- Economista volta a alertar para contenção de expectativas
- “Não há nenhuma indicação de que a curto prazo haverá fundos disponíveis”
- “Aquilo que chamos de dividas ilícitas não é só um problema de corrupção…”
Tal como havia o feito no mandato de Armando Guebuza, em que alertou que vivíamos numa bolha económica, baseada na expectativa dos ganhos dos hidrocarbonetos, que a qualquer momento iria explodir gerando uma grande crise, o que acabou se comprovando, o economista Nuno Castelo Branco insiste que colocar o sector extractivo como epicentro da economia nacional pode minar o futuro do país, numa altura em que o Executivo de Filipe Nyusi, já em fim de mandato, aposta tudo na indústria do petróleo e gás. Na opinião daquele conceituado economista, no presente não há nenhuma indicação de que a curto prazo haverá fundos disponíveis para formar o Fundo Soberano, até porque os grandes investimentos do sector extractivo têm grandes incentivos fiscais.
Duarte Sitoe
O economista, que falava numa aula de sapiência sobre o tema “Economia Extractiva, Afunilamento da base produtiva e financeirização – Desafios para Moçambique”, no campus da Universidade Joaquim Chissano, em Maputo, voltou a alertar sobre os riscos de colocar uma excessiva expectativa na indústria extractiva como sendo a grande salvação da economia do país.
Carlos Nuno Castelo Branco defende que não se pode apenas olhar para o conteúdo local, mas sim encontrar uma ferramenta para transformar a economia como um todo e não apenas olhar para um aspecto.
“Não basta dizer que para resolver o problema temos que ter mais conteúdo local na produção, porque não existe. Qual é a natureza deste conteúdo local? O que é que implica ter um conteúdo local? Forçar o contexto de desenvolver o conteúdo local e as suas ligações com mega projectos vai transferir uma crise para um outro sector, vai transferir a crise para uma outra região. Deve-se encontrar a maneira de transformar a economia como um todo e não apenas olhar para um aspecto”, defende Castelo Branco.
O economista adverte que se Moçambique focar-se apenas num único aspecto estará a transferir as crises do capitalismo para o futuro, tal como aconteceu com as dívidas ocultas, tendo igualmente dado teorias de como pensar sistematicamente na economia e não pensar em sectores e acções pontuais à volta destes sectores.
“A crise da dívida soberana é o resultado de uma tentativa de encorajar a rápida expansão do investimento estrangeiro para, por um lado, atrair capital de grande escala para Moçambique e, por outro, ajudar as classes capitalistas nacionais a fazerem diversificação com esse capital internacional para poderem desenvolver, e a intervenção do Estado foi de viabilizar este tipo de economia. A dívida soberana nasce disso. As dívidas ocultas nascem de um processo associado a isso”, salienta.
“Aquilo que chamamos de dívidas ilícitas não é só um problema de corrupção, faz parte de uma lógica da formação do capitalismo moçambicano. É o exemplo de que andar a olhar para questões particulares, o que não resolve o problema”, sublinha.
“O Fundo Soberano não vai a curto prazo ter recursos”
Em 2020, com intuito de gerir as receitas provenientes da exploração de gás natural na Bacia de Rovuma e outros recursos minerais, o Governo, através do Banco de Moçambique, tornou pública a proposta da criação do Fundo Soberano, no entanto, numa altura em que o país caminha a passos largos de iniciar a exploração do gás natural através do Projecto Coral Sul FLNG, Nuno Castelo Branco entende que não há urgência de se criar o fundo em Moçambique.
O economista explica que o Fundo Soberano não é para gerir recursos naturais, mas sim para estabilizar a economia nacional, tendo adiantado que o fundo poderá ser imprescindível para estabilização da economia nacional a longo prazo.
Na opinião de Carlos Nuno Castelo Branco, no presente não há nenhuma indicação de que a curto prazo haverá fundos disponíveis para formar o Fundo Soberano.
“O problema não é tirar o fundo soberano do papel, o problema é ter receitas e a ideia de que no final deste ano vão começar a entrar receitas. Não é uma ideia minimamente razoável porque, em primeiro lugar, estes grandes investimentos têm grandes incentivos fiscais, em segundo, a prioridade dá-se a investidores privados fazerem a recuperação do investimento realizado e em terceiro há dívidas enormes para serem pagas. O Fundo Soberano não vai a curto prazo ter recursos. Isso chama-se falácia, a não ser que a única maneira de ter recursos é receber financiamento externo, mas isso não é um Fundo Soberano. O problema é o que acontece com o processo de acumulação de capital e neste momento não há nenhuma indicação de que a curto vai haver fundos livres sem compromissos para poder formar o Fundo Soberano. Qual é a vantagem de se criar um Fundo Soberano sem fundos?”, questionou.
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