Jogo aberto para o Congresso

DESTAQUE POLÍTICA
  • Guebuza estende Nyusi e fortifica a sua imagem
  • Nyusi vai ao congresso fragilizado e pode sair humilhado
  • Depois de anos como saco de pancadas, Guebuza volta a luta com a cabeça erguida
  • Grupos ligados a Nyusi intensificam propaganda para limpar imagem do PR

Quando o julgamento das dívidas ocultas arrancou, a 28 de Agosto do ano passado, estava tudo arquitectado para que o antigo Presidente da República, Armando Guebuza, fosse humilhado e tirado de cena no panorama político interno do partido no poder, contudo, a sua audição, semana finda, para além de sacudir a “poeira” sobre o limite da sua responsabilidade no caso das dívidas ocultas, acabou reforçando o seu capital político e colocou sérias dúvidas sobre a integridade do actual Chefe do Estado, Filipe Nyusi, que agora arrisca-se a ir ao Congresso, de Setembro próximo, fragilizado politicamente, podendo sair humilhado. Protegido pelo tribunal e pelo Ministério Público, Filipe Nyusi é o único que prestou declarações à PGR durante a instrução preparatória, que não foi chamado como declarante para confirmar os seus dados e ser confrontados com os novos. Como tal, a opinião pública entende que a velada protecção demonstrada pelo juiz prova que ele tem algo a temer e, desde as declarações de Guebuza, o seu círculo de propaganda, através das redes sociais e órgãos de comunicação social, vem fazendo de tudo para limpar a sua imagem na opinião pública.

Reginaldo Tchambule

As tensões nalguns círculos do já fraccionado em alas partido Frelimo começaram a subir logo após a marcação do arranque, a 28 de Agosto, do julgamento do processo das dívidas ocultas em Moçambique, quase seis anos após o início da instrução preparatória e dois após a detenção preventiva do primeiro grupo dos 19 arguidos.

À medida que decorria o julgamento, a tenda da BO transformou-se num campo de batalha política titânica. Mas a guerra não só é travada a nível do tribunal, como também fora deste, tendo em conta que os “camaradas” encontram-se a preparar o Congresso electivo de 23 e 28 de Setembro próximo e já começaram a ser formadas as alianças para a sucessão de Filipe Nyusi como candidato do partido no poder à Presidente da República.

O seu mandato termina em 2024 e o julgamento das dívidas ocultas, para além de uma acção de busca de justiça e responsabilização, transformou-se desde o início numa batalha política, opondo as alas dominadas pelo Presidente da República, Filipe Nyusi e a do antigo Presidente da República, Armando Guebuza, uma velha raposa da política moçambicana, que nos últimos anos tem se queixado de alguma perseguição por parte do seu sucessor.

Aliás, durante a sua audição, semana finda, Guebuza queixou-se do executivo de Filipe Nyusi estar empenhado em escangalhar o seu legado e deu indicações de que o julgamento é uma extensão da luta política.

Coincidência ou não, quase metade dos 19 arguidos fazem parte do círculo de Armando Guebuza ou têm conexões com alguém que lhe é próximo, incluindo o seu filho mais velho, Armando Ndambi Guebuza, a sua secretária particular, Inês Moiane, e o seu conselheiro Renato Matusse.

No dia em que Guebuza jogou pela sua sobrevivência

Numa audição marcada por constantes cortes de energia eléctrica, depois de na madrugada homens armados terem tentado sabotar o posto de transformação que alimenta a cadeia da máxima segurança, incluindo a tenda da BO, o antigo Presidente da República, Armando Guebuza, assumiua responsabilidade, pelo menos política, pela concepção do Projecto de Protecção da Zona Económica e Exclusiva, que culminou com a criação das empresas ProIndicus, EMATUM e MAM, que se beneficiaram dos empréstimos na ordem de 2.2 mil milhões de dólares norte americanos avalizados de forma ilegal pelo Estado.

“Assumo responsabilidade pelo criação do SIMP, eu era Presidente da República, queria defender todo o país, incluindo o juiz”, justificou Guebuza, batendo na tecla de que as três empresas faziam parte do Sistema Integrado de Monitoria e Protecção (SIMP), contrariando a posição do Ministério Público.

O antigo chefe do Estado disse que tomou a decisão devido a algumas ameaças à soberania que se registavam na altura, ligadas à entrada ilegal de estrangeiros pelas fronteiras mais a norte do país, para além da intensificação do tráfico de drogas que entravam no país pela via marítima. Igualmente, justificou a decisão apontando ataques piratas e de homens armados da Renamo.

No entanto, referiu ter confiado a negociação de aspectos financeiros e a operacionalização do projecto ao Comando Operativo das Forças de Defesa e Segurança, pelo que remeteu a parte das questões ao antigo ministro da Defesa, Filipe Nyusi.

