um fenômeno de esperança. Uma plataforma organizacional da mudança. Carregamos a chama da liberdade como o fim último da Democracia.

Em 2019, a Nova Democracia concorreu apenas para as eleições legislativas. Que Nova Democracia teremos em 2023 e 2024?

– Vamos concorrer em todas eleições. Aqui, trata-se de remover o regime para dar dignidade e construir a felicidade do povo. É a missão.

Se recebesse um convite para coligação dos partidos da oposição para derrubar o regime, aceitaria?

– A Nova Democracia vê oportunidade nas dificuldades que a oposição enfrenta. Temos clareza da pertinência de uma frente ampla da posição. Teríamos de aceitar um diálogo estruturado, sem substituir o projecto autónomo da Nova Democracia.

No coração de cada moçambicano habita a esperança de mudança real e ter-se-á de erguer a voz e dizer tempo de vencer. Há que reavivar o sonho enterrado na jazida da oligarquia.

“Este regime comporta-se como herdeiro imediato do estado colonial”

Caminhamos já a meio do segundo mandato do presente ciclo de governação. Que análise faz do país, sob o ponto de vista político, social e económico?

– O país atravessa a maior penúria de todos os tempos. Este regime comporta-se como herdeiro imediato do estado colonial. A independência não é mudar de bandeira e cantar um novo hino com miséria, tanta miséria, pobreza extrema e uma violência permanente contra o povo.

Socialmente, assistimos a um definhar de toda uma sociedade, em que os valores de ética, cidadania, direitos e deveres são pontapeados por quem deveria os garantir, e a instituição social se transformou e foi tomada de assalto, dependendo de quem detém o poder para se falar de sociedade, nos termos que lhe interesse e não necessariamente na expressão real da manifestação social da nossa sociedade.

Os direitos das maiorias são policiados e caçados diariamente, não havendo o que mencionar para referir aos direitos sociais em Moçambique.

A nível político todos os direitos foram capturados. Usam a estrutura da política pela coerção excessiva e intimidatória, alienando qualquer protecção de uma sociedade aberta. Não há direitos para ninguém e qualquer acção política e mesmo esta nossa é policiada e caçada diariamente, para a fazer desacreditar, manipular e torná-la inoperante, havendo até o risco de vida do qual não temos como protelar, porque quem deveria garantir é à mesma entidade que a tomou de regresso nesta confusão chamada partido Estado.

Não há exercício de direitos fundamentais e básicos, por exemplo, o direito às manifestações, constituídas por lei e na Constituição da Repúblico, é pisoteado todos os dias. O uso coesivo da força foi privatizado e acometido ao serviço do partido Estado.

Não existe um convívio político saudável e toda a acção política é desenhada e a perseguição política a membros de partidos políticos é o instrumento para silenciar e intimidar a acção política.

Para fazer política séria, devem, as organizações políticas, reinventar mecanismos e formas para que sua acção funcione, enquanto as instituições políticas do partido Estado podem manifestar-se livremente no contexto da Covid-19, que ultimamente tem sido usado para justificar a proibição à manifestação dos cidadãos e organizações cívicas e políticas.

A nossa economia cedeu! Não tem como sobreviver nas condições de limitação por motivos da Covid-19 e pela crise financeira de 2019, que veio recair sobre uma economia doente e que caminhava empurrada.

Não existe, neste país, uma política estruturante da economia e não é possível ver isso, salvo a pequena e média indústria de capitais estrangeiros que tem feito o esforço para assegurar a economia. A produção agrícola e global de factores não tem sido instalada e desenvolvida a contento de dar ar à economia. Tudo que é indústria em território nacional  deve-se a capitais estrangeiros, o que coloca os moçambicanos em situação de incapacidade de realizar investimentos na economia.

Nos últimos dias temos sido bombardeados com estatísticas que mostram resultados de produção agrícola fabulosos e, inclusive, fala-se da redução da fome e da insegurança alimentar. Como é que se justificam esses números num contexto de pandemia e num país cuja parte do orçamento é direccionado à guerra?

– Propala-se e nas tais plataformas consta que os níveis de produção melhoram, mas a questão é: onde é que esta economia está reflectida porque os níveis de pobreza extrema estão lá, a subnutrição está lá, as mortes por doenças causadas pela desnutrição estão lá, o desemprego está cada vez mais acentuado, o custo de vida disparou que o próprio Estado prefere olhar de lado e fazer de contas, muitas empresas fecharam por falência e incapacidade de se autofinaciar ou de buscar financiamento ao crédito e milhares de profissionais perderam seus empregos e renda às suas famílias.

De que economia, de que combate a fome, de que produção global, de que produção agrícola este governo se refere?

Pois, assistimos a espectáculos programados por entidades públicas que mobilizam sempre os mesmos recursos, para cada evento audiovisual em nome de investimento nesta área, numa estratégia de vender o que não há, por simples propaganda política enganosa.

A quem beneficia tal desenvolvimento económico?

– Impossível considerar as informações que circulam neste sentido, pois, a ser verdade, os mercados estariam inundados de produto nacional, mas o tomate, cebola, alho, batata, frutas diversas, cereais e etc, continuam a vir da vizinha África do Sul, Zimbabwe e Malawi, Ásia e o resto do mundo. Então é difícil aferir onde realmente incide ou sobre o quê tais resultados produzem efeito multiplicador ou de redução de necessidade e baixa de preços de produtos de primeira necessidade, que seria o farol para indicar que realmente há produção, fazendo efeito na balança de pagamentos, mas o que se assiste é um acelerar de importações das quais até começa a escassear meios financeiros para as administrar.

