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Município da Matola é parceiro de negócios que indiciam lavagem de dinheiro

Matola, à semelhança de outras cidades do país, está a registar uma proliferação de bombas de combustíveis, um negócio milionário que não tem observado a legislação, mas nem com isso as instituições que fiscalizam conseguem pôr freio ao festival. O Município da Matola está metido ao fundo no negócio, não só cedendo espaços públicos como igrejas, mercados, praças públicas, mas também como sócio e parceiro de “sector privado” para negócios cujas obras são feitas em horas mortas e com indícios de lavagem de dinheiro. Quando abordada, a edilidade assumiu a existência de Postos de Abastecimento de Combustíveis Líquidos que funcionam de forma ilegal, sem requisitos mínimos, mas nos casos em que é parceiro remeteu a vereação das Obras e Infra-estruturas, que prometeu se pronunciar, mas passado um mês permaneceu fechado.

João Figueiredo, nome fictício, é um empresário que quer abrir um Posto de Abastecimento de Combustíveis Líquidos. Ele tem o terreno e DUAT. O primeiro passo foi chamar o Ministério dos Recursos Minerais e Energia (MIREME) para fazer uma vistoria. Depois de uma vistoria positiva, João foi orientado a reunir e apresentar uma série de documentos num prazo de um máximo de três meses.

A vistoria não se importou com o facto de ele estar entre três postos de combustíveis líquidos, um a menos de dois quilómetros na mesma faixa de rodagem e outro a menos de um quilómetro no sentido oposto.

O primeiro passo para reunir documentos foi fazer uma carta ao chefe do quarteirão, para confirmar a titularidade da propriedade do terreno, a mesma carta passou mais tarde pelo Chefe do Posto, para chancelar o documento. E num outro passo independente, João requer ao Ministério de Terra e Ambiente para proceder com avaliação a fim de lhe ser facultado a licença ambiental, este é um documento obrigatório, que deverá ser exigido pelo município para atribuição da licença de construção.

Aliás, é depois de reunido este documento, analisado o projecto por um técnico petrolífero independente e licenciado pelo MIREME que João anexa a carta do Chefe do Posto e faz um requerimento ao Município (ou administrador fora das autarquias) a solicitar a licença de construção, cujos preço vão de 150 mil meticais a mais de um milhão de meticais, pois quanto mais urbano for o bairro, mais cara é a licença.

É aqui onde é decisiva a intervenção do Município que não deve atribuir o aval para construção, sem a licença ambiental e nem documento de consulta pública, nos casos em que é necessário. Esses documentos todos são depois devolvidos ao MIREME, que deverá dar a licença definitiva e autorizar a actividade.

Na Matola, o crescimento deste negócio chama atenção. Ao longo da circular proliferam bombas de combustíveis a cada um quilómetro. Um crescimento que não observa o Regulamento de Construção, Exploração e Segurança dos Postos de Abastecimento de Combustíveis Líquidos, que nos números três e quatro do artigo 79 determina que:

“A distância mínima entre dois postos de abastecimento na mesma faixa de rodagem dentro das zonas A,B,C e D, descritas no Decreto n.° 45 de 28 de Dezembro de 2012, deve ser de cinco quilómetros lineares”.

“Entretanto, esta distância poderá ser encurtada para um mínimo de 1,5 km sempre que devidamente comprovada a incapacidade de um normal abastecimento da unidade existente da demanda do consumo desse local, depois de explorada a possibilidade de expansão dessa mesma unidade, cabendo essa decisão ao Ministro que tutela a área de energia…”, lê-se no regulamento.

Na senda das violações, consta casos da construção de bombas no Terminal de Khongolote – uma praça pública que acolhe um posto de abastecimento num processo pouco transparente, cujo projetista e fiscalizador são os mesmos.

Igualmente, consta a construção de bomba na Unidade F, numa zona residencial, e partilha um muro de menos de dois metros com uma residência, o que indica que a construção da mesma não nenhuma licença ambiental.

Mas o caso mais gritante é o de usurpação de espaços públicos, pelo Município da Matola, para construção de bombas em horas mortas e na calada da noite, depois de destruir igreja, lojas e ocupar um terminal de chapas em nome de requalificação, tal como aconteceu na Zona Verde. Esta última, apadrinhada pela edilidade, transformou a manobra de transporte semi-colectivo que vem de mais de seis bairros num caos.

Numa interação com proprietários de Postos de Abastecimento de Combustíveis Líquidos, o Evidências ficou a saber que este é um mercado apetecível para interessados em fazer lavagem de dinheiro.

“Até eu já recebi várias propostas”, disse um dos proprietários, para mais adiante perguntar: “achas que todas bombas que estão a nascer têm mercado?”.

O parceiro sem rosto de negócios municipais

A construção de bombas no Terminal de chapas na Zona Verde, em que a obra é pertença da edilidade com privados sem rostos, e vem sendo construída aos sábados, num espaço usurpado aos munícipes que foram obrigados a abandoná-lo, supostamente para dar mais abertura à estrada e permitir livre circulação de viaturas, é o caso mais gritante dos maus negócios em que a edilidade da Matola está metida.

Aproveitando-se do barulho de requalificação dos mercados, no bairro Zona Verde, o Conselho Municipal da Matola invocou que pretendia retirar vendedores de rua, para dar mais abertura e livre circulação de viaturas que vêm de mais de cinco bairros, mas não tem nenhum Terminal.

Para ampliar o Terminal e descongestionar o tráfego foi necessário destruir uma igreja, uma pastelaria, uma ferragem e diversas barracas que estavam em lugar “impróprio” para o exercício de suas actividades, mas mesmo antes de demolir completamente, remover escombros e lixo autorizou no mesmo local a construção de bombas de combustível.