“Eu fiz um despacho em que delegava os poderes de negociação ao ministro da Defesa (Filipe Nyusi), ministro do Interior (Alberto Mondlane) e ao Director Geral do SISE (Gregório Leão). Portanto, havia um grupo delegado para negociar, não precisava ser eu a saber (de questões ligadas ao financiamento das empresas). Talvez o chefe do Comando Operativo (Filipe Nyusi) pudesse esclarecer melhor”, disse Guebuza, assumindo, que ele é que orientou o Comando Operativo para procurar financiamento, o que justifica o facto de terem sido Filipe Nyusi (em carta enviada a Manuel Chang) e Gregório Leão a solicitarem garantias a favor das três empresas.

Perante a insistência do Ministério Público, Guebuza voltou a atirar “não sei se estará cá alguém do comando operativo para explicar… O comando operativo tinha o seu chefe, que era o ministro da Defesa Nacional”, sentenciou, empurrando parte da responsabilidade para Filipe Nyusi. Durante toda a audição, que durou dois dias, Guebuza citou várias vezes o nome de Nyusi, tendo chegado a responsabilizá-lo pelo insucesso na implementação das três empresas.

Filipe Nyusi fragilizado e poderá sair humilhado no Congresso

Observadores em Maputo acreditam que as declarações de Guebuza, durante os dois dias da sua audição fazem parte da sua estratégia de sobrevivência política dentro e fora do partido e, ao que tudo indica, funcionou, pois neste momento todas as dúvidas pairam sobre o envolvimento de Filipe Nyusi nas dívidas ocultas e a sua imagem está, neste momento, bastante beliscada e poderá chegar ao Congresso que vai decidir a sua sucessão bastante fragilizado.

Depois da sentença do processo de Maputo, Nyusi fica com a “dívida” de Londres, onde a PrivInvest tenta arrastá-lo à brasa, tendo já conseguido uma autorização da Corte Suprema de Londres para notificar o Presidente de Moçambique para o julgamento que, de resto, está marcado para 2023, altura em que Nyusi estará quase a deixar o poder.

Aquando da contratação das dívidas ocultas, Filipe Nyusi era ministro da Defesa e, por inerência de funções, coordenador do Comando Operativo das Forças de Defesa e Segurança, tornando-se uma das peças-chave do SIMP, tendo assinado alguns documentos, como é o caso da carta de 14 de Janeiro de 2013, dirigida a Manuel Chang, em que solicita garantias a favor da ProIndicus e aponta a Credit Suisse como solução para o financiamento.

Apesar de ter negado conhecer os fundamentos da criação da EMATUM e MAM durante as suas declarações no quadro da instrução preparatória, há muitas inconsistências nas declarações de Filipe Nyusi. Não convence a ninguém a tese de que não sabia da existência da MAM, cujos estaleiros, na base naval do exército moçambicano em Pemba, começaram a ser montados quando ainda era ministro e foram inaugurados no seu governo pelo ministro Salvador Mtumuke.

Ademais, há cartas inéditas que mostram seus contactos com o SISE, através de Gregório Leão e António Carlos do Rosário, sobre as três empresas, em que é dado a conhecer os desenvolvimentos da sua implementação e chega a dar sugestões.

Como se tal não bastasse, a imagem de um juiz e uma procuradora do Ministério Público empenhados em tudo fazer para que o seu nome não fosse associado ao calote e evitar a todo custo que fosse declarante, apesar de ter sido citado do primeiro ao último dia de audições, ao mesmo tempo que grupos de propaganda foram espalhados pelas redes sociais e órgãos de comunicação social para limparem a sua imagem, reforçam a ideia de que Filipe Nyusi tem algo que pretende manter oculto.

As declarações de Guebuza aumentaram as fricções dentro do partido no poder, entre Nyusi e Guebuza, cujo mal-estar dura há alguns anos. Celso Correia, o principal cérebro por detrás da governação e estratégias de Nyusi, quem acredita-se que tenha sob controlo, foi gravado em 2019 numa conversa com Inês Moiane, antiga secretária particular de Guebuza, tentando uma reconciliação entre os dois presidentes.

Durante a conversa, Celso Correia chegou a insinuar ter poder para influenciar a Procuradora-Geral da República para, uma vez conseguido o encontro entre Nyusi e Guebuza e aparentemente um pacto, “mexer alguns pauzinhos” para que ela e outros elementos próximos do antigo Presidente não fossem detidos. A verdade é que a conversa acabou sendo divulgada e nunca houve o encontro. Inês Moiane e os outros acabaram sendo recolhidos aos calabouços.

Neste momento, Guebuza conta com alguma solidariedade não só de uma parte da sociedade moçambicana, como também dentro do partido, havendo a destacar alguma proximidade com o também antigo Presidente da República, Joaquim Chissano e outros membros influentes de aspirações sulistas, que durante os últimos anos viram seus interesses económicos e empresariais colocados em causa pela ala Maconde, que tem como patriarca Alberto Chipande. Acredita-se que Guebuza e Chissano estejam em concertações para endossar seu apoio a um dos candidatos.

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