Depois de caçar “ladrões do país”, Nyusi tem novas instruções do FMI

DESTAQUE POLÍTICA
  • A nova exigência inclui a difícil missão de provar o uso dos fundos da Covid-19
  • Soberania económica de volta ao FMI?
  • Nyusi jubila a abertura do FMI, mas provar uso dos fundos da Covid-19 será difícil
  • Aumento da taxa MIMO pode estar em linha com as novas exigências do FMI

Seis anos depois, o Fundo Monetário Internacional (FMI) dá passos decisivos para a retoma de financiamento. O FMI cortou, com mais parceiros do G-13, perto de 800 milhões de dólares. Das acções para retoma do financiamento ao país, fez exigências que a nível mais alto, o Executivo Nyusi, que confessou ter sido conhecido fora de porta como “Presidente do País de Ladrões”, não pestanejou para seguir, e entre elas constava a responsabilização dos “ladrões” que urdiram as dívidas ocultas. Veio da iniciativa de parceiros internacionais o financiamento para as investigações que identificaram os lesa pátria, e agora aquela instituição de Bretton Wood condiciona a materialização dos empréstimos financeiros à prova de boa governação e transparência. Entre elas, o destaque vai para o relatório dos fundos da Covid-19, um financiamento internacional que parou nos bolsos de “camaradas”, através de adjudicações directas, sob pretexto de emergência. Do retorno, Nyusi jubila pela confiança: “eles já nos confiam”.

De “Presidente do País dos ladrões”, Nyusi, hoje, jubila pela “confiança ” do FMI. Não é apenas sobre a injecção de dinheiro, é o resgate da própria dignidade, como o próprio Presidente da República disse: “Era chamado do Presidente do País dos ladrões”, mas agora “eles já nos confiam”.

E fora do protagonismo político é o retorno da fertilidade económica, mas em meios a “boa” notícia há também temores de um parceiro económico que já induziu o país a programas de recuperação económica que provaram ser um autêntico falhanço desde os anos 80.

De 2016 a esta parte, passam seis anos desde que o FMI e quase todos os parceiros bilaterais e multilaterais que cooperam com instituições da Bretton Wood cortaram o financiamento de perto de 800 milhões de dólares por causa do escândalo das dívidas ocultas. Era a primeira vez que o país, desde a introdução da nova constituição, experimentava o isolamento económico.

Entre as exigências dos tradicionais parceiros da cooperação estava a palavra “responsabilização” dos que contrataram e se beneficiaram das dívidas ocultas, e alguns, porque não podiam excluir completamente Moçambique de alguns programas de desenvolvimento, os que injetavam dinheiro o faziam fora do Orçamento do Estado, enquanto que o Executivo fazia sua ginástica para responsabilizar os seus ladrões, em resposta a esta condição dos amigos de Moçambique.

No intervalo dos seis anos, o Executivo tentou dar resposta que apesar de estar longe de colher o consenso dos moçambicanos, foi um arranjo político que encantou o FMI. Embora aquela organização não tenha feito nenhuma referência aos prosseguimentos do chamado caso das Dívidas Ocultas é certo afirmar que a posição do FMI sugere o destino dos réus que deverão conhecer a sentença no dia um de Agosto do ano corrente.

As novas instruções dos amigos da “mão externa”

Na semana passada, o FMI anunciou os resultados da missão técnica que esteve em Moçambique na semana de 14 a 22 de Março, para discutir um programa da Linha de Crédito Alargada (ECF), que poderá disponibilizar ao Governo um financiamento de até 470 milhões de dólares para os próximos três anos.

Das conversações, chegou-se “a um acordo técnico com as autoridades de Moçambique sobre um programa de três anos, no âmbito do Acordo de Extensão da Facilidade de Crédito, no valor de cerca de 341 milhões de dólares em Direitos Especiais de Saque ou 470 milhões de dólares”, lê-se no comunicado que mostra mais adiante que tais empréstimos financeiros estão condicionados à prova de boa governação e transparência.

É que se trata de medidas que “incluem uma série de reformas na administração fiscal e na política de IVA”, e não só.

Do lado da despesa, está a reforma da massa salarial, recentemente aprovada, que na argumentação do FMI “irá, ao longo do tempo, reduzir a pressão sobre as finanças públicas de remunerar os funcionários públicos e conduzir a uma convergência da massa salarial, em relação ao PIB, para níveis médios observados na região mais alargada”, continua a nota, explicando que “o programa visa manter o ritmo das reformas estruturais para melhorar a gestão dos recursos fiscais”.

Entre as novidades está a aprovação de uma “lei de fundos soberanos, garantindo um quadro institucional forte para gerir a riqueza dos recursos naturais, centrado, inicialmente, no Gás Natural Liquefeito”.