É bastante falacioso e é costume nas politiquices do partido estado. Não nos surpreende que, no tal dia e hora, nos seja dito: em lugar de deixarmos de importar produtos de origem agrícola, que se diga quem quiser comer arroz de qualidade que importe sozinho da Singapura e China ou outro destino, porque já não temos capacidade de importar. Tudo pode acontecer.

Partido Estado capturou a polícia a título privativo para humilhar manifestantes

Vários índices internacionais destacam uma certa deterioração da democracia, liberdades e direitos no nosso país. E um dos direitos que é sempre posto em causa é o de reunião e manifestação. Que país estamos a construir?

– Gravíssimo, mas com este regime normalizou-se o anormal. Um Estado de liberdades vê-se pelo manifestar dos seus cidadãos, em que seus direitos de associação, reunião e greve são garantidos em termos de segurança pelo Estado.

Aqui a situação é diferente, senão contrária. O Estado posiciona-se contra, sempre que se pretenda manifestar em conflito directo com os manifestantes, usando do poder coercivo que capturou a título privativo para o partido Estado, para humilhar e ultrajar as entidades manifestantes e a sociedade.

Aqui, o direito à manifestação toma ou foi transformado em obrigação ao luto. Sim! Se vais manifestar pacificamente deves estar preparado para ser humilhado pelo Estado partido, e isso acontece naturalmente, sem remorso e culpabilidade.

Olhe só no que se tornou o nosso sector de justiça, um importante instrumento do contrabalanço dos poderes, em capacho do poder executivo, numa tripartição do poder em que, para Moçambique, no topo da pirâmide está o poder executivo do partido Estado, que atropela a granel qualquer tentativa de legitimidade.

Não dá nem para falar em termos humorísticos de liberdade de manifestação, ou outro qualquer tipo destas matérias, absolutamente nada. Vivemos uma ditadura das piores, dissimulada e que tem na execução sumária da crítica o seu escape.

Às vezes temos de fazer das tripas o coração, para mobilizar as pessoas a perceberem que são igualmente cidadãos de direito e que precisamos nos erguer como um todo, para acabar com a anarquia que se vive neste país.

Fala-se de uma provável revisão constitucional ou um arranjo político para manter Filipe Nyusi no poder. Acha que há condições para que tal aconteça? 

– Certamente que esta realidade não deixa dúvidas que haja, por intenção, conjecturas que se fazem em fim de mandato. É a síndrome de fim de mandato e já foi assim, nas vésperas do fim de mandato do antigo dono da caneta, mas a realidade foi mesmo que terminou com o fim do seu mandato e sua expectativa de governação.

Não há condições. Terminou e saiu. Não! Mesmo com toda a incapacidade de se auto avaliar, não consigo imaginar um partido que se sacrifique a tanto e não vejo que ele consiga ter a influência suficiente, mesmo com assessoria do homem alto (risos – numa referência a Paulo Kagamé) para criar e fazer acreditar, que é por um bem maior que propõe. Mas pode ser o único quesito de se proteger pela imunidade, ou alguém muito próximo dele, ligado a um dos Ministérios, tenha muito medo de sair do poder.

Há uma ideia quase generalizada, de que a oposição só faz críticas à governação e nunca aponta soluções. Qual é a visão da Nova Democracia e que tipo de Moçambique teremos, se um dia assumir os destinos do país?

– Uma realidade que não se pode duvidar é que o poder do dia não aceita sugestões e propostas de oposição alguma, então é falaciosa a noção de que a oposição não contribui. Para que uma proposta seja aceite é preciso que haja abertura para tal e não é caso do poder do dia.

A Nova Democracia defende inclusão e justiça social, bem como a participação de todos na vida do país. Não é possível governar sem envolver quem vai beneficiar melhor que ninguém, são as entidades que melhor sabem dos problemas e das soluções, cabendo, e por função técnica, o alinhamentos dos sectores responsáveis.

Melhoria legal do ambiente de negócio e do acesso a investimentos às pessoas, comunidades e corporações, num contexto de abertura total ao investimento e se a colaboração da banca ou entidade financeira dificultar este desiderato, prescindir a sua existência em nosso mercado, porque se capta financiamento para entregar aos amigos e não para desenvolver a economia essa banca não serve aos Moçambicanos e qualquer governo responsável deve orientar e se não chega a concórdia prescinde.

O essencial será governar para a satisfação das colectividades e eliminar os maiores problemas sentidos pelas populações, criando e engendrando estratégias que visam melhorar, primeiro, a vida dos cidadãos, das populações, da economia, da política e da sociedade em geral.

Recentemente, vimos um Conselho de Administração que gere pensões dos moçambicanos a distribuir entre si mordomias chorudas, num contexto de austeridade. Que mensagem os decisores e dirigentes políticos estão a transmitir?

– Olha! Primeiro, o INSS não tem dinheiro para festas e açambarcamentos. O dinheiro depositado no INSS é da contribuição social dos trabalhadores nacionais, para seguro social obrigatório.

O que se observa é um desvio desusado e um assalto a uma instituição de interesse do trabalhador, para uma quadrilha que afecta de tempo a tempo àquela instituição.

Não existe dinheiro do INSS, existe naquela instituição a vida, o trabalho, o sacrifício e a abnegação de pessoas que reformadas não beneficiam dos seus direitos e as gangues tomam de assalto.

Num estado sério, a instituição seria obrigada ao critério de contabilização pública e reduzida a delegação de competências, para que aqueles excessos não tomem lugar e qualquer investimento ou financiamento usando recursos daquela instituição, para a geração de renda deveria, a renda do investimento, recair sobre a pensão do contribuinte e da receita pública do Estado para os benefícios comuns às populações. Aquilo é a imagem autêntica do regime vermelho.

Facebook Comments