Evidencias

Ainda não há datas para o Comité Central em ano de Congresso

Quando faltam escassos cinco meses para o XII Congresso do partido Frelimo, a realizar-se em Setembro próximo, ainda não foi convocada a sessão do Comité Central desta formação política que geralmente se reúne de forma ordinária entre a terceira e quarta semana de Março de cada ano. Ao Evidências, o porta-voz do partido, Caifadine Manasse, diz não haver data definida, anotando que cabe a Comissão Política convocar a sessão. A se confirmar a não realização este mês, será o quarto ano consecutivo em que o Comité Central é adiado para ser realizado depois, sendo que em 2019 foi devido ao ciclone Idai, em 2020 e 2021 por causa da Covid-19 e, desta vez, fala-se de um ambiente de cortar dentro do partido no poder, com os camaradas completamente divididos, sobretudo depois do julgamento das dívidas ocultas, para além de vários dossiers fracturantes em cima da mesa que estarão a demandar maior gestão.

Reginaldo Tchambule

Geralmente, nas últimas semanas de Março de cada ano, os camaradas reúnem-se em Comité Central, o órgão deliberativo mais importante no período entre Congressos, contudo, até hoje ainda não foi convocado o conclave dos camaradas, numa altura em que o partido no poder está extremamente dividido em alas. 

E ao que tudo indica, mais uma vez, o partido Frelimo não irá realizar o seu Comité Central Ordinário em Março, como vinha acontecendo antes de 2019. Respondendo a uma pergunta do Evidências, o secretário para mobilização e propaganda e porta-voz do partido, Caifadine Manasse, disse não haver previsão de data para a reunião magna do partido.

De acordo com Manasse, o partido aguarda ainda a deliberação da Comissão Política para a indicação da data. A Comissão Política reúne-se de 15 em 15 dias e, ao que tudo indica, já não vai a altura de deliberar e a reunião ter lugar ainda este mês.

Se em 2019 o pretexto para o adiamento (só realizou-se em Dezembro) foi o ciclone Idai que devastou o país, em 2020 a reunião não se realizou e em 2021 a sessão inicialmente programada para fins de Março foi adiada para fins de Maio, devido ao agravamento das medidas restritivas de contenção da Covid-19.

Para este ano, com alívio das medidas restritivas, que permitiu o alargamento do número de participantes em eventos públicos, e não só, era expectável que o ciclo de Comités Centrais voltasse ao normal, ou seja, fins de Março, mas ao que tudo indica não será desta vez, numa altura em que faltam escassos cinco meses para o XII Congresso.

A demora na indicação das datas do Comité Central tem alimentado uma série de especulações no seio do partido, aventando-se a possibilidade de a ala de Filipe Nyusi temer confrontações sobre os desenvolvimentos recentes do julgamento das dívidas ocultas na tenda da BO, em que para além do nome do Presidente da República ter sido diversas vezes citado, houve muita exposição do partido, para além de algumas teorias que foram sendo construídas ao longo do tempo que viriam a cair em sede do tribunal.

A continuação da guerra em Cabo Delgado, o ultimato da Total que está a colocar os camaradas em “parampas”, depois de terem apostado tudo na indústria de petróleo e gás, agora mergulhada numa incerteza sem precedentes, as omnipresentes dívidas ocultas, o caso Samora Machel Júnior e a indisfarçável “guerra” entre as alas Guebuza e Nyusi são velhas feridas que, apesar do tempo, permanecem abertas.

Igualmente, há um ambiente de cortar à faca no seio do partido, com alguns camaradas de topo desavindos uns com os outros, como são os casos do actual secretário-geral, que, segundo rumores, não se dá com alguns membros do secretariado do Comité Central e com lideranças de algumas organizações sociais, o caso dos recados recentes à OJM. Fala-se, entre outros, de desavenças com o secretário para mobilização e propaganda, Caifadine Manasse, de quem Roque Silva já terá se queixado ao presidente do partido, Filipe Nyusi. Manasse é acusado de ser ambicioso e de liderar um grupo que não entra de acordo com a forma de gestão do secretário-geral.

A ousadia de Filipe Nyusi que desagradou “velhotes”

Como se tal não bastasse, Filipe Nyusi, nas suas mais recentes mexidas contornou os históricos do partido e a própria Comissão Política, tirando de cena, por exemplo, Carlos Agostinho do Rosário, um velho calcanhar de Aquiles que se manteve no segundo mandato por imposição da ala dura e conservadora do partido.

As directivas do partido dão ao Presidente da República a prerrogativa de nomear uma parte dos membros do governo, enquanto outros são nomeados por anciões e pela Comissão Política.

Sucede que, em 2020, durante a nomeação dos membros do governo, Filipe Nyusi não queria continuar com Carlos Agostinho do Rosário como primeiro-ministro, mas a comissão política o impôs. Mas Nyusi e Do Rosário nunca tiveram um grande entrosamento e, nalgum momento, o antigo primeiro-ministro transformou-se numa figura decorativa.