A placa afixada deixa logo a partida suspeição, pois não consta o nome do proprietário, o que é obrigatório, na colocação da licença de construção. Curiosamente, consta o número do processo 18/042.3/20 que destaca a “Parceria Público-Privado”, num custo de dez milhões de meticais. Sem aparecer a identificação do parceiro privado, o município surge como sócio.

É o Município da Matola a ser usado em negócios obscuros, ao lado de parceiros sem rostos, em espaços usurpados com recurso a subterfúgios que não encontram respaldo quando é colocado na balança o interesse público e o privado.

Perguntas que permanecem sem respostas

A pergunta que nem o próprio município quis responder foi que sendo um lugar considerado impróprio para o exercício de qualquer actividade como é possível autorizar a construção das bombas num lugar que foi considerado impróprio pelo próprio município.

O Evidências sabe que o parceiro do município nas bombas da Zona Verde é uma empresa de nome MANU Bombas, apresentada apenas como consultor técnico, quando é coproprietário. E outra questão que não quer calar é: sendo um negócio legal, por que razão há um esforço para ocultar a identidade do co-proprietário?

Igualmente, fica por esclarecer quando é que esta empresa, parceira da Matola nesse negócio obscuro, fez o estudo do impacto ambiental, tirou a licença ambiental e quando é que apresentou o projecto de construção.

O vereador de Planeamento Territorial e Urbano no Município da Matola, José Sambo, disse ao Evidências não ter detalhes sobre os contornos que orientaram a construção daquelas bombas, e quem estava inteirado era o vereador de Obras e Infra-estruturas municipais, Firmino Guambe, que acusou a recepção da carta do pedido de informação do Evidências, mas nunca respondeu.

“Nós temos duas realidades, nas áreas públicas, não é a nossa vereação que emite licenças, é a vereação das Obras e Infra-estruturas Municipais. Na Zona Verde, eles é que emitiram, talvez falar com eles. Falo da Zona Verde porque conheço essa questão, eles é que emitiram. Talvez te expliquem em que circunstâncias emitiram”, disse José Sambo, atirando a batata quente para Firmino Guambe.

“O problema não é a construção, é o licenciamento”

Abordado sobre as questões apuradas no terreno, José Sambo deu respostas limitadas, com promessas nunca cumpridas de provar a legalidade de alguns Postos de Abastecimentos que jurou terem documentação necessária para o município atribuir a licença de construção.

Mas numa outra abordagem, falou de bombas que funcionam mesmo com licença de construção recusada pelo Município, mas que a edilidade não podia fazer nada porque o trabalho de fiscalização é de competência de outras entidades que licenciam a actividade, mas há aquelas em que os interesses de graúdos falam mais alto.

“O problema não é a construção das bombas, o requisito sine qua non é o licenciamento da actividade. O município não dá licença de actividade de bombas, nós damos DUAT e a licença de construção, e a pessoa vai às autoridades competentes para poder licenciar a actividade, é onde tudo começa”, explica o vereador de Planeamento Territorial e Urbano no Município da Matola.

Mais adiante, clarifica que o que município faz é dar licença para a pessoa materializar aquele direito que ele conseguiu no MIREME, “até há pessoas que vendem combustíveis em tambores subterrâneos, mas o MIREME autoriza essas coisas, nós estamos a materializar um direito que ele já tem”.

De acordo com Sambo, “existem processos no Tribunal Administrativo, onde este diz que  não compete ao município autorizar, ele já tem e ganhou seu direito e então dêem a licença para construir. Por isso, nós emitimos a licença mediante a observância dos requisitos definidos pelo MIREME”.

Sambo negou que o município tenha atribuído licença de construção nos casos em que o requerente não observou os requisitos. “Não temos essas situações”, mas quando o Evidências trouxe alguns exemplos, o município jurou de pés juntos que existe licença, que em menos de uma semana iria mostrar, mas já passa mais de um mês.

Um suposto conflito com o MIREME

Ao Evidências, Sambo alistou algumas bombas que funcionam sem aval de MIREME, é que por isso o Município da Matola não deu licença de construção, são os casos, por exemplo, da primeira bomba construída na Circular, que está entre a primeira e segunda rotunda, vindo de Zimpeto. “Como é que eu, Sambo, vou mandar parar uma actividade que não sou eu que licencio? Há um problema de conflito”, sentenciou.

No caso do Posto de Abastecimento de Combustíveis ainda em construção numa zona residencial, no bairro da Matola 700, Unidade F, o vereador Sambo reconheceu que a população não quer aquela bomba por estar numa residencia. O caso já está no tribunal.

Questionado sobre como é que foi feita a consulta pública, Sambo explicou que “ao nível do município, já não se faz consulta pública, para emissão da licença de construção. Há uma confusão que se faz, a consulta pública faz-se em áreas não “atalhoadas”, quando o proponente quer que uma determinada área seja reconhecida pelo Estado. A partir do momento que se faz ordenamento, aquela área não precisa de auscultação”.

Negou igualmente que a edilidade, no caso de Khongolote, tenha confiado um espaço público a privados, argumentando que aquilo não era uma praça e que ficou daquela forma porque “não se podia fazer estrada de ponta para ponta”.

“Há de convir que para uma praça nascer tem que ter uma proposta, ir à assembleia municipal. Em termos legais, não há nada que diga que ali é praça, agora se quisermos forçar a interpretação, essa é uma discussão legítima, tem razão porque gerou-se na cabeça das pessoas que aquilo é uma praça. E, para a população, não vais aparecer a dizer que não é por uma questão legal”, reconheceu.

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