O programa, segundo os técnicos, aborda, também, a transparência na gestão da dívida e no sector de recursos naturais, áreas-chave identificadas no Relatório de Diagnóstico de 2019 sobre Transparência, Governança e Corrupção, preparado pelo Governo com apoio do FMI.

Na área da governação, a publicação do relatório de auditoria COVID, a submissão ao parlamento de alterações à lei de Probidade Pública e legislação sobre o Combate ao Branqueamento de Capitais e ao Financiamento do Terrorismo são elementos fundamentais do programa do governo.

Enfrentar a pobreza e fornecer proteção social são uma parte importante da agenda de reformas do governo. Os programas especiais de apoio à COVID-19 foram importantes para mitigar o impacto da pandemia na vida e nos meios de subsistência dos mais vulneráveis ​​da sociedade. À medida que esses programas temporários terminam, o programa apoiado pelo FMI inclui espaço para financiar um aumento nas transferências permanentes para famílias vulneráveis ​​por meio do Instituto Nacional de Ação Social (INAS).

A difícil missão de provar o destino certo dos fundos da Covid-19

Como se viu acima, é parte dos requisitos o desbloqueio do crédito do FMI, a publicação do relatório do uso dos fundos da Covid19. É que um dia depois de ter notificado o primeiro caso da Covid-19, ou seja, a 23 de Março de 2020, o Governo pediu aos parceiros internacionais um apoio de cerca de 700 milhões de dólares para fazer face aos impactos adversos da pandemia da Covid-19, no Orçamento do Estado, bem como garantir a assistência do tecido económico e social, incluindo apoio aos mais pobres.

O uso abusivo da figura de adjudicação directa contribuiu para que parte considerável dos fundos de parceiros internacionais para estratégias de combate à Covid-19 caísse em bolsos de famílias ligadas ao partido no poder, a Frelimo, em negócios nebulosos que incluiu tabacarias e lojas de material electrónico a fornecer suprimentos médicos ao Ministério da Saúde, enquanto o Ministério das Obras Públicas e Habitação distribui dinheiro entre camaradas e paga favores aos irmãos chineses. Quase um bilião de meticais foi gasto na compra de meios de protecção, mas os médicos na linha da frente são, até ao momento, obrigados a reutilizar luvas, máscaras e por vezes trabalham sem álcool gel.

É uma constatação que ficou cristalina nos relatórios preliminares do Ministério de Economia e Finanças. O último relatório do Tribunal Administrativa não fez vista grossa à gestão problemática destes fundos ao identificar obras inacabadas com empreiteiros pagos na totalidade.

As empresas que lideravam esses era quase as mesmas, Só a família Grispos embolsou 154 milhões para comprar máscaras para o Estado, uma empresa de alojamento de sites ganhou milhões vendendo máscaras e álcool gel ao MISAU e gastou-se mais de USD 21 milhões em contratos de ajuste directo, mas médicos reclamam falta de meios.

Até Outubro do ano passado, o governo havia conseguido encaixar aos cofres do Estado 461.760.363,60 de dólares norte-americanos, dos quais cerca de 70% foram desembolsados pelo FMI.

Parte considerável destes fundos foram destinados ao sector da Saúde por razões óbvias, mas também aos sectores da Educação e Obras Públicas, para intervenções emergenciais nas escolas, com destaque para abertura de furos de água e construção de casas de banho para permitir um regresso seguro às aulas.

No entanto, o governo recorreu à modalidade de ajuste directo, alegadamente por não haver tempo para cumprir a burocracia de concursos públicos, o que logo suscitou dúvidas em relação à transparência do processo de selecção de empresas para fornecimento de bens e serviços ao sector da saúde e reabilitar as escolas.

E o que começou como uma simples suspeita ganha corpo à medida que vão sendo descortinados os nomes dos proprietários das empresas que se favoreceram do banquete de milhões de dólares em tempos de pandemia.

Maior parte das referidas empresas que se beneficiaram de contratos por ajuste directo tem ligações com o partido Frelimo, tal como demonstrou uma planilha partilhada pelo Centro de Integridade Pública (CIP), num estudo no qual denuncia o risco de corrupção no regime de contratação por ajuste directo.

É que, não obstante o facto de parte das empreitadas terem sido confiadas a empresas com ligações a membros do partido e ou empresários tidos como assíduos financiadores do partido, nalguns casos o valor da adjudicação apresenta indícios de subfacturação ou fornecimento de bens, serviços e obras de qualidade duvidosa.

Tal como ficou demonstrado no caso da antiga ministra do Trabalho, Maria Helena Taipo, parte do dinheiro destas empreitadas volta depois a contas ligadas a nomenclatura e às vezes chega aos cofres do partido em forma de contribuições.