Consta que, nas mexidas, Filipe Nyusi “mandou passear” os “velhotes” e montou o governo à sua imagem, para tentar projectar o seu legado, no período pós mandato, bem como reforçar o seu poder sobre a equipa, pois casos há de governantes que para além dos instrumentos do governo eram mais leais ao partido e alguns camaradas influentes do que ao chefe do Governo.

Esta situação terá deixado uma parte do partido com os nervos à flor da pele, pois Filipe Nyusi há muito vinha tomando algumas posições de forma unilateral, como é o caso da aproximação com Afonso Dhlakama e, agora, a aliança com o regime de Kigali, liderado por Paul Kagame, a luz de acordos que muitos camaradas desconhecem.

Na semana finda, voltou a ganhar corpo o descontentamento de uma parte dos membros da Associação dos Combatentes da Luta de Libertação Nacional (ACLLN) que não viu com bons olhos a nomeação da jovem Josefina Mpelo para o cargo de ministra dos Combatentes. Para além da idade, Mpelo apareceu do nada no panorama político nacional e as suas credenciais de exímia gestora ainda são pouco convincentes.

Através de várias campanhas nas redes sociais, o grupo que contesta a decisão de Filipe Nyusi fez circular diversas mensagens e até fotografias sensuais, e em poses dignas de modelo, para tentar desvalorizar a escolha do Presidente da República, o que espelha um pouco do ambiente que antecede a V Sessão do Comité Central que vai preceder o decisivo Congresso do partido.

Caso dívidas ocultas baralhou as contas

Outro grande medo da Frelimo que poderá estar por detrás do atraso do Comité Central é o fracasso de parte da estratégia que havia sido montada para gerir a crise gerada pelas dívidas ocultas, que em vez de blindar o partido acabou por expor ainda mais as fissuras, num julgamento transmitido a todos os moçambicanos.

Com uma acusação pincelada pelo Ministério Público, em que não constava o nome do partido e de Filipe Nyusi, o julgamento começou com revelações surpreendentes. O Presidente do Partido acabou sendo a figura mais citada e de vez em quando o próprio partido era chamado à colação.

No fim das audições, a desavisada procuradora Ana Sheila Marrengula disse em alto e bom-tom que o Ministério Público não chamou o partido e seu candidato em 2014 porque a lei é omissa quanto a responsabilidade de formações políticas e candidatos que recebem dinheiro “sujo” para a sua campanha.

Junta-se a isso a saída airosa de Armando Guebuza, que com tudo montado para ser humilhado acabou sacudindo a poeira do seu capote, empurrando parte da responsabilidade para Filipe Nyusi.

Com as feridas abertas no julgamento, ainda frescas, procura-se, segundo relatam alguns corredores do partido, deixar a poeira baixar para num contexto de menos pressão o partido reunir. Recorde-se que o calendário inicial do julgamento havia sido desenhado para terminar em 45 dias e esperava-se despachar o caso até Novembro do ano passado, ou seja, faltando mais de três meses para o Comité Central, mas dada a complexidade as coisas se complicaram e só terminou em Fevereiro.

“Vez do Centro” e terceiro mandato acentuam discórdia

Com o debate sobre a sucessão de Filipe Nyusi a portas, o partido Frelimo transformou-se num verdadeiro barril de pólvora. Há vários interesses e lideranças de grupos para um único poleiro, o que acentua as desconfianças entre as partes.

É que, embora não esteja arregimentado em nenhuma parte dos Estatutos da Frelimo, há uma percepção de que o próximo candidato da Frelimo deverá sair do Centro do País, ao mesmo tempo que há uma corrente que tenta colocar em causa essa corrente, defendendo que, não obstante não estar escrito, essa tendência significaria assunção da natureza tribalista do partido dos camaradas.

Essa situação está a gerar uma grande incerteza e desconfianças entre os camaradas, numa altura em que estão a ser feitas alianças para os próximos embates. Alguns quadros influentes do Centro continuam divididos entre trazer o septo do poder para a região ou apoiar a estratégia do grupo que está neste momento, visando um terceiro mandato ou a eleição de um “fantoche” manipulável remotamente.

Isso explica a razão pela qual Roque Silva se dirigiu de forma pouco decorosa aos supostos “voluntários” que, no seu entender, estavam a se propor para a sucessão. A mensagem era dirigida sobretudo a Basílio Monteiro, natural da Zambézia, Centro do país, que tem já montado, inclusive, o seu gabinete de candidato e foi alvo de uma sindicância e isolamento no partido.

Com este dossier em mangas, aliado à crise gerada pelo julgamento das dívidas ocultas, os camaradas, sobretudo da ala de Filipe Nyusi, que saiu fragilizada, estarão a fazer compasso de espera para a poeira baixar. Provavelmente, mais uma vez, o Comité Central se realize em Maio próximo, tal como aconteceu no ano passado, mas já com um intervalo apertado em relação ao Congresso.

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