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Passagem de “Tsunami” pelo Tribunal pariu decepção e acusação desiludiu

Em dias sem estrelas, Helena Taipo, também conhecida por Tsunami, a ré mais aguardada, apresentou-se na última semana na 10ª Secção Criminal do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo para contar a sua versão dos factos no julgamento do processo de Querela nº 51/2019/10ª, no qual a antiga ministra do Trabalho e outros 10 réus são acusados de desvio de mais de 113 milhões de meticais das contas da Direcção do Trabalho Migratório. Sem causar grandes “estragos” como chegou a se ventilar, perante um tribunal que também parecia não ter muitos “ÀS” na manga, a Tsunami declarou que na qualidade de ministra de Trabalho assegurava o funcionamento do ministério, ou seja, autorizava os pagamentos para a realização de vários eventos, deixando a operacionalização dos mesmos para a direcção do DTM. Se, por um lado, Helena Taipo alegou que não é proprietária do imóvel localizado no bairro de Muhavire, província de Nampula. Por outro, declarou que herdou a questão dos cabazes das anteriores direcções do MITRAB, agora MITESS.

Duarte Sitoe

Tudo indicava que, à semelhança do julgamento das dívidas ocultas, cuja sentença será lida em Agosto do ano em curso, o julgamento de Querela nº 51/2019/10ª fosse transmitido em directo. Entretanto, a juíza Ivandra Uamusse apoiou-se na salvaguarda de interesses de ordem pública e na defesa de protecção de direitos de personalidade e de presunção de inocência dos réus para vetar este intento :“não é permitida a transmissão e som da audição de discussão e julgamento, contudo, os órgãos de comunicação estão autorizados a tomarem notas no decurso das sessões da audiência de discussão e julgamento, para posterior divulgação de comunicação social”.

A decisão de Uamusse criou muitas zonas de penumbra, uma vez que havia uma expectativa de Helena Taipo voltar a arrastar o nome do actual Presidente da República, Filipe Nyusi, a quem chamou de cágado, e o partido para lama, mas a bomba-relógio não explodiu na sala de Sessões do Tribunal Judicial do Distrito da Ka Tembe.

A audição da antiga ministra do Trabalho esteve muito à vontade perante outros sujeitos processuais que também estavam aquém da expectativa. A “Tsunami de 24 de Julho” limitou-se a desmarcar-se das acusações que pesam sobre si, remetendo várias respostas para a Direcção Nacional do Trabalho Migratório, perante um tribunal e Ministério Público também sem grandes trunfos em manga, fazendo que a tão aguardada audição de Taipo durasse tão pouco tempo.

A falta de argumentos, sem os famosos anexos probatórios com que, por exemplo, a Dra Sheila nos habituou no caso das dívidas ocultas, acabou facilitando o trabalho da defesa. Ao longo da audição, quando se sentia entre a espada e a parede, Helena Taipo refugiava-se em “Prefiro não responder, não me lembro e não posso ser útil”.

Uma acusação pouco consistente e um tribunal sem grandes argumentos

De acordo com a acusação, Maria Helena Taipo e outros 10 réus são acusados de terem usado indevidamente 113 milhões de meticais, que foram supostamente usados para a compra de viaturas, imóveis, cabazes e bebidas alcoólicas entre 2010 e 2014.

Na altura dos factos, consta dos autos do processo que a Direcção do Trabalho Migratório tinha 14 contas, sendo que 13 delas eram usadas para movimentar fundos provenientes das contribuições para o pagamento diferido dos mineiros, contudo o dinheiro foi desviado para fins até agora desconhecidos.

Nos três dias em que Helena Taipo apresentou-se no Tribunal Judicial do Distrito da Ka Tembe, contra todas as expectativas, parecia uma encenação entre a acusação e ré, uma vez que a juíza e o Ministério Público não tiveram argumentos para colocar Helena Taipo em sentido. Por sua vez, Taipo, conhecida como uma mulher sem papas na língua, ao contrário do que fez no caso do INSS, não citou o nome do partido Frelimo e Nyusi.

Em Tribunal, a “Tsunami” declarou que encontrou a Direcção do Trabalho Migratório já criado. Questionada sobre a nomeação do coordenador mineiro, Pedro Taimo, Taipo justificou que o mesmo estava a ser preparado para posterior nomeação.

“Ainda não fazia parte da estrutura da DTM, mas foi indicado alguém para responder uma situação que visava articular com os mineiros. Com a evolução do trabalho migratório e a pedido dos mineiros foi colocado o senhor Pedro Taimo que era uma pessoa potencialmente comunicativa com os mineiros. Estava prevista a criação do gabinete mineiro e Taimo estava a ser preparado para a posterior nomeação. Todos os fins de ano os representantes dos mineiros tinham encontro na Presidência da República, no qual também participavam os representantes da comunidade moçambicana na diáspora. Então, eles tinham no coordenador como elo de ligação com a presidência da República”, respondeu Taipo.