Entre as empresas que “mamou” a maior fatia do bolo das adjudicações directas no âmbito dos fundos de combate à Covid-19 está a Enterprise Solutions, Lda., uma das três empresas (incluindo Shahombe, Limitada, Umliter Limitada) da família Grispos, que tem como sócios António Jorge do Rosário Grispos, Ricardo António da Cruz Viola Grispos, Isaac Emmanuel da Cruz Viola Grispos e Gabriela Elisa da Cruz Viola Grispos.

Com ligações ao partido no poder, a família Grispos, através da Enterprise Solutions, Lda., encaixou 154.440.000,00 meticais em tempos de pandemia para fornecer uma quantidade não especificada de máscaras cirúrgicas com fita.

No ano passado, António do Rosário Grispos, cuja lealdade com a Frelimo é conhecida há alguns anos, acabou sendo eleito, sob proposta da Frelimo, como membro do Conselho Superior de Magistratura Administrativa, o que lhe coloca inclusive numa situação de jogador e árbitro, no caso de contratos que carecem de visto do Tribunal Administrativo.

Outro caso de um camarada que mamou dos fundos da Covid-19 é Domingos Dias Diogo, irmão da Luísa Diogo, antiga primeira-ministra e da secretária de Estado na Província de Maputo, Vitória Diogo, que através da Mais Saúde Lda forneceu Jalecas de tecido ao MISAU pela quantia de 81.900.000,00 MT.

O CIP denunciou a introdução de novas necessidades a serem cobertas pelos fundos da Covid-19, sem sequer serem previamente indicadas publicamente que seriam levadas a cabo uma revisão do plano inicial para inserção de novas necessidades, o que veio “levantar a necessidade de se tornarem públicas as alterações ao plano, apresentando-se, igualmente, as razões por detrás destas alterações”.

É que o 6º Relatório do uso de fundos da Covid-19, que faz referência ao ponto de situação em relação aos fundos, apresentava na altura para além das necessidades inicialmente previstas, um dado novo referente ao “apoio a empresas públicas”.

“Eles já confiam em nós”

As reações da boa nova do FMI vieram de todos os lados, e o Presidente da Frelimo, Filipe Nyusi, levou a “boa notícia” aos membros do partido, numa reunião restrita a quadros do partido que decorreu, semana passada, na província de Inhambane.

Nyusi, que anunciou a notícia com satisfação indisfarçável, disse que abria espaço para que o país voltasse a engrenar no campo do desenvolvimento económico, numa altura em que se está a sair dos nefastos efeitos da Covid-19.

Falou do impacto negro da medida do FMI para a projeção de Moçambique no mundo. Ele “era conhecido do Presidente do País dos Ladrões” e o país estava banido de financiamentos junto de outros parceiros.

“Eu fui a Washington DC. A primeira vez que fiz (viagem), era chamado presidente do país dos ladrões” – apontou Filipe Nyusi, explicando que os esforços que foram sendo envidados pelo seu governo foram, de forma paulatina, melhorando a percepção negativa do país fora de portas.

“Não tinha pesocnenhum, mas nós fomo-nos impondo. Fomos e tentamos devolver a confiança e o grupo [FMI] veio” – disse Filipe Nyusi, explicando, no momento seguinte, que agora deverá seguir a aprovação pelo Conselho de Administração da instituição.

O Chefe de Estado sublinhou que o regresso do FMI vai reforçar o processo de reformas já em curso, no sentido de garantir crescimento sustentável, inclusivo e estabilidade macroeconómica de Moçambique. “Portanto, esse é um grande ganho para nós. Eles já nos confiam”, jubilou Nyusi.

Deu a conhecer que até a China não aceitou conceder empréstimo, tendo a recomendação ido no sentido de Moçambique encontrar formas de resolver o pendente com o FMI. Só depois disso, disse a China nas palavras de Filipe Nyusi, é que poderia disponibilizar algum empréstimo.

Era uma atitude que se compreende, pois “ninguém queria ser mal visto”. De acordo com palavras do Chefe de Estado, até quando viajasse para o estrangeiro, particularmente nos Estados Unidos, país que acolhe as sedes dos principais parceiros financeiros multilaterais, ouvia acusações de que tinha chegado e se estava perante “o presidente do país de ladrões”.

Em outras declarações incongruente, Nyusi disse que o desbloqueio coincide com o cair das outras dívidas, do Governo anterior, que deverá ser ele próprio a pagar: “Estamos ainda apertados, mas o problema agora é que aquelas dívidas e outras já estão a cair [a ser pagas]. A gente nunca consegue sair na totalidade do problema. Aquelas dívidas da Estrada Circular, do Aeroporto de Nacala e da ponte de KaTembe não estavam ainda a ganhar. Agora é que estão a cair [os créditos a serem pagos]. Agora é que vou pagar”.

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