Cabazes são herança das anteriores direcções do MITRAB

O Ministério do Trabalho tinha um Secretário Permanente (SP), mas o mesmo viu algumas das suas competências serem transferidas para Pedro Taimo, por sinal homem de confiança da antiga ministra do Trabalho. Chamada a explicar os fundamentos legais para retirar competências ao SP e atribuir o Taimo, Helena Taipo declarou que “a competência para dirigir a Direcção do Trabalho Migratório não cabe ao Secretário Permanente. Ele assumiu algumas funções internamente porque o anterior director havia se transferido para a África do Sul como delegado. Quando nomeamos a nova directora, Anastácia Zitha, restituímos as competências a direcção”.

Entre 2010 e 2014, a Direcção do Trabalho Migratório, com critérios poucos transparentes, adquiriu 50 bicicletas para mineiros e seus dependentes na província de Nampula. Em tribunal, a antiga ministra do trabalho autorizou a compra daqueles meios circulantes para criar condições de mobilidade para identificar mais beneficiários mineiros no país.

“A DTM estava a expandir os serviços de reinserção social dos mineiros e pela primeira vez o PES de 2014 aumentou o número das províncias abrangidas fora das habituais Maputo, Gaza e Inhambane. Isto resulta de uma pesquisa feita as províncias de Nampula e Zambézia, onde constatamos a existência de beneficiários e instrui a criação de condições de mobilidade para identificar mais beneficiários mineiros no país”, declarou Taipo para depois justificar que não  lidava com questões de operacionalização, quando questionada sobre os fundos e modalidade usados para pagar a operação que culminou com a compra das bicicletas.

Entre 2013 e 2015, a Direcção do Trabalho Migratório gastou cerca de 1.423 milhões em cabazes. Na sua versão dos factos, o antigo Chefe da Repartição de Finanças da DTM, José Monjane, declarou que Helena Taipo era quem autorizava a compra de cabazes para as festividades do fim de ano. Entretanto, a “Tsunami” tornou público que o assunto dos cabazes já tinha barbas brancas no Ministério do Trabalho.

“A questão dos cabazes herdei e mesmo agora que não estou lá como ministra recebo cabazes não só do MITRAB como de outras instituições. No MITRAB trabalhamos com parceiros sociais, comissão consultiva do trabalho, sector privado, sindicatos que nos mandam cabazes e nós retribuíamos. Era reciprocidade em termos de saudações de final do ano”.

Sobre a casa em Muhavire, o tribunal também claudicou

Consta dos autos do processo que Helena Taipo tem um imóvel no bairro de Muhavire, na cidade de Nampula, mas quando questionada pela juíza a ré jurou de pés juntos que não tinha uma casa naquela localidade. No entanto, a casa em alusão chegou a ser ocupada pela sua filha. Em sede do Tribunal, a ré disse que não perguntou nada à filha porque era maior de idade. Estranhamente, mais uma vez, o tribunal claudicou. Não só não insistiu, como também não apresentou nenhum “anexo” para contrariar a ré.  

“A minha filha é maior de idade e não perguntei. Se alguém está interessado em saber sou eu porque houve um rombo de 113 milhões de meticais que se diz que parte do valor pagou a referida casa. Em relação à DTM que envolve a Kuyaka construções, em meados de 2014 a direcção provincial de Nampula tinha uma dívida com uma empresa relativa ao centro de formação de Malema. Instruí a DTM para se inteirar melhor do que estava a acontecer e fazer o pagamento porque era um assunto que fazia parte do Plano Económico Social, e de lá para cá não sei o que terá acontecido”, disse antes do estranho conformismo do tribunal.

Depois de assinar os contratos, os ministérios devem enviar toda a documentação para o Tribunal Administrativo (TA) para o efeito da validação dos mesmos. Contudo, o grosso dos contratos assinados entre a DTM e alguns fornecedores não foram autenticados pelo TA. Sobre os contratos, Taipo remeteu a resposta a Direcção Nacional do Trabalho Migratório

Quem executava as actividades eram os sectores. Esta pergunta cabe à DTM responder, caso tenha acontecido. A minha função era de assegurar que as coisas acontecessem, os pormenores não cabiam a mim. Durante 10 anos fui sempre inspecionada pelo Tribunal Administrativo, órgão competente para fiscalizar actos administrativos”.

Sobre os adiantamos, a Direcção do Trabalho Migratório fazia ao Ministério do Trabalho, a Teba, a minas não filiadas e outras instituições, Helena Taipo foi parca nas palavras, tendo se refugiado no “prefiro não responder”.